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Literatura portugues


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Fica este livro — confissão sincera


Da alma que a ti voou e em ti só ’spera.

[171] O ANJO CAÍDO

1Era um anjo de Deus

2Que se perdera dos céus

3E terra a terra voava.

4A seta que lhe acertava

5Partira de arco traidor,

6Porque as penas que levava

7Não eram penas de amor.
8O anjo caiu ferido

9E se viu aos pés rendido

10Do tirano caçador.

11De asa morta e sem esplendor

12triste, peregrinando

13Por estes vales de dor,

14Andou gemendo e chorando.
15Vi-o eu, o anjo dos céus,

16abandonado de Deus,

17Vi-o, nessa tropelia

18Que o mundo chama alegria,

19Vi-o a taça do prazer

20Pôr ao lábio que tremia

21E só lágrimas beber.
22[172] Ninguém mais na terra o via,

23Era eu só que o conhecia...

24Eu que já não posso amar!

25Quem no havia de salvar?

26Eu, que numa sepultura

27Me fora vivo enterrar?

28Loucura! Ai, cega loucura!
29Mas entre os anjos dos céus

30Cantava um anjo ao seu Deus;

31E remi-lo e resgatá-lo,

32Daquela infâmia salvá-lo

33Só força de amor podia.

34Quem desse amor há-de amá-lo,

35Se ninguém o conhecia?
36Eu só. — E eu morto, eu descrido,

37Eu tive o arrojo atrevido

38De amar um anjo sem luz.

39Cravei-a eu nessa cruz

40Minha alma que renascia,

41Que toda em sua alma pus,

42E o meu ser se dividia,
43Porque ela outra alma não tinha,

44Outra alma senão a minha...


45Tarde, ai! tarde o conheci,

46Porque eu o meu ser perdi,

47E ele à vida não volveu...

48Mas da morte que eu morri

49Também o infeliz morreu.
[177] ESTE INFERNO DE AMAR

50Este inferno de amar — como eu amo! —

51Quem mo pôs aqui n’alma... quem foi?

52Esta chama que alenta e consome,

53Que é a vida — e que a vida destrói —

54Como é que se veio a atear,

55Quando — ai quando se há-de ela apagar?
56Eu não sei, não me lembra: o passado,

57a outra vida que dantes vivi

58Era um sonho talvez... — foi um sonho —

59Em que paz tão serena a dormi!

60Oh! que doce era aquele sonhar...

61Quem me veio, ai de mim! despertar?


62Só me lembra que um dia formoso

63Eu passei... dava o sol tanta luz!

64E os meus olhos, que vagos giravam,

65Em seus olhos ardentes os pus.

66Que fez ela? eu que fiz? – Não no sei;

67Mas nessa hora a viver comecei...


[180] GOZO E DOR

68Se estou contente, querida,

69Com esta imensa ternura

70De que me enche o teu amor?

71Não. Ai não; falta-me a vida;

72Sucumbe-me a alma à ventura:

73excesso do gozo é dor.


74Dói-me alma, sim; e a tristeza

75Vaga, inerte e sem motivo,

76No coração me poisou.

77Absorto em tua beleza,

78Não sei se morro ou se vivo,

79Porque a vida me parou.


80É que não há ser bastante

81Para este gozar sem fim

82Que me inunda o coração.

83Tremo dele, e delirante

84Sinto que se exaure em mim

85Ou a vida — ou a razão.

[190] OS CINCO SENTIDOS

86São belas — bem o sei, essas estrelas,

87Mil cores — divinais têm essas flores;

88Mas eu não tenho, amor, olhos para elas,

89Em toda a natureza

90Não vejo outra beleza

91Senão a ti — a ti!
92Divina — ai! sim, será a voz que afina

93Saudosa — na ramagem densa, umbrosa.

94Será; mas eu do rouxinol que trina

95Não oiço a melodia,

96Nem sinto outra harmonia

97Senão a ti — a ti!


98Respira — n’ aura que entre as flores gira,

99Celeste — incenso de perfume agreste.

100Sei... não sinto, minha alma não aspira,

101Não percebe, não toma

102Senão o doce aroma

103Que vem de ti – de ti!


104[191] Formosos — são os pomos saborosos,

105É um mimo — de néctar o racimo:

106E eu tenho fome e sede... sequiosos,

107Famintos meus desejos

108Estão... mas é de beijos,

109É só de ti – de ti!


110Macia — deve a relva luzidia

111Do leito — ser por certo em que me deito.

112Mas quem, ao pé de d, quem poderia

113Sentir outras carícias,

114Tocar noutras delícias

115Senão em ti — em ti!


116A ti! ai, a ti só os meus sentidos,

117Todos num confundidos,

118Sentem, ouvem, respiram;

119Em ti, por ti deliram.

120Em ti a minha sorte,

121A minha vida em ti;

122E quando venha a morte,

123Será morrer por ti.


[192] ROSA E LÍRIO

124A rosa

125É formosa

126Bem sei.

127Porque lhe chamam — flor

128D’amor,

129Não sei.
130A flor,

131Bem de amor

132É o lírio;

133Tem mel no aroma — dor

134Na cor

135lírio.


136Se o cheiro

137É fagueiro

138Na rosa,

139Se é de beleza — mor

140Primor

141A rosa,


142[193] No lírio

143martírio

144Que é meu

145Pintado vejo: — cor

146E ardor

147É o meu.


148A rosa

149É formosa,

150Bem sei...

151E será de outros flor

152D’amor...

153Não sei.


[195] CASCAIS

154Acabava ali a terra

155Nos derradeiros rochedos,

156A deserta árida serra

157Por entre os negros penedos

158Só deixa viver mesquinho

159Triste pinheiro maninho.
160E os ventos despregados

161Sopram rijos na rama,

162E os céus turvos, anuviados,

163Tudo ali era braveza

164De selvagem natureza.
165Aí, na quebra do monte,

166Entre uns juncos mal medrados,

167Seco o rio, seca a fonte,

168Ervas e matos queimados,

169Aí nessa bruta serra,

170Aí foi um céu na terra.


171[196] Ali sós no mundo, sós,

172Santo Deus! Como vivemos!

173Como éramos tudo nós

174E de nada mais soubemos!

175Como nos folgava a vida

176De tudo o mais esquecida!


177Que longos beijos sem fim,

178Que falar dos olhos mudo!

179Como ela vivia em mim.

180Como eu tinha nela tudo,

181Minha alma em sua razão,

182Meu sangue em seu coração!


183Os anjos aqueles dias

184Contaram na eternidade:

185Que essas horas fugidias,

186Séculos na intensidade,

187Por milénios marca Deus

188Quando as dá aos que são seus.


189Ai!, sim foi a tragos largos,

190Longos, fundos, que a bebi

191Do prazer a taça: — amargos

192Depois... depois os senti

193Os travos que ela deixou...

194Mas como eu ninguém gozou.


195Ninguém: que é preciso amar

196Como eu amei — ser amado

197Como eu fui; dar, e tomar

198Do outro ser a quem se há dado,

199Toda a razão, toda a vida

200Que em nós se anula perdida.


201Ai, ai!, que pesados anos

202Tardios depois vieram!

203Oh, que fatais desenganos,

204Ramo a ramo a desfizeram

205A minha choça na serra,

206Lá onde se acaba a terra!


207[197] Se o visse... não quero vê-lo

208Aquele sítio encantado;

209Claro estou não conhecê-lo,

210Tão outro estará mudado,

211Mudado como eu, como ela,

212Que a vejo sem conhecê-la!


213Inda ali acaba a terra,

214Mas já o céu não começa;

215Que aquela visão da serra

216Sumiu-se na treva espessa,

217E deixou nua a bruteza

218Dessa agreste natureza.


[209] BARCA BELA

219Pescador da barca bela,

220Onde vais pescar com ela,

221Que é tão bela,

222Ó pescador?
223Não vês que a última estrela

224No céu nublado se vela?

225Colhe a vela,

226Ó pescador!


227Deita o laço com cautela,

228Que a sereia canta bela...

229Mas cautela,

230Ó pescador!


231[210] Não se enrede a rede nela,

232Que perdido é remo e vela

233Só de vê-la,

234Ó pescador,


235Pescador da barca bela,

236Inda é tempo, foge dela,

237Foge dela

238Ó pescador!





Texto

99


GARRETT, Almeida. “Tronco despido”. In: Flores sem Fruto. In: Obras. Porto: Lello & Irmão, 1963. v. 2, p. 67.

TRONCO DESPIDO



Sine nomine corpus Virgílio
Qual tronco despido

De folha e de flores,

Dos ventos batido

No inverno gelado

De ardentes queimores

No estio abrasado,

De nada sentido,

Que nada ele sente...

Assim ao prazer,

À dor indif’rente,

Vão-me horas da vida

Comprida
Correndo,


Vivendo,
Se é vida

Tão triste viver.




Texto

100


COELHO, Jacinto do Prado. «Folhas Caídas». In: COELHO, Jacinto do Prado (dir.). Dicionário de Literatura. 3. ed. Porto: Figueirinhas, 1985. v. 2. p. 348-9.

[348] Exceptuando alguns poemas das Flores sem Fruto (1845), é nesta colectânea que se encontra o melhor da lírica de Almeida Garrett. A ideia romântica de que a poesia vale na medida em que são espontâneos, vividos e intensos os sentimentos que traduz vinculou o Autor à circunstância biográfica, levando-o, por outro lado, a carregar as tintas na expressão vibrante, declamada, dos impulsos afectivos. Daí sermos tentados a considerar quase apenas, nas Folhas Caídas, o documento psicológico, e reconhecermos hoje que se exagerou muito o valor estético da obra. Do ponto de vista «documento», as Folhas Caídas contêm, na verdade, muito de sugestivo. Mostram em Garrett a mistura de sinceridade e fingimento, o mundanismo, a versa­tilidade (êxtases do amor carnal, remorsos, desistência), o calculado exibicionismo. Garrett decerto previa que os seus poemas de confidência iam convidar o leitor a estabelecer nexos com episódios e personagens. A sua ligação com Rosa Mon­tufar, baronesa da Luz, era por demais conhecida e comentada para não se especular sobre o segundo sentido de palavras como luz e rosa nas Folhas Caídas. Declarando ter dedicado os seus poemas ignoto deo, o Autor julgava oportuno advertir: «Ainda assim, no ignoto deo não imaginem alguma divindade meio velada com cendal transparente, que o devoto está morrendo que lhe caia para que todos a vejam bem clara» — o que mais aguçava a curiosidade do lei­tor. Se Garrett afrontou o escân­dalo, foi talvez por julgar que o des­vairo amoroso estava já resgatado pelo desengano, pela repulsa (inter­mitente embora) do pecado, pela aspiração a uma ideal pureza — e firmando-se na sua concepção ro­mântica dos dons e privilégios do poeta, ser incompreendido pelo mun­do vulgar, de mesquinhos interesses. Foi a poesia passional, com os temas do horror de si mesmo, da euforia erótica, da mulher-anjo e da mulher-demónio, do ciúme, da lembrança pungente duma felicidade que não voltará (ode «Cascais») — poesia subli­mada por lugares-comuns do vocabulário e da simbólica, dramatizada por antíteses, alegorias e uma forma coloquial ora veemente ora de íntimo abandono (novidade das Folhas Caídas, e prenunciada no séc. XVIII por José Anastácio da Cunha) — foi esta poesia a que mais deu que falar. Todavia a linguagem, exclamativa, a afectada, envelheceu muito. E são talvez poemas de motivos brandos, melancólicos (por ex., «Tronco despido», nas Flores sem Fruto, e «Voz e Aroma», de tom confessadamente lamartiniano, nas Folhas Caídas) os textos que conservam maior poder sugestivo, como poesia. Foram eles, talvez, que mais impressionaram Fer­nando Pessoa — o qual diz ter [349] come|çado a escrever versos portugueses «num impulso súbito, vindo da leitura das Folhas Caídas e das Flores sem Fruto».




Texto

101


SARAIVA, António José; LOPES, Óscar. História da Literatura Portuguesa. 15. ed. Porto: Porto, 1989. p. 759-761.

[759] A lírica de Garrett. — A autêntica poesia vai nascer em Garrett desta veia romântica da confissão. Vimos que os primeiros versos reunidos na Lírica de João Mínimo mal saem da mediocridade arcádica. A ênfase, a declamação, os recursos retóricos arcádicos suprem a falta de vibração lírica. O amor é um simples tema de exercícios literários, aliás destituídos de qualquer originalidade. Há uma ou outra nota de chalaça filintista (é o caso da fábula de O Galego e o Diabo).

O próprio Garrett dá-se conta deste formalismo, e escreve no prefácio do 2.º volume dos seus versos, referindo-se à Lírica de João Mínimo:
Fala de amor o poeta... Sim, fala; e há Délias e há Lílias, e há flores e há estrelas, e há beijos e há suspiros, e há todo esse estado maior e menor do um exército de paixões que sai a conquistar o mundo no principio da vida de um rapaz de alma, de fogo, de exuberante energia e veemência de sangue. Mas esse exército é todo de parada, forma bem na revista — em travando peleja séria há-de fugir, porque é boçal e não o anima nenhum sentimento verdadeiro e tenaz. Vê-se o poeta através do amante: falso amor e falsa poesia!»
Garrett falava assim porque já então entrara na sua segunda fase poética, muito mais intensa, cristalização de uma genuína expe­riência amorosa. As Flores sem Fruto e, mais ainda, as Folhas Caídas traduzem esta experiência. As Flores sem Fruto representam uma transição; há aí muita poesia arcádica em metros variados, mas também alguns temas comuns às Folhas Caídas, tratados num novo estilo, em [760] que o eruditismo arcádico cede o lugar a uma coloquialidade valorizada, e em que as formas de modelo clássico são substituídas por estrofes e rimas mais próximas da simplicidade popular, como a quadra e a redondilha. E há também os primeiros rebates do amor-paixão, que será o tema absorvente das Folhas Caídas.

Este último livro representa uma novidade na poesia portuguesa (se descontarmos alguns poemas atrás aludidos de José Anastácio da Cunha, um ou outro fragmento de Bocage) pelo individualismo exacerbado e até exibicionista, juntamente com um ar de confidência que na época desafiou o escândalo; pela intensidade e veemência da emoção amorosa, tão bem imediatizada; e enfim pela apropriação à poesia da fala íntima levando a termo a evolução já visível nas Flores sem Fruto.

Muitos dos poemas incluídos nas Folhas Caídas inserem-se em situações (no sentido dramático), são fragmentos de diálogo em que percebemos nitidamente a presença do interlocutor, embora não ouçamos a sua fala: é o caso do famoso Adeus! Estão, por outro lado, cheios de referências a circunstâncias biográficas: as menções frequentes da «luz» e da «rosa» roçam pelo título e pelo nome da viscondessa da Luz, D. Rosa de Montofar; a «cruz» também frequentemente mencionada tem origem no nome de Maria Kruz Azevedo.

Esta circunstancialidade, por vezes carecida de um comentário biográfico, compromete, por isso, o essencial da obra, embora constituísse na época um factor de sucesso, O interesse biográfico nem sempre coincide nas Folhas Caídas com o interesse estético. O dramatismo das poesias «de situação» mostra, por outro lado, a força do pendor dramático de Garrett, nele muito mais considerável e interessante que o pendor lírico. Alguns poemas líricos, no entanto, se salvam neste curioso subjectivismo de quem se vê sempre em cena.

Trata-se de uma poesia suspirada ou gritada, em que se traduzem geralmente com simplicidade inteiriça e por vezes frenética o desejo, a volúpia, o remorso, o ciúme, a dor da separação. A reflexão raramente e pouco distancia o autor dos seus sentimentos. Sem dúvida Garrett tem o gosto das oposições: a oposição entre o amor que eleva e o que rebaixa (Eu tinha umas asas brancas; Anjo és); a oposição entre [761] o Amar e o bruto Querer, que no fundo se encarece à luz do «demoníaco» byroniano (Não te amo); mas trata-se de temas muito estereotipados de um nível de reflexão muito elementar (se a compararmos por exemplo com a dos melhores poemas quinhentistas). Não é ai que deve buscar-se o interesse perdurável da lírica de Garrett, antes, de preferência, na expressão audível, admiravelmente rítmica e de sabor popular de temas muito correntes (Suspiro que nasce d’alma), ou na tensão dramática de certos poemas de «situação» (Adeus!).

Mas há, além disto, certos achados em algumas composições que ganham maior relevo à luz da evolução posterior da poesia. Assim, no poema Os Cinco Sentidos, em que o autor procura transpor o clímax da volúpia sensual, encontramos um processo de imaginação sinestética que anuncia o simbolismo. Outros aspectos precursores do simbolismo são o uso da aliteração, da assonância (em vez da rima consoante) e da rima interna, e ainda a polivalência de significados da Barca Bela.

Há, em suma, no poeta Garrett da fase final um misto de confissão e de teatralidade. O poeta, como Carlos das Viagens, gosta de se apresentar sob a forma de um homem fatal perseguido por remorsos, e alternativamente como vitima sem remédio da mulher fatal, com ela despenhado no abismo da perdição (Anjo és). Exibicionismo aliás característico dos poetas eróticos românticos da linhagem de Byron e Musset.

Sob o aspecto métrico, Garrett abandona definitivamente nas Folhas Caídas o verso branco arcádico e os géneros clássicos; mani­festa preferencia pela redondilha em estrofes regulares, de rima empa­relhada, alternada ou cruzada (quadras, sextilhas, estrofes de sete e oito versos). Estas formas eram correntes entre os românticos espanhóis, e não representavam também novidade em Portugal: o Trovador é sete anos anterior à primeira edição das Folhas Caídas; mas a poesia ultra-romântica não passava, como veremos, de uma desmaiada retórica já feita de clichés. As Folhas Caídas são-lhe infinitamente superiores em originalidade, em vibração de vida vivida, na crispação comunicável de um gozo que é também uma dor — e, resumindo, em invenção literária.




Texto

102


FERREIRA, Maria Ema Tarracha. Viagens na minha terra. In: GARRETT, Almeida. Viagens na minha terra. Lisboa: Ulisseia, s. d. p.23-32.63
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