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Literatura portugues


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PRELIMINARES
1. O movimento romântico, que conheceu seus primeiros estágios sob o impulso do espírito revolucionário herdado das idéias iluministas do século XVIII e das mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais provocadas pelas Revoluções Industrial e Francesa, é a primeira manifestação de uma consciência de mundo moderna. Multifacetado, em razão de sua origem plural e da série de “aclimatações” por que passou nos diferentes países em que se manifestou, foi impulsionado por várias correntes de pensamento, as mais das vezes, contraditórias entre si29. Além disso, os rumos assumidos, tanto pela revolução social quanto pela burguesia liberal, interferiram profundamente na atitude do artista frente à realidade histórica em que se inseria. Movimento de difícil conceituação, não se pode falar dele como manifestação estética coesa e unívoca. Haveria, com efeito, vários romantismos.

Entretanto, apesar de seu perfil difuso, é possível estabelecer alguns pontos básicos que permitem compreender o que representou o movimento romântico para a História da Cultura Ocidental. Resultado da crise de valores que se instaura a partir da segunda metade do século XVIII, o Romantismo assimila as contradições histórico-sociais de sua época e as transforma em soluções estéticas. Ao mesmo tempo que se vê seduzido pelos ideais revolu­cionários de 1792, expressa também a voz dos descontentes. A grande burgue­sia, que se associara à classe média e ao proletariado, a fim de banir a nobreza do poder, em nome de uma sociedade mais justa, tão logo alcança seus objetivos, abandona antigos aliados à mercê da própria sorte. Nesse contexto, o Romantismo assimila as contradições histórico-sociais de sua época e as transforma em soluções estéticas30. Alberto Ferreira, ao examinar essa questão, [12] dirige sua análise para a dicotomia que observa existir no Romantismo, traduzindo-a pelas expressões: “romantismo social” e “romantismo subjetivo”. Para o ensaísta português, “numa sociedade cada vez mais dominada pelos barões, pela febre da riqueza e do ouro, pela posse de propriedades e de objetos, a arte antiburguesa só podia orientar-se para dois caminhos. O primeiro tentando a progressiva libertação humana do império desses valores: dali nasce o romantismo social. O segundo negando a realidade desses valo­res, numa desesperada tentativa de encontrar a perfeição pelo espírito: daí o romantismo misantropo”31.

2. A segunda metade do século XVIII registra uma série de mudanças no contexto histórico-cultural que determinará o advento do Romantismo. As transformações socioeconômicas impulsionadas pela Revolução Industrial, associadas às idéias de mudança e progresso defendidas pelo Iluminismo, são responsáveis pelo abalo do sistema político-social sustentado pelo absolutis­mo esclarecido. A crise dos valores do Ancien Régime contribui também para o desmoronamento do edifício estético-filosófico que sustentava a visão do mundo racionalista, se traduzida por meio de um discurso especulativo e totalitário.

É na Inglaterra, berço tanto da primeira Revolução Liberal do Ocidente quanto da Revolução Industrial, que ocorrem as primeiras reações contra uma literatura que privilegia o domínio da razão e o culto aos modelos greco-ro­manos. Desde 1688, o povo inglês vive sob o governo de um regime liberal. A figura do rei, ao contrário do que ocorre na Europa Continental, tem seu poder limitado pelo Parlamento. O novo sistema político implantado traz como conseqüência a ascensão da burguesia, que contribuirá para a eclosão da Revolução Industrial, promovendo uma série de empreendimentos. Além disso, a teoria do conhecimento proposta por John Locke em seu Ensaio sobre o entendimento humano (1690) também será responsável pelas transformações operadas na cultura inglesa ao longo do século XVIII. Ao analisar o raio de ação, bem como a importância do sistema filosófico de John Locke, Paul Hazard destaca que “raros são os autores que abordam, por instinto, todas as questões essenciais, e apenas essas, a fé, a moral, a política, a educação, e que em todos esses assuntos deixa a sua marca indelével: John Locke foi um deles. E descobre-se hoje que, mesmo no campo da literatura ele foi também um revolucionário: não só por haver destruído de um só golpe as velhas retóricas e as velhas gramáticas, demonstrando que a arte de escrever não consistia na aplicação de regras e preceitos, antes procedendo da atividade interior da alma, mas porque deu à impressão, à sensação, um lugar que lhe não fora atribuído”32. Ao contrário do que ocorrerá em França e nos demais países da [13] Europa Continental, o sistema proposto pelo filósofo inglês nega as idéias inatas em favor de um conhecimento empírico e pragmático do Universo. Por isso, embora o Neoclassicismo e o pensamento iluminista tenham influencia­do a cultura inglesa ao longo do século XVIII, não se pode afirmar que tenham dirigido o pensamento britânico, como aconteceu com os demais países da Europa. Graças à especificidade da estrutura política, social, econômica e cultural no Século das Luzes, a Inglaterra é o primeiro país a se revoltar contra o despotismo artístico e intelectual que a França então exerceu.

O burguês, que durante o período neoclássico tem sua figura relegada a plano secundário, encontra na Inglaterra, desde o início dos Setecentos, pres­tígio cada vez mais acentuado33. Em 1702, estréia, em Londres, a peça Os gêmeos rivais (The twin rivals), de Farquhar, dando início à tragédia burguesa: clássica na forma, burguesa no conteúdo. Por essa época, surge Alexander Pope, que escreve o Ensaio sobre a crítica (1711). Nele, o ensaísta refere-se à Inglaterra como nação “gótica e bárbara”, com o objetivo de disciplinar os abusos retóricos dos ingleses contra a disciplina, a clareza e a racionalidade, qualida­des julgadas como fundamentais por Boileau em L’Art poétique. Entretanto, o esforço de Pope surtiu efeito temporário. Os ingleses, paulatinamente, afas­tam-se do ideal estético francês, por não encontrarem nele indícios da situação histórico-cultural de seu país. Em 1726, Thomson inicia a publicação de suas Estações. A natureza ali representada, por evitar o mecanicismo setecentista, ao se afastar da concepção bucólica legada pela tradição clássica, reproduz a “cor local”; “deixa de ser mero jogo de modelos retóricos para se tornar a sua presença efetiva”34. Assim, a Inglaterra do século XVIII assiste à ascensão paulatina do drama burguês e do culto à natureza bruta.

Simultaneamente a essas novas fontes da criação estética, desencadeia-se um movimento nacionalista que visa a sobrepor a cultura inglesa ao modelo cultural francês: o gótico, o bárbaro, o cristão e o irregular, sustentados por um discurso em que a subjetividade e a emoção se colocam como fio condutor, tomam-se bastante caros aos artistas ingleses, pois neles encontram sua iden­tidade nacional. Analisando a questão desde os primeiros momentos, F. Garrido Pallardó observa que, por motivos históricos distintos, a França e a Inglaterra desenvolvem dois sistemas de conhecimento opostos. O sistema francês, alicerçado no racionalismo cartesiano, fornecerá os pressupostos estético-ideológicos para o Arcadismo, ao passo que o inglês, estruturado em obediência ao pragmatismo da filosofia de Locke, determinará a ruptura com o racionalismo clássico35. Em 1723, Ambrose Philips publica sua Coleção de velhas baladas, com a clara finalidade de contrapor-se a Pope e ao ideal clássico de arte por ele defendido. Nela, o gótico, pela primeira vez, “comparece frente [14] a Virgílio e Homero”36. Quanto ao nacionalismo, o escocês MacPherson desem­penhará papel de fundamental importância para sua divulgação. Ao buscar as origens autóctones da arte inglesa, revela-se um apaixonado pela Escócia e por tudo que a representa. Compõe, em 1760, os Fragmentos da poesia antiga, que, segundo seu testemunho, eram traduções de poemas do bardo escocês do século III, Ossian (Fingal; Temora). Embora, mais tarde, tenha sido compro­vado que tudo não passara de uma fraude, o “ossianismo” desencadeia não só na Inglaterra como em toda a Europa uma febre nacionalista.

O culto à natureza, a contemplação de ruínas, a procura da noite como refúgio à banalidade do cotidiano, a solidão como forma de se atingir a plenitude existencial tomam-se, ao lado do nacionalismo e do drama burguês, o grande estímulo para a literatura inglesa no século XVIII. Além de Thomson, anteriormente citado, destacam-se ainda Allan Ramsay e Edward Young. O primeiro publica The evergreen e The tea table miscellany, respectivamente em 1724 e 1724/1727, apresentando-os como antologias de velhas baladas esco­cesas. Em 1725, lança The gentle shepherd, cujo bucolismo anuncia o surgimento da poesia inspirada no sentimento da Natureza. Night thoughts, de Young (1742/1745), inicia o ciclo da poesia noturna e funérea.

A novela gótica, bem como a narrativa de cunho sentimental, encontram terreno propício para seu desenvolvimento. Horace Walpole, com o Castelo de Otranto (1764), vai ao encontro das expectativas do público leitor que, cansado das figuras hieráticas da mitologia clássica, se compraz com as situações narrativas retomadas da Idade Média. Uma nova sensibilidade começa a definir-se com esses elementos. A estética do horrendo e do terrível aí se desenvolve e deixa de ser apenas uma das categorias do belo para tornar-se uma qualidade que lhe é inerente. A respeito da mudança na sensibilidade que se verifica a partir de meados do século XVIII, primeiramente na Inglaterra e, em seguida, em toda a Europa, Mano Praz traz informações importantes. O crítico italiano chama a atenção para o seguinte: “Do belamente horrendo passou-se, por meio de gradação imperceptível, ao horrendamente belo. A beleza do horrendo não pode ser considerada uma descoberta do século XVIII, embora somente a partir daí essa idéia logrou concretizar-se com maior clareza. Além disso, não foi mais do que a constatação de que, como assinala Flaubert: “antigamente acreditava-se que a cana-de-açúcar dava apenas açú­car; hoje em dia, tira-se um pouco de tudo; o mesmo ocorre com a poesia, extraímos dela não importa o quê, pois ela habita em tudo e em todo lugar” 37.

Por outro lado, os heróis e deuses greco-romanos, que povoavam a literatura neoclássica, conhecem também seu revés, ao serem substituídos por figuras retiradas da classe média. Estas vivem seus conflitos existenciais em narrativas marcadas pelo sentimentalismo e subjetividade. Tem-se nestas histórias o embrião do romance moderno, e Samuel Richardson é o primeiro prosador a realizar uma série de obras dentro dessa perspectiva: Pamela (1740), Clarissa Harlowe (1747/1748), Sir Charles Grandison (1753/1754).

Há que observar também que não foram apenas as produções estéticas que se colocaram contra o racionalismo francês na Inglaterra. Shaftesbury publica, em 1709, Characteristics of men, manners, opinions, e nele discorre a respeito do que se deve entender por “sentido interior”, considerando-o ple­namente desenvolvido nos homens normais e cultos. A importância de tal concepção é que ela personaliza o conceito de beleza, ao pôr em relevo a reação de diferentes sujeitos frente a um mesmo estímulo: o que pode ser atraente para uns pode ser repulsivo para outros. Addison e Steele, através do perió­dico The Spectator, popularizam aspectos tanto da gentry38 campesina quanto do burguês citadino e afirmam, corroborando as idéias de Shaftesbury, que o gosto deve ser entendido como “tato” interior que permite a sensibilidade reagir segundo as diferentes conveniências39. E, entretanto, na segunda meta­de do século XVIII que a questão entre clássicos e modernos se acirra. Joseph Warton publica, em 1756, o primeiro volume de seu Essay on the writings and genius of Pope, onde faz sérias restrições à estética neoclássica. Seu irmão, Thomas Warton, é ainda mais categórico nos ataques à influência francesa e ao classicismo estético decorrente dela. Em Observations on the fairie queene of Spenser (1754) e The history of english poetry (1774/1781), estabelece o contraste entre a literatura “romântica”, tanto medieval quanto renascentista, e toda a tradição derivada da antigüidade clássica. Nele revela “um gosto autêntico pelo curioso e selvagem, pelo estranho e imaginativo, pelo gótico e extrava­gante40.

Seguindo rota paulatina, e vencendo os obstáculos com certa facilidade, no final do século XVIII, a arte romântica encontra ambiente propício para desenvolver-se plenamente na Inglaterra. Aí, sob a pressão de “forças das mais diferentes origens, a tradição clássica, com suas exigências e restrições, suas elegâncias convenientes, está quase completamente destruída; o lugar está livre para os românticos edificarem, sobre um terreno de agora em diante [16] desvencilhado dos obstáculos, novos monumentos, estilos, aliás, muito diver­sos, e realizarem o que seus predecessores tinham tentado ou entrevisto”41.

3. O universo cultural da Alemanha setecentista é bastante diverso do encontrado na Inglaterra. Falta-lhe a unidade política e lingüística. É um país que, pulverizado pela existência de centenas de pequenos estados (360), deixa-se sufocar pela mesquinhez da vida municipal. A Revolução Industrial ainda é realidade distante e as classes médias alemãs que, nos séculos XIV e XV, haviam alcançado importância política, social e econômica, sofrem agora as mais sérias restrições e perseguições por parte dos príncipes, nobreza e imperador. Começando por perder a fortuna e os privilégios, acabaram per­dendo a confiança em si e o respeito pessoal. Finalmente, como conseqüência da miséria a que haviam sido arrastados, os membros das classes médias desenvolveram ideais de submissão total e de lealdade inabalável que fizeram com que o mais subserviente conformista se considerasse servidor de uma “Idéia Superior”.

Em pleno “Século das Luzes”, o Estado alemão impõe aos cidadãos um sistema político-social preso aos princípios do feudalismo medieval e se mostra duro e intolerante com todos aqueles que tentam questionar o status quo vigente. Não há liberdade de expressão; a imprensa sofre todo tipo de censura. Esta situação opressora, ao mesmo tempo que alija a classe média dos princípios do pensamento iluminista, só acena com uma saída: o puro intelec­tualismo42. Segundo Arnold Hauser, na Alemanha do século XVII, “a maioria dos membros da classe média e a classe culta nunca conseguiram compreen­der o significado do Iluminismo, como relacionado com seus próprios interes­ses de classe; estavam sempre prontos a aceitar uma exposição deformada da natureza do movimento e uma caricatura das limitações e das insuficiências do Racionalismo. É claro que não deveriam tomar tais representações e caricaturas como um processo de, por assim dizer, conspiração, em que os escritores atuavam como instrumentos e cúmplices dos políticos governantes. É provável que nem mesmo os que orientavam realmente a opinião pública tivessem consciência de que o que se estava passando era uma falsificação ideológica dos fatos; (...)”43.

É na Universidade de Gotinga que surgem as primeiras reações contra a situação vigente. Ali, os jovens universitários alemães começam a receber [17] uma série de informações vindas da Inglaterra: o amor pelo nórdico e pelo autóctone, em oposição ao “francês romano” e às teorias filosóficas e estéticas estribadas no racionalismo e na imitação de modelos. Ao provocar essa nova situação, a jovem intelectualidade alemã se vê ameaçada por dois inimigos. O primeiro é a cultura clássica, bastante sólida nos estados do Reno e na Baviera; o segundo, a política clássica de seus soberanos. Diante da dupla ameaça, os jovens universitários reagem energicamente; isso explica a violência que a luta contra a retórica de Boileau conhece na Alemanha. Assim, mesmo percorren­do caminhos diferentes daqueles trilhados pelos intelectuais ingleses, os alemães também procuram sua identidade cultural, opondo-se a tudo o que possa transpirar influência francesa44.

Entretanto, o Iluminismo alemão, a Aufklärung, que persiste na Alema­nha até o final dos Setecentos, encontra aliados ambíguos em muitos pensa­dores. Klopstock, por exemplo, influenciado pelas idéias do suíço Bodmer, em seu poema A messíada, busca no Cristianismo e na Bíblia o sentimentalismo e ­o lirismo místico de seus versos. Lessing, por seu turno, dá a público seu famoso Lacoonte. Nele, combate o gosto miserável dos franceses, repudiando a idéia da imitação de modelos impostos pela cultura francesa. Em Dramaturgia de Hamburgo (1767/1768), o escritor alemão retoma os argumentos apresentados no Lacoonte, aplicando-os ao teatro. Suas idéias deixam transparecer desprezo que sente pelo teatro clássico francês e, em contrapartida, valoriza Shakespeare; discute a questão das três unidades e busca na tragédia grega exemplos que contrariam a mesura e contenção de Racine e de Molière. F. Garrido Pallardó, ao confrontar a situação cultural inglesa e a alemã, conclui que “Klopstock e Lessing não procuram, como o fizeram os ingleses, justificar tendências baseadas no gosto pessoal ou na história do povo teutônico, mas tentaram transcrever para o alemão um passado ilustre usurpado pelo francês e, ao mesmo tempo, desfazer aquele epíteto de bárbaros com que os meridio­nais se referiam aos teutônicos45.

A par disso, porém, é com o Laocoonte de Lessing que se começa a defender a liberdade de estilos e se abre o caminho para a geração de jovens escritores e pensadores que desencadeará o movimento do Sturm und Drang. Herder assume papel importante nos novos rumos da Literatura Alemã; o contato com Goethe no inverno de 1770/1771 foi decisivo. As idéias do crítico alemão tomaram-se a pedra de toque para o novo ideário estético na Alemanha. O irracionalismo incontido, a defesa da criação como resultado do Gênio criador e a ênfase no indivíduo em crise com a realidade circundante são as linhas de [18] força desse movimento que, embora efêmero, bafejou seus ares por toda a Europa. Goethe e Schiller tornam-se o porta-voz da revolta européia contra a asfixia do Iluminismo francês. Werther, Wilhelm Meister, Os assaltantes apresen­tam-se como novo ideário. Assim, o final do século XVIII europeu é assolado pelo pessimismo que emana das obras dos artistas germânicos. Aliam-se-lhe a revolta contra as instituições, o desejo de fuga e o desprezo à vida. Este é o novo modelo de comportamento que se impõe a partir daí.

4. A França, berço do Iluminismo, de maneira menos coesa e organiza­da, vê eclodir, no período pré-revolucionário, o pré-Romantismo. Entretanto, pelo fato de os pré-românticos franceses serem pouco numerosos e viverem isolados uns dos outros, não houve condição favorável para que ocorresse uma mudança de fato na arte. Além disso, há que levar em consideração a falta de sintonia entre uma arte que coloca o sentimento e a emoção em primeiro plano e os ideais revolucionários defendidos com radicalismo, após a queda do Ancien Régime. A arte francesa, durante o período que vai da queda da Bastilha até o reinado de Napoleão, serve a interesses sociais determinados ao sabor da vontade dos diferentes governos. Se fatores de ordem político-so­cial interferem, portanto, nas possíveis mudanças literárias e impedem que na França, como ocorrera na Inglaterra e na Alemanha, haja transformação tanto no conceito de arte quanto no gosto público, não se pode deixar de considerar a importância que Rousseau exerceu, principalmente, na Alemanha. Sem a influência de suas idéias, alguns aspectos do pré-Romantismo alemão não teriam encontrado o suporte necessário para desenvolver-se e permitir a eclosão do Romantismo.

O humanismo iluminista é submetido pelo filósofo genebrino a um julgamento severo, na medida em que os princípios racionalistas e universais que o sustentavam são questionados por ele. A partir de 1762, Rousseau torna-se o grande inspirador dos novos ideais estéticos, graças à divulgação de suas obras, principalmente, La nouvelle Héloïse e Émile. Seu papel de líder ideológico ganha aclamação definitiva, quando se dá a publicação póstuma de suas Confessions e Rêveries. O desdém para com a sociedade, o amor à natureza, a imaginação e, sobretudo, o egotismo, que rompe com a regra do pudor e da contenção cartesiana, são os exemplos encontrados nestas duas obras.

5. Ao final do século XVIII, o Romantismo já havia encontrado na Alemanha e Inglaterra condições para seu pleno desenvolvimento. A revista alemã Das Athenaeum (1798/1800), escrita em grande parte pelos irmãos Schlegel, e as Lyrical Ballads (1798), de Wordsworth e Coleridge, bem como o prefácio que Wordsworth lhes acrescentou em 1800, constituem documentos decisivos para esse acontecimento.

Os termos que designam este movimento artístico foram contestados durante muito tempo, tanto pelos artistas românticos quanto pelos críticos das mais diferentes épocas, como nos exemplifica Almeida Garrett em [19] determina|da passagem de Viagens na minha terra. A certa altura da narrativa, o narrador interrompe o relato para tecer a seguinte especulação a respeito do significado do termo romântico: “Eu não sou romanesco. Romântico, Deus me livre de o ser — ao menos o que na algaravia de hoje se entende por essa palavra”46.

O menosprezo com que o escritor português trata a questão explica-se por duas razões, embora distintas, complementares. A primeira delas se deve ao fato de o termo “romântico” e seus derivados serem utilizados para designar artistas de tendências as mais das vezes antagônicas. A segunda, remonta ao século XVIII, quando os franceses, para ridicularizar produções literárias espanholas, cujos temas gravitavam em torno de situações fantásticas e fanta­siosas, utilizavam o termo romanes que ao se referirem a elas. Por isso, durante muito tempo, o vocábulo associou-se à idéia de desproporcional, inverossímil, novelesco.

Letourneur, ao traduzir para o francês as obras de Shakespeare, em vez de utilizar o termo romanesque na tradução, opta por romantique e, assim, coloca em questão o uso de um neologismo que será responsável pela mudança do significado do termo romanesque. Letourneur propõe para roman tique um conteúdo substancial, como ele mesmo afirma, aos sentimentos, e inde­pendente das regras morais que definem a conduta, os conteúdos que regem o comportamento das personagens”47. Na Alemanha, o termo romântico, em­pregado para designar a poesia natural e popular em oposição à clássica, foi utilizado em 1766 por Herder ao analisar Observations on the fairie queene of Spenser, de Warton. Mais tarde, August Wilhelm Schlegel, estabelecendo contraste entre a poesia clássica e a moderna, associa romântico a progres­sivo e cristão. O significado que Schlegel atribui ao termo é divulgado em todos os países e, segundo René Wellek, “os países setentrionais foram os primeiros a utilizá-lo.”48 Nos países latinos, na Inglaterra e na América do Norte, Mme. de Staël desempenha importante papel na divulgação do vocá­bulo. Em Portugal, Almeida Garrett é o primeiro escritor a utilizar o termo em seu poema Camões, publicado em 1825.

[20] Quanto ao termo “romantismo”, cabe à França a sua divulgação. Louis Auger, diretor da Academia Francesa, publica, em 1824, Discours sur le roman­tisme. A partir daí, os termos “romântico” e “romantismo” passam a ser utilizados para designar o novo movimento literário.

Enformado pelos princípios da ideologia liberal e dos rumos indicados tanto pela Revolução Industrial quanto pela Revolução Francesa, o Romantis­mo, quer examinado em suas bases ideológicas, quer investigado em seus pressupostos estéticos, revelará as contradições que marcam a história de seu tempo. Revolucionário e reformista, em diferentes situações, procura levar adiante as propostas progressistas que conduziram a burguesia ao poder; reacionário e com os olhos voltados para o passado, confunde-se com os ideais que a burguesia assume depois de ter assumido o poder.

6. No final do século XVIII e início do século XIX, assiste-se, com o advento do Romantismo, ao aflorar de uma nova concepção de homem, O “eu” torna-se o centro do Universo, pois se concebe que tudo emana dele e converge para ele. Se, ao longo da história literária, pode-se referir a presença de um “eu”, principalmente com relação ao discurso poético, o “eu” que se manifesta na linguagem literária do texto romântico se faz presente de manei­ra nova, inaugurando assim uma nova era no pensamento ocidental, O sujeito se conhece agora como diferença e, além disso, é a partir dele que se estrutura a imagem do novo homem. Decorre daí o egocentrismo que sustenta a visão do mundo da arte romântica.

Proteiforme, o “eu” romântico assume diferentes atitudes frente à cultura que lhe é contemporânea. Ora exige o reconhecimento dos homens de seu tempo, porque se considera o Gênio responsável pela criação de utopias capazes de resgatar a humanidade de sua crise. E o guia que indica os caminhos que devem ser seguidos por todos, pois eles dirigem a realização plena do ser humano.

Muitas vezes, ao sentir-se ameaçado pelos rumos que a civilização está tomando, isola-se em sua interioridade; outras vezes, enfrenta, mesmo que agonicamente, a sociedade na tentativa de fugir à degradação que impõe aos indivíduos. São exemplos acabados dessa situação os heróis das novelas passionais de Camilo Castelo Branco.

Em qualquer uma das situações acima consideradas, verifica-se a expan­são desmesurada do “eu” que, por isso mesmo, reduz a imagem do Universo a sua própria imagem. Instaura-se aqui a subversão da fórmula cartesiana: o “penso, logo existo” transmuda-se em “sinto, logo sou”. Resultado de um momento da história em que a razão triunfante se mostra incapaz de resolver a problemática existencial, o sujeito busca-se como feixe de emoções para [21] tentar superar a ruptura que há entre ele e o outro, entre ele e o mundo; quando isso não ocorre, transforma a realidade exterior num espelho em cuja superfície se contempla narcisisticamente.

O tedium vitae, motivado pela vida na cidade, é outra característica importante do sujeito romântico. A realidade urbana, carente de sentido, desperta nele a nostalgia de um tempo anterior a toda e qualquer cisão. Na tentativa de superar o vazio que a existência no espaço citadino lhe impõe, o escritor romântico busca refúgio na natureza, em busca de valores que lhe possam restituir o sentido da existência. A natureza torna-se então, para ele, o espaço sagrado de onde advém toda a inspiração poética. Além disso, é, através dela, que o artista tenta estabelecer seu diálogo com Deus. Tal com­preensão da natureza nada mais é do que o mito rousseauniano do bom selvagem sustentado por uma visão cristã e egocêntrica do mundo. Nela tanto Deus quanto a natureza possibilitam ao escritor a posse de um discurso mitopoético que se coloca como a extensão da subjetividade que o elabora. Nesse processo de criação, Deus e natureza tornam-se extensão da subjetivi­dade que os contempla. Por isso a natureza romântica deixa de ser simples cenário onde o homem transita, como ocorreu durante o Classicismo. E dinâmica, uma vez que espelha “os estados de alma” do sujeito; na maioria das vezes, como confidente, acaba por revelar a psicologia de um ser em crise com a história de seu tempo.

Quanto à figura de Deus, se de um lado se revela a recuperação senti­mental do sagrado, segundo princípios do Cristianismo, por outro, é a fonte inspiradora que motiva o romântico a alçar vôos em busca do sobre-humano, tornando-se, ele mesmo, uma realidade superior, divina. Por isso, ao contrário do artista clássico, o romântico não aceita mais a arte como mimese. Para ele, o processo de criação é o meio que lhe permite revelar algo realmente novo. Se Deus foi o criador da primeira natureza, ele cria uma segunda natureza, pois, ao projetar sua interioridade no mundo exterior, revela os segredos do Universo. No entanto, tal revelação tem seu preço. O desvelamento do segredo da vida corresponde à revelação da interioridade de um sujeito mergulhado numa crise existencial que, traduzida pelo discurso, mostra-se insolúvel. Semelhantemente a Prometeu, o artista romântico paga com o próprio sofri­mento o sonho de se desejar sobre-humano: a dor existencial, o peso de uma vida sem perspectiva e a certeza da não-superação dos problemas que o afligem são o prêmio que recebe. A única saída está na elaboração de um discurso que registre a imagem do “eu” dilacerado.

Perdido no emaranhado de suas emoções, o romântico procura muitas vezes na morte a libertação de tudo que o oprime. Imbuído de uma visão do mundo platônico-cristã, vê a realidade sensível como uma armadilha que [22] ameaça destruí-lo e anular sua essência. O desconforto existencial impele o sujeito a buscar o resgate de seus males em outra dimensão, e a morte é vislumbrada como o refrigério para seus dramas. O sujeito vê nela a ponte para o absoluto, pois é, através dela, que acredita recuperar-se como essência. A descrença em relação aos apelos do mundo material cria a expectativa de uma espiritualidade plena. O mal du siècle, o desejo mórbido da morte, que contaminou o espírito romântico é a conseqüência imediata do mal-estar existencial em que o homem da primeira metade do século XIX está mergu­lhado. Ao analisar essa questão, Henri Peyre considera que “raramente houve na história uma fratura tão brusca ou assim parecera aos contemporâneos. Competiria mais tarde aos historiadores demonstrar, apoiados em estatísticas e com um recuo de meio século, que persiste muita continuidade da história por detrás dos turbilhões exteriores e que reformas consideráveis na distribui­ção da propriedade ou no progresso econômico tinham já sido realizados em França antes de 1789 ou na Rússia antes de 1917. O choque psicológico sentido em conseqüência das revoluções políticas não afeta menos as sensibilidades. A posteridade admitiu que o mal du siècle de que se orgulharam ou se queixaram os românticos conservava a importância de um grande mito: o de poder ou ter a necessidade de exibir a sua angústia, esbanjando apelos à morte”49.

Intimamente relacionado ao mal du siècle, está o tema do suicídio. A partir da publicação do Werther, de Goethe, em 1774, ele se torna um dos princípios norteadores da estética romântica. De certa forma, esse tema mostra o gosto do artista romântico pelo teatral, e, à semelhança do mal du siècle, denuncia a doença moral que aflige a primeira metade dos Oitocentos. Envolto pelo progresso industrial e do capitalismo, que julga ser o grande vilão, pois cada vez mais distante dos ideais que o norteou no início, o romântico destila toda sua revolta contra o sistema. O narrador de Viagens na minha terra faz ironica­mente a seguinte observação a respeito de sua época: “Não: plantai batatas, ó geração de vapor e de pó de pedra; macadamizai estradas; fazei caminhos de ferro; construí passarolas de Ícaro, para andar, a qual mais depressa, estas horas contadas de uma vida toda material, maçuda e grossa, como tendes feito esta que Deus nos deu, tão diferente do que a que hoje vivemos. Andai, ganha-pães, andai; reduzi tudo a cifras, todas as considerações deste mundo a equações de interesse corporal; comprai, vendei, agiotai”50.

Os românticos tiveram a ambição de ser de seu tempo e de escrever para sua época, não escondendo nessa intenção seu objetivo reformista. Entretanto, [23] incapazes, às vezes, de sintonizar-se com a contemporaneidade, buscam soluções evasivas. A Idade Média torna-se, para eles, fonte inspiradora, quer revisitada nas narrativas históricas, quer recuperada sob a imagem da moder­nidade. É nela também que eles encontram o paradigma da religiosidade que permeará muitos de seus escritos, como também as raízes de sua nacionalida­de. Sonhada pelos românticos como berço de uma civilização exemplar, porque pautada por valores autênticos, a Idade Média é sua Idade do Ouro.

A incapacidade que, muitas vezes, o escritor romântico tem para inter­pretar sua época faz com que ele se deixe seduzir pelo encanto exótico de civilizações antigas ou estranhas à cultura ocidental, como é o caso do Oriente. A literatura de viagens ganha nova vitalidade com o Romantismo, na medida em que possibilita que o sujeito “viaje em direção do estranho que, para ele, sacia sua sede de além”51. Outras vezes, a insatisfação do artista frente à “decadência de sua época” leva-o a executar uma pesquisa que tem por objetivo não só mostrar o abastardamento que o presente provocou nos valores herdados do passado, mas também denunciar que a identidade cultu­ral está comprometida pelo desprezo com que o homem trata a tradição.

Tal procedimento resulta numa luta agônica entre o “eu” e a realidade que lhe é próxima. Dela emerge, mesmo que ferido ou contaminado pelo remorso, um “eu” que demoniacamente quer medir forças com os princípios que norteiam a moral do homem em sociedade: o proibido e o pecaminoso passam a alimentar a visão do mundo do escritor. Almeida Garrett, em “Não te amo”, traduz esta visão. Nele o amor, segundo a óptica burguesa, ligado à idéia de família, é substituído pelo gozo dos prazeres carnais. Assim, “pessi­mismo e sadismo condicionam a manifestação mais espetacular e origina! do espírito romântico, o satanismo, a negação e a revolta contra os valores sociais, quer pela ironia e o sarcasmo, quer pelo ataque desabrido”52.

Se, ao voltar os olhos para o passado, de um lado o romântico toma consciência de que ele é o refúgio onde todas as ameaças podem ser contor­nadas, por outro, ele se concebe como resultado do processo histórico. O presente só ganha significado quando considerado retrospectivamente. Ao contrário do que ocorreu com o Neoclassicismo, cuja visão da história se manifestava por meio de modelos estratificados no tempo, cabe ao movimento romântico “a idéia de que nós e nossa cultura estamos em condições de eterno fluxo e de perpétua luta, a noção segundo a qual nossa vida intelectual é um processo de caráter meramente transitório, é uma descoberta do Romantismo [24] e representa a sua mais importante contribuição à filosofia da era presente”53.

A idéia do transitório e da fugacidade, associada à desilusão causada pela certeza de que o destino da humanidade independe de sua atuação, de que seu lugar na pólis não tem mais reconhecimento aprisiona o romântico no círculo da ironia. Por isso, Kierkegaard, ao analisar o significado da ironia no movimento romântico, observa que ela “é uma determinação da subjetivida­de. Na ironia o sujeito está negativamente livre, pois a realidade que lhe deve dar conteúdo não está aí, ele é livre da vinculação na qual a realidade dada mantém o sujeito, mas ele é negativamente livre e como tal flutuante, suspen­so, pois não há nada que o segure. Mas esta mesma liberdade, este flutuar, dá ao irônico um certo entusiasmo, na medida em que ele como que se embriaga na infinitude das possibilidades, na medida em que ele, quando precisa de um consolo por tudo que naufraga, pode buscar refúgio no enorme fundo de reserva da possibilidade”54.

7. Ao instaurar uma nova concepção de História e, consequentemente, de cultura, o Romantismo realiza uma pesquisa tanto formal quanto lingüís­tica que pode ser vista como contestação à tirania da retórica neoclássica. Num mundo em que se coloca como alvo a investigação do processo histórico ordenado, segundo as leis socioculturais, as figuras da mitologia clássica não mais encontram razão de ser, O passado deixa de ser visto como momento exemplar, pois o século XIX não mais o entende apenas como depositário de valores perenes e absolutos. O sentimento do único no diverso, a consciência de que o homem e sua cultura se constroem na mutação inexorável ditada pelo tempo, provoca desconforto no romântico com relação à herança que a estética clássica legara ao Ocidente.

Dentro desse contexto, opera-se a reinterpretação das formas, discursos e conteúdos que compunham o repertório estético até então vigente. Resgata-se a poesia dos entraves de natureza filosófica e normativa, ao mesmo tempo que uma nova consciência artística se faz presente. O “eu” poético, refutando o conceito de arte como mimese, manifesta-se pela força da inspiração. A originalidade e a sinceridade, associadas à espontaneidade, são os instrumentos de que se vale o escritor para provocar no público a emoção que presidira o processo de criação.

A palavra passa a ser vista com desconfiança pelo homem de letras, porque ele a vê como pálido sucedâneo dos pensamentos e volições transmi­tidas pelo poema. De um lado, este fenômeno revela a perda da sociabilidade [25] da linguagem, de outro, impulsiona o literato na busca de recursos que supram a lacuna das palavras. A música e a metáfora tornam-se a essência da linguagem poética: a música entra como elemento que reveste a expressão com poder da sugestão; a metáfora permite a fusão de realidades díspares, graças à ação da analogia. Na “Advertência” à primeira edição de Folhas caídas, Almeida Garrett assim se expressa quanto a esta questão: “Imaginação que porventura não se realiza nunca. E daí quem sabe? A culpa é talvez da palavra, que é abstrata demais. Saúde, riqueza, miséria, pobreza, como o frio e o calor não são senão estados comparativos, aproximativos”55. Em termos práticos, o autor de Frei Luís de Sousa explora o verso em suas potencialidades rítmicas e sonoras, e utiliza os sinais de pontuação como reforço da carga emotiva que constitui o conteúdo do poema.

A luta travada entre emoção e expressão, mesmo que muitas vezes de maneira mais intuitiva que consciente, leva o romântico a elaborar as corres­pondências entre o universo intelectualizado e o mundo sensível. Dotado de uma consciência histórica pronunciada, o romântico se debruça sobre a reali­dade concreta sob a perspectiva da relatividade. Para ele, cada momento da experiência é único e irrepetível; por isso não aceita mais o legado dos clichês clássicos e se aventura na renovação do vocabulário literário. Durante os séculos XVII e XVIII, a palavra poética se enfraquece paulatinamente, tornan­do-se pobre e descolorida, devido às convenções que regiam a utilização de expressões adequadas e formas estilísticas consideradas corretas. Inadmissí­vel o uso da linguagem cotidiana, o artista tinha que se utilizar de termos considerados nobres e, portanto, esteticamente válidos. O emprego de certas palavras era proibido: em vez de se escrever “cavalo” e “guerreiro”, emprega­va-se “corcel” e “herói”; em lugar de “água” e “tempestade”, dizia-se “elemento úmido” e “os elementos da fúria”. Desprezando as expressões estratificadas, os românticos descobrem a riqueza expressiva da linguagem coloquial e libertam o discurso poético das amarras do metro e da rima; o ritmo torna-se o elemento que determina a organização do discurso poético56.

Até o advento da revolução romântica, a prosa era relegada a plano secundário. Com ela, este gênero ganha foros de respeitabilidade, recebendo tanto o apreço do escritor quanto a admiração do público leitor. O romance, que já vinha sendo escrito na Inglaterra, ao longo do século XVIII, com o [26] Romantismo divulga-se por todo o Ocidente. Esta fôrma literária, além de coincidir com o declínio da epopéia, torna-se a epopéia do mundo burguês, pois reflete um universo apreendido de acordo com os valores ideológicos desta classe. O mundo povoado de seres sobrenaturais, que caracterizava a narrativa épica transforma-se no mundo dos homens, apreendidos em seu cotidiano. O romance, na Literatura portuguesa, ao contrário do que ocorreu em outros países, só será produzido no último momento do Romantismo, na década de 60 do século XIX.

O conto e a novela, por seu turno, também passam a ser largamente cultivados. O conto, “além de se tomar fôrma ‘nobre’, ao lado das demais até então consideradas, sobretudo as poéticas, passa a ser larga e seriamente cultivado. O conto abandona o seu estágio empírico, indeciso e por assim dizer folclórico, para ingressar numa fase em que se torna produto tipicamente literário, sem as anteriores implicações”57. Em Portugal, Alexandre Herculano, Rebelo da Silva e Júlio Dinis são os contistas que se destacam: os dois primeiros notabilizaram-se por suas narrativas de temas históricos. A novela, indo ao encontro da imaginação fantasiosa do escritor romântico, torna-se uma das fôrmas mais praticadas nesse período. Camilo Castelo Branco ocupa lugar de destaque entre os novelistas românticos portugueses.

Quanto ao teatro, a renovação que se opera nele não é menos significa­tiva. O teatro popular — a farsa medieval e a Commedia dell’Arte —, do século XV até meados do XVIII, período em que predominou um conceito de arte clássica e aristocrática, foi desprezado. Entretanto, na França, logo após a Revolução, e na Inglaterra, desde o início do século XVIII, observa-se a revalorização do teatro popular, acompanhada de perto pela produção cuja temática abarca as novidades surgidas com o advento da Revolução Indus­trial. A personagem aristocrática e nobre é substituída por figuras que fazem parte do mundo burguês e do povo. Um novo público passa a freqüentar as casas de espetáculo, exigindo que se representem no palco situações e acon­tecimentos mais próximos de suas experiências. Esta nova situação determina o surgimento do drama romântico, que não só anula a distinção entre tragédia e comedia, como também se opõe à lei das três unidades que presidiu o teatro clássico58. O teatro português que, desde Gil Vicente não conhece um grande nome, com o Romantismo, entra em ressurgimento. Em 1846, com a inaugu­ração do Teatro Nacional de Lisboa, um grupo liderado por Almeida Garrett objetiva atualizar a produção teatral portuguesa. A figura mais importante [27] deste movimento é, sem dúvida alguma, Almeida Garrett, principalmente com o seu Frei Luís de Sousa. Outros nomes, contudo, merecem ser citados: Mendes Leal, introdutor do dramalhão histórico em Portugal, com Os dois renegados (1839), O homem da máscara negra (1840); Camilo Castelo Branco; Júlio Dinis e João de Andrade Corvo59.

A historiografia e o jornalismo conhecem grande impulso no Romantis­mo. Nenhuma época anterior teve a consciência de ser herdeira do passado quanto a romântica e, embora o romântico se deixe arrastar pelo temor em relação ao presente, foi ele o primeiro a examinar de frente seu tempo: pela primeira vez, estabelece-se uma ligação entre o passado e o presente, a fim de se encontrarem explicações para o mundo circundante. Sem a consciência histórica do romântico, o historicismo do século XIX teria sido inconcebível e, como diz Arnold Hauser, “se o Iluminismo do século XVIII foi responsável por uma dezena de historiadores (Montesquieu, Hume, Gibbon, Vico, Herder etc.), apenas com o advento do Romantismo é que se verifica o amadureci­mento de uma consciência que procura explicar o presente, interpretando o passado.”60 Em outros termos, o romântico busca ir ao encontro dos funda­mentos que sustentam sua civilização; por esta razão, tudo é visto como resultado de um condicionamento histórico. Em Portugal, Alexandre Hercu­lano dedicou sua vida à historiografia, fato que interferiu, inclusive, em sua produção literária; escreveu História de Portugal, 4 v. (1846-1853); História da origem e estabelecimento da inquisição em Portugal, 3v. (1854,1855,1859), dirigiu a publicação dos Portugaliae monumenta historica, iniciada em 1856 e terminada em 1873. Rebelo da Silva é autor de D. João II e a nobreza (1857) e História de Portugal nos séculos XVII e XVIII (1860-1871); José Maria Latino Coelho que, além da historiografia (História política e militar de Portugal de fins do século XVII até 1814, 3 v. 1874-1891) também se aventurou no campo da biografia (Luís de Camões, 1880; Vasco da Gama, 1884 etc.); Simão José da Luz Soriano, que se dedicou ao estudo de temas contemporâneos: História da guerra civil e do estabelecimento do governo parlamentar em Portugal, 19 v. (1866-1890); História do cerco do Porto, 2 v. (1887-1888); História do reinado de D. José I e da administração do Marquês de Pombal, 2 v. (1867), entre outras.

Em vários de seus aspectos, movido pelo liberalismo e seus ideais, o Romantismo utilizar-se-á do jornalismo a ponto de popularizá-lo. Ao lado de artigos de natureza política e econômica, aparecem textos de propaganda e obras literárias; estas, publicadas em série, nos folhetins. O romantismo por­tuguês, sob o influxo dos ideais vintistas, levou a imprensa do país ao pleno [28] desenvolvimento, apesar de uma série de medidas que se seguiram aos planos de torná-la atuante e à altura do que ocorria nos outros países europeus, principalmente na França e na Inglaterra. Após a vitória do constitucionalis­mo, em 1834, ocorre o grande impulso do jornalismo em Portugal: torna-se formador de opiniões, debate, sem restrições, os diferentes problemas vividos pela nação. E, se o jornalismo português conheceu altos e baixos neste período, porque está sempre à mercê dos rumos políticos, a imprensa cumpre em Portugal papel semelhante àquele que desempenha em outros países do Ocidente. Entre os vários periódicos surgidos no período romântico portu­guês, merecem destaque, além de A Revolução de Setembro, que dura mais de 50 anos (1840-1892), O Panorama (1837-1864), O Povo Soberano (1835), Revista Universal Lisbonense (1841), O Trovador (1844) e O Novo Trovador: estes dois últimos foram os órgãos divulgadores das idéias ultra-românticas em Portu­gal61.

De espírito irrequieto e reformador, o romântico encontra na oratória campo propício para a divulgação de suas idéias. Antes do Romantismo, esta modalidade estava circunscrita a ambientes especiais, como o palaciano, o religioso, o acadêmico e o universitário; agora, desloca-se para novos espaços e trata de assuntos de natureza política e parlamentar. Almeida Garrett, José Estêvão Coelho (1809-1862), José da Silva Mendes Leal (1818-1886) e José Cardoso Vieira figuram como nomes de primeira plana da oratória portugue­sa na época romântica.


Texto

97

BORNHEIM. Gerd. Filosofia do Romantismo. In: GUINSBURG, J. (org.). O Romantismo. São Paulo: Perspectiva, 1978. p. 92-94.

[92] VIII. F. Schlegel

Comecemos com Friedrich Schlegel, de quem melhor se poderia dizer ter sido o iniciador do movimento romântico. Qual sua atitude frente à Teoria da Ciência? [93] Havia um problema, central para os român­ticos, ao qual Fichte ainda não dera atenção: a arte. Somente mais tarde, por incitação e em resposta às teorias românticas, Fichte se ocupa­rá — escassamente — do tema. E. Schlegel en­contra na Teoria da Ciência a possibilidade de uma fundamentação para a sua teoria da arte, e com ela pretende levar o monismo fichtiano ainda mais longe.

Fichte afirmara um Eu que é liberdade in­finita, pura, absoluta. Mas a consciência humana subsiste como o lugar da oposição entre o Eu e o Não-eu. Conseqüentemente, se a cons­ciência permanece um foco de oposição entre o real e o ideal, o triunfo definitivo da liberdade se faz impossível, porque ela nunca pode reali­zar-se plenamente; o ideal se limita ao plano da aspiração moral. O homem deverá viver sempre, segundo Fichte, dentro da dimensão do dever-ser, vigorando eternamente a dilaceração entre o finito e o infinito. E a filosofia não poderia ven­cer esse último dualismo.

Schlegel avança um passo. Concorda com Fichte, quando este afirma que a realização ple­na do ideal da liberdade não é possível. Mas, acrescenta ele, não é possível para a filosofia. E o que a filosofia não pode, visto que ela é abstra­ta, torna-se exeqüível para a arte. Se a filoso­fia não consegue concretizar o ideal da liberda­de, a arte pode ao menos indicar um caminho que leve a tal concretização. De onde vem esse poder da arte? Na criação artística, o homem ser­ve-se do sensível para dominá-lo e, através desse domínio, o Não-eu, o mundo sensível, como que se espiritualiza, se idealiza. Através da idealização que é a obra de arte, estabelece-se a unidade entre o real e o ideal. Assim, a unidade presente de mo­do abstrato na teoria de Fichte torna-se concreta na estética de Schlegel. Na arte, o homem aceita o mundo sensível, mas transfigurado por um sen­tido que lhe foi emprestado pelo espírito. Essa idéia, aliás, não é completamente nova, pois já Schiller, em diversos de seus ensaios, havia-se ocupado do tema e pela obra de arte tentara su­perar o dualismo kantiano entre o mundo ideal, da moralidade, e o mundo real, sensível.

Mas a grande influência sofrida por Schlegel veio de Goethe e sua idéia de que o artista, unin­do o ideal e o real, a razão e o instinto, realizaria uma síntese superior. E, segundo Goethe, se o ar­tista tem tal poder, é porque sua intuição pode atingir o fundo último da natureza, a idéia divina que existe nela — uma concepção inspirada ao poeta por Spinoza: ver Deus na natureza e a na­tureza em Deus.

Com esta tese, o artista adquire uma eminên­cia ímpar dentro da hierarquia social. Já para Schiller, como para a quase totalidade dos este­tas alemães, a arte se apresenta com uma mis­são pedagógica, redentora do homem, de suma importância. Schlegel retoma o tema, mas alicer­ça-o em Fichte. Sabemos que para Fichte, no fundo de toda consciência individual, mora o su­pra-individual, coincidente com o Absoluto. Os românticos aproveitam essa idéia e pregam a possibilidade da mediação, da atividade media­dora entre os homens. Daí a apologia que faziam da vida comunitária e o elogio da amizade. A mediação recíproca entre os homens só pode en­riquecer a experiência individual e tende sempre a pôr em contato o divino que há nos homens. Visto que cada um traz em si o divino, que Deus habita o homem, fundamenta-se a possibilidade de cada indivíduo poder ser um mediador para todos os outros homens. E o mediador por ex­celência, segundo Schlegel, é justamente o artis­ta e, de modo especial, o poeta; transfigurando o sensível, é ele quem pode, o mais concretamente, realizar a tarefa de mediação, e de modo mais radical. Por isso o artista, o poeta, torna-se uma espécie de sacerdote para os homens, pois é ele quem melhor consegue comunicar o finito com o infinito. O artista genial é quem melhor realiza o absoluto que traz em si e me­lhor comunica-o aos outros.

Para Schlegel, filosofia e arte estão estreitamente ligadas, são aspectos que se supõem, e ele inaugura com essa idéia uma das convicções mais [94] arraigadas e características de toda a escola ro­mântica. O que a filosofia revela abstratamente a arte realiza, tomando concreta a filosofia. A poesia seria o idealismo concretizado; seria um idealismo, poderíamos dizer, convertido em realismo. Mas a exigência de unidade leva Schle­gel ainda mais longe. Além de unir a filosofia e a arte, pretende integrar nessa unidade tam­bém a religião e a moral: filosofia, arte, mo­ral e religião devem constituir um todo único. A moral está para a religião assim como a arte está para a filosofia; a moral seria o as­pecto prático da religião, seria a religião aplica­da ao comportamento humano. Assim como a moral se torna impensável sem a religião, esta se torna cega sem a moral. Mais: a moral desliga­da da religião explica o pecado, torna-se o prin­cípio do inumano, do monstruoso, a fonte do mal. A sanidade da moral depende, assim, de sua inspiração religiosa.

Mas também a filosofia e a poesia só podem ser compreendidas, segundo Schlegel, a partir da religião, pois nesta encontramos a expressão últi­ma da relação do homem com o infinito. A in­tuição mais original do divino é a religiosa. Se está unida com a arte, é porque esta sensibiliza o ele­mento religioso, a fé; e a filosofia, por sua vez, clarifica a religião e evita que ela se transfor­me em mera superstição. A religião torna-se, portanto, como que um elemento invisível, uma presença que dá vida e invade a moral, a poe­sia e a filosofia. Todos os aspectos da cultura ter­minam por se supor, e essa rede, que se estrutu­ra com profunda unidade, tende a realizar o Eu infinito, a Liberdade absoluta. Assim, o que pa­ra Fichte é um ideal, e apenas um ideal, Schle­gel busca realizar, tomar concreto, sempre fiel, é evidente, à perspectiva idealista instaurada por seu mestre.

Destas idéias se depreende a enorme impor­tância da religião para a mentalidade românti­ca. “A filosofia é obrigada a reconhecer que ela só pode começar e terminar pela religião”, escre­ve Schlegel. E ainda:


A poesia, em sua aspiração de infinito, em seu desprezo pela utilidade, tem a mesma finalidade e as mesmas repugnâncias que a religião62.
Sem dúvida, há um rasgo esteticista no Ro­mantismo. Mas a tendência em querer resolver tudo pela arte está fundamentada no espírito reli­gioso característico do romântico. Porque, de fato estas idéias constituem, com alguma reserva, o lastro comum do pensamento romântico. E por isso, é de extrema importância aproximarmo-nos da sua concepção religiosa, o que pode ser feito, em um primeiro momento, através de Schleier­macher.


Texto

98

GARRETT, Almeida. Folhas Caídas. In: Obras. Lisboa: Lello & Irmão, 1963. v. 2, p. 153-267.

[159] IGNOTO DEO (D. D. D.)

Creio em ti, Deus: a fé viva

De minha alma a ti se eleva.

És — o que és não sei. Deriva

Meu ser do Teu: luz... e treva,

Em que — indistintas! — se envolve

Este espírito agitado,

De ti vem, a ti devolve.

Nada, a que foi roubado

Pelo sopro criador

Tudo o mais, o há-de tragar.

Só vive do eterno ardor

que está sempre a aspirar

Ao infinito donde veio.

Beleza és tu, luz és tu,

Verdade és tu só. Não creio

[160] Senão em ti; o olho nu

Do homem não vê na terra

Mais que a dúvida, a incerteza,

A forma que engana e erra.

Essência! a real beleza,

puro amor — o prazer

Que não fatiga e não gasta...

Só por ti os pode ver

que inspirado se afasta,

Ignoto Deo, das ronceiras,

Vulgares turbas: despidos

Das coisas vãs e grosseiras

Sua alma, razão, sentidos,

A Ti se dão, em Ti vida,

E por ti vida têm. Eu, consagrado

A teu altar, me prostro e a combatida

Existência aqui ponho, aqui votado

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