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OUTRO POEMAS DE BOCAGE

61 - ELEGIAS

À TRÁGICA MORTE DA RAINHA

DE FRANÇA, MARIA ANTONIETA

Guilhotinada aos 16 de Outubro de 1793

Século horrendo aos séculos vindouros,

Que ias inútilmente acumulando

Das artes, das ciências dos tesouros:
Século enorme, século nefando,

Em que das fauces do espantoso Averno

Dragões sobre dragões vêm rebentando:
Marcado foste pela mão do Eterno

Para estragar nos corações corruptos

O dom da humanidade, amável, terno.
Que fatais produções, que azedos frutos

Dás aos campos da Gália abominados,

Nunca de sangue, ou lágrimas enxutos!
Que horrores, pelas Fúrias propagados,

Mais e mais esses ares enevoam

Da glória longo tempo iluminados!
Crimes soltos do Inferno a Terra atroam,

E em torno aos cadafalsos lutuosos

Da sedenta vingança os gritos soam.
Turba feroz de monstros pavorosos

O ferro de ímpias leis, bramindo, encrava

Em mil, que a seu sabor faz criminosos.

A brilhante nação, que blasonava

D’exemplo das nações, o trono abate,

E de um senado atroz se torna escrava.


Por mais que o sangue em ondas se desate

Nada, nada lhe acorda o sentimento,

Que as insanas paixões prende, ou rebate;
Vai grassando o furor sanguinolento,

Lavra de peito em peito, e de alma em alma,

Qual rubra labareda exposta ao vento:
Não cede, não repousa, não se acalma,

E a funesta, insolente liberdade

Ergue no punho audaz sanguínea palma.
Bárbaro tempo! Abominosa idade,

Às outras eras pelos Fados presa

Para labéu, e horror da humanidade!
Flagelos da virtude, e da grandeza,

Réus do infame e sacrílego atentado

De que treme a Razão, e a Natureza!
Não bastava esse crime?... Inda o danado

Espírito, que em vós está fervendo,

A novos parricídios corre, ousado?...
JUSTOS CÉUS ! QUE ESPETÁCULO TREMENDO ! magens de terror; que horrível cena

Que imagens de terror ; que horrível cena

Vou na assombrada ideia revolvendo!
Que vítima gentil, muda, e serena

Brilha entre espesso, detestável bando,

Nas sombras da calúnia, que a condena!
Orna a paz da inocência o gesto brando,

E os olhos, cujas graças encantaram,

Se volvem para o Céu de quando em quando:
As mãos, aquelas mãos, que semearam

Dádivas, prêmios, e na mole infância

Com os ceptros auríferos brincaram.
Ludíbrio do furor, e da arrogância

Sofrem prisões servis, que apenas sente

O assombro da beleza, e da constância.
Oh justiça dos Céus! Oh mundo! Oh gente!

Vinde, acudi, correi, salvai da morte

A malfadada vítima inocente!...
Mas ai! Não há piedade, que reporte

A raiva dos terríveis assassinos;

Soou da tirania o duro corte.
Já cerrados estais, olhos divinos;

Já voando cumpriste, alma formosa,

A férrea lei de aspérrimos destinos.
Do Rei dos reis na corte luminosa

Revês o pio herói, por nós chorado,

Que da excelsa virtude os lauros goza.
Na mente vos observo: ei-lo a teu lado

Implorando ao Senhor, que os maus flagela,

Perdão para o seu povo alucinado.
Despido o véu corpóreo, ó alma bela,

No seio de imortal felicidade,

Só sentes não voar mais cedo a ela.
Enquanto aos monstros de hórrida maldade

Murmura a seu pesar no peito iroso

A voz da vingadora Eternidade.
Desfruta suma glória, ó par ditoso,

Logra em perpétua paz júbilo imenso,

Que o mundo consternado, e respeitoso,
Te apronta as aras, te dispõe o incenso.


62 - IDÍLIOS

FILENA, OU A SAUDADE

(Pastoril)

Que terna, que saudosa cantilena

Ao som da lira Melibeu soltava,

O pastor Melibeu, que por Filena,

Pela branca Filena em vão chorava!

Inda me fere o peito aguda pena,

Quando recordo os ais, que o triste dava,

O pranto que vertia, amargo, e justo

À sombra, que ali faz aquele arbusto.
Tu, maviosa a choros, e a clamores,

Tu, Vénus (Vénus só na formosura)

Luz de meus olhos, únicos amores

Desta alma, e seu prazer, sua ventura;

Que reclinada, amarrotando as flores,

Descansas em meu peito a face pura,

Ouve-me os ais, e as queixas de outro amante.

Que ao teu no ardente extremo é semelhante.


“Céus! (assim começou, e eu escondido

Entre as copadas árvores o ouvia)

Por vós em duras mágoas convertido

Vejo enfim todo o bem, que possuía:

À cândida Filena estar unido

Julgastes que um pastor não merecia:

A mais doce prisão de Amor partistes.

Ajuda, triste lira, os versos tristes.


Mal haja a lei dos fados inclemente!

O seu poder, o seu rigor praguejo:

Morte! Geral verdugo! Estás contente?

Já saciaste o sôfrego desejo?...

Mas Filena inda é viva, inda me sente

Suspirar nos seus braços: inda a beijo!...

Ah meus olhos, morreu: sem alma a vistes.

Ajuda, triste lira, os versos tristes.


Em ti, cara Filena, a sepultura

Tem de Amor, tem das Graças o tesouro;

Ali te arranca a morte acerba, e dura

Da mimosa cabeça as tranças de ouro:

Eis terra, eis cinza, eis nada a formosura...

Ah! Que não pude perceber o agouro

Com que esta perda, oh fados, me advertistes!

Ajuda, triste lira, os versos tristes.


Um dia, há tempos, Lénia, a feiticeira,

Me disse: ‘Grande mal te está guardado!’

Não mo quis declarar, e ave agoureira

De noite me piou sobre o telhado:

Cuidei que perderia a sementeira,

O rebanho, o rafeiro... ah desgraçado!

Perdeste mais, e a tanto inda resistes!

Ajuda, triste lira, os versos tristes.


A tua meiga voz, o teu carinho

Maior falta me faz, minha Filena,

Que lá no bosque ao rouxinol sôzinho

Da presa amiga a doce cantilena:

O teu branco, amoroso cordeirinho,

Mal que se viu sem ti, morreu de pena:

Balar saudoso, á montes, vós o ouvistes.

Ajuda, triste lira, os versos tristes.


O meu rebanho definhou de sorte,

Depois que te perdi, que anda caindo;

Seca estes campos o hálito da Morte

Desde que ela sumiu teu gesto lindo:

Rogo-lhe vezes mil, que me transporte

Lá onde, como estrela, estás luzindo,

Lá onde alegre para sempre existes.

Ajuda, triste lira, os versos tristes.


A roseira também, que tu plantaste,

Teu prazer, e prazer da Natureza,

Murchou-se logo assim que te murchaste,

Oh flor na duração, flor na beleza!

A pequenina rola, que apanhaste,

Não comeu mais, finou-se de fraqueza:

Porque blasfémia, ó deuses, me punistes?

Ajuda, triste lira, os versos tristes.


Já pelas selvas, ao raiar da aurora,

Caçando, as tenras aves não persigo;

Tudo me anseia, me enfastia agora,

Nem sofro os que por dó vêm ter comigo:

Figura-me a saudade a toda a hora

Ternas delícias, que logrei contigo.

Ah! Quão depressa, gostos meus, fugistes!

Ajuda, triste lira, os versos tristes.


Como as formigas pelo chão, no Estio,

Ou como as folhas pelo chão, de Inverno,

No aflito coração, que em ais te envio,

Jazem penas cruéis, quais as do Inferno:

Ora me sinto arder, outr’hora esfrio,

Desfaz-me em ânsias um veneno interno:

Talvez meus pés, oh víboras, feristes!

Ajuda, triste lira, os versos tristes.


Nos troncos, e nos mármores gravemos

Memórias de Filena idolatrada,

Tão digna de suspiros, e de extremos,

De tantos corações tão cobiçada:

Amor! Amor! Seu nome eternizemos...

Ai, que me falta a voz! Socorro, amada;

Conforta-me dos Céus, aonde assistes!

Não mais, á triste lira, ó versos tristes.”



63 - CANTATA

À MORTE DE INÊS DE CASTRO


As filhas do Mondego a morte escura

Longo tempo, chorando, memoraram.

Camões, Lusíadas
Longe do caro esposo Inês formosa

Na margem do Mondego

As amorosas faces aljofrava

De mavioso pranto.

Os melindrosos, cândidos penhores

Do tálamo furtivo

Os filhinhos gentis, imagens dela,

No regaço da mãe serenos gozam

O sono da inocência.

Coro subtil de alígeros Favónios

Que os ares embrandece,

Ora enlevado afaga

Com as plumas azuis o par mimoso,

Ora solto, inquieto

Em leda travessura, em doce brinco,

Pela amante saudosa,

Pelos tenros meninos se reparte,

E com ténue murmúrio vai prender-se

Das áureas tranças nos anéis brilhantes.

Primavera louçã, quadra macia

Da ternura, e das flores,

Que à bela Natureza o seio esmaltas,

Que no prazer de Amor ao mundo apuras

Prazer da existência,

Tu de Inês lacrimosa

As mágoas não distrais com teus encantos.

Debalde o rouxinol, cantor de amores,

Nos versos naturais os sons varia;

O límpido Mondego em vão serpeia
Cum benigno sussurro, entre boninas

De lustroso matiz, alvo perfume;

Em vão se doura o Sol de luz mais viva,

Os céus de mais pureza em vão se adornam

Por divertir-te, oh Castro!

Objectos de alegria Amor enjoam

Se Amor é desgraçado.

A meiga voz dos Zéfiros, do rio,

Não te convida o sono:

Só de já fatigada

Na luta de amargosos pensamentos

Cerras, mísera, os olhos;

Mas não há para ti, para os amantes

Sono plácido, e mudo:

Não dorme a fantasia, Amor não dorme:

Ou gratas ilusões, ou negros sonhos

Assomando na ideia espertam, rompem

O silêncio da morte.

Ah! Que fausta visão de Inês se apossa!

Que cena, que espectáculo assombroso

A paixão lhe afigura aos olhos d’alma!

Em marmóreo salão de altas colunas,

A sólio majestoso, e rutilante

Junto ao régio amador se crê subida:

Graças de neve a púrpura lhe envolve,

Pende augusto dossel do tecto de ouro;

Rico diadema de radioso esmalte

Lhe cobre as tranças, mais formosas que ele;

Nos luzentes degraus do trono excelso

Pomposos cortesãos o orgulho acurvam;

A lisonja sagaz lhe adoça os lábios,

O monstro da política se aterra,

E se Inês perseguia, Inês adora.

Ela escuta os extremos,

Os vivas populares; vê o amante
Nos olhos estudar-lhe as leis que dita;

O prazer a transporta, amor a encanta:

Prémios, dádivas mil ao justo, ao sábio

Magnânima confere,

Rainha esquece o que sofreu vassala:

De sublimes acções orna a grandeza,

Felicita os mortais, do ceptro é digna,

Impera em corações... Mas, céus!... Que estrondo

O sonho encantador lhe desvanece!

Inês sobressaltada

Desperta e de repente aos olhos turvos

Da vistosa ilusão lhe foge o quadro.

Ministros do Furor, três vis algozes,

De buídos punhais a dextra armada,

Contra a bela infeliz bramindo avançam.

Ela grita, ela treme, ela descora,

Os frutos da ternura ao seio aperta,

Invocando a piedade, os Céus, o amante;

Mas de mármore aos ais, de bronze ao pranto,

À suave atracção da formosura,

Vós, brutos assassinos,

No peito lhe enterrais os ímpios ferros.

Cai nas sombras da morte

A vítima de Amor lavada em sangue:

As rosas, os jasmins da face amena

Para sempre desbotam;

Dos olhos se lhe some o doce lume,

E no fatal momento

Balbucia arquejando: - “Esposo! Esposo’

Os tristes inocentes

À triste mãe se abraçam,

E soltam de agonia inútil choro.

Ao suspiro exalado,

Final suspiro da formosa extinta,

Os Amores acodem.
Mostra a prole de Inês, e tua, ó Vénus,

Igual consternação, e igual beleza:

Uns dos outros os cândidos meninos

Só nas asas diferem

(Que jazem pelo campo em mil pedaços

Carcases de marfim, virotes de ouro)

Súbito voam dois do coro alado;

Este, raivoso, a demandar vingança

No tribunal de Jove,

Aquele a conduzir o infausto anúncio

Ao descuidado amante.

Nas cem tubas da Fama o grão desastre Irá pelo universo:

Hão-de chorar-te, Inês, na Hircânia os tigres,

No torrado sertão da Líbia fera

As serpes, os leões hão-de chorar-te.

Do Mondego, que atónito recua,

Do sentido Mondego as alvas filhas

Em tropel doloroso

Das urnas de cristal eis vêm surgindo;

Eis, atentas no horror do caso infando,

Terríveis maldições dos lábios vibram

Aos monstros infernais, que vão fugindo.

Já c’roam de cipreste a malfadada,

E, arrepelando as nítidas madeixas,

Lhe urdem saudosas, lúgubres endeichas.

Tu, Eco, as decoraste;

E cortadas dos ais, assim ressoam

Nos côncavos penedos, que magoam:


“Toldam-se os ares,

Murcham-se as flores;

Morrei, Amores,

Que Inês morreu.


Mísero esposo,

Desata o pranto,

Que o teu encanto

Já não é teu.


Sua alma pura

Nos Céus se encerra;

Triste da Terra,

Porque a perdeu.


Contra a cruenta

Raiva ferina

Face divina

Não lhe valeu.


Tem roto o seio,

Tesouro oculto,

Bárbaro insulto

Se lhe atreveu.


De dor e espanto

No carro de ouro

O númen louro

Desfaleceu.


Aves sinistras

Aqui piaram,

Lobos uivaram,

O chão tremeu.


Toldam-se os ares,

Murcham-se as flores;

Morrei, Amores,

Que Inês morreu.


Toldam-se os ares,

Murcham-se as flores;

Morrei, Amores,

Que Inês morreu.”


64 - GLOSAS

Que eu fosse enfim desgraçado

Escreveu do Fado a mão;

Lei do Fado não se muda;

Triste do meu coração !

65 - GLOSA

Três vezes sobre meus lares

Vozeou, quando eu nascia,

Ave, que aborrece o dia,

Que prevê cruéis azares:

Amor dividira os ares

De seus tormentos cercado;

À funda estância do Fado

O voo havia abatido,

E ambos tinham resolvido

Que eu fosse enfim desgraçado.
- Esse, que os primeiros ais

Vai soltar triste, e choroso,

Seja à Fortuna odioso,

Seja pesado aos mortais:

Dos mimos de Amor jamais

Desfrute a consolação;

Ame, porém ame em vão,

Ferva-lhe n’alma o ciúme

-Isto no horrendo volume

Escreveu do Fado a mão


Cresci, cresceram comigo

Meus danos, e num transporte

Curva maga a ler-me a sorte

Com roucas preces obrigo:

Eis que toma um livro antigo,

Abre, vê, folheia, estuda,

Té que me diz carrancuda:

“Nos caracteres que olhei

Fim ao teu mal não achei;

Lei do Fado não se muda”


Absorto, convulso, e frio,

Deixo de erriçada grenha

A Fúria em côncava penha,

Seu lar medonho, e sombrio:

Debalde luto, e porfio

Contra a Sorte desde então;

Céus! Não achar compaixão!

Céus! Amar sem ser amado!

Bárbara lei do meu fado!

Triste do meu coração !


66 - A minha Lília morreu.

GLOSA


Assim como as flores vivem

A minha Lília viveu;

Assim como as flores morrem

A minha Lilia morreu.


Assomando o negro dia,

Ave sinistra gemeu;

Cumpriu-se o funesto agouro:

A minha Lilia morreu


Desfalece, ó Natureza,

Acelera o fado teu;

Esta voz te guie ao nada:

A minha Lilia morreu.


Fadou-me o caso medonho

Vate, que nos astros leu;

Os vates são como os numes:

A minha Lilia morreu.


Que é do Sol? Que é do Universo?

Tudo desapareceu;

Foi-se toda a Natureza:

A minha Lilia morreu.


A minha ventura, e Lília

Num só laço Amor prendeu:

Morreu a minha ventura,

A minha Lilia morreu.


Em parte da minha essência

Minha essência pereceu;

Não vivo senão metade:

A minha Lilia morreu.


Oh quanto ganhava o mundo!

Oh quanto o mundo perdeu!

Doce lucro, e triste perda!

A minha Lilia morreu.


Para exultar o Universo

A minha Lília nasceu;

Para os numes exultarem

A minha Lilia morreu.


Meu coração desgraçado,

Desgraçado porque és meu,

Evapora-te em suspiros:

A minha Lilia morreu.


As estrelas se apagaram,

A Natureza tremeu,

Os promontórios gemeram,

A minha Lilia morreu.


Disse, ao ver sereno eflúvio,

Que o puro Olimpo correu:

Aquela é a alma de Lília,

A minha Lilia morreu.




67 - APÔLOGO
OS DOIS GATOS
D ois bichanos se encontraram

Sobre uma trapeira um dia:

(Creio que não foi no tempo

Da amorosa gritaria).


De um deles todo o conchego

Era dormir no borralho;

O outro em leito de senhora

Tinha mimoso agasalho.


Ao primeiro o dono humilde

Espinhas apenas dava;

Com esquisitos manjares

O segundo se engordava.


Miou, e lambeu-o aquele

Por o ver da sua casta;

Eis que o brutinho orgulhoso

De si com desdém o afasta.


Aguda unha vibrando

Lhe diz: “Gato vil e pobre,

Tens semelhante ousadia

Comigo, opulento, e nobre?


Cuidas que sou como tu?

Asneirão, quanto te enganas!

Entendes que me sustento

De espinhas, ou barbatanas?


Logro tudo o que desejo,

Dão-me de comer na mão;

Tu lazeras, e dormimos

Eu na cama, e tu no chão.


Poderás dizer-me a isto

Que nunca te conheci;

Mas para ver que não minto

Basta-me olhar para ti.”


“Ui! (responde-lhe o gatorro,

Mostrando um ar de estranheza)

És mais que eu? Que distinção

Pôs em nós a Natureza?


Tens mais valor? Eis aqui

A ocasião de o provar.”

“Nada (acode o cavalheiro)

Eu não costumo brigar.”


“Então (torna-lhe enfadado

O nosso vilão ruim)

Se tu não és mais valente,

Em que és sup’rior a mim?


Tu não mias?” - “Mio. - E sentes

Gosto em pilhar algum rato?”

“Sim.” - “E o comes?” - “Oh! Se o como ! “

“Logo não passas de um gato.


Abate, pois, esse orgulho,

Intratável criatura:

Não tens mais nobreza que eu;

O que tens é mais ventura. “



68 - EPIGRAMAS

Para curar febres podres

Um doutor se foi chamar,

Que, feitas as cerimónias,

Começou a receitar.
A cada penada sua

O enfermo arrancava um ai.

“Não se assuste (diz o Galeno)

Que inda desta se não vai.


“Ah senhor! (torna o coitado,

Como quem seu fado espreita)

Da moléstia não me assusto,

Assusto-me da receita.”


Um escrivão fez um roubo;

Diz-lhe o juiz: “Que razão

Teve para fazer isto?”

Responde: - “Ser escrivão.”


Rechonchudo franciscano

Desenrolava um sermão;

E defronte por acaso

Lhe ficara um beberrão.


Tratava dos bens celestes,

Proferindo: “Ouvintes meus,

Que ditas, que imensa glória

Para os justos guarda um Deus!


Falsos, momentâneos gostos

Há neste mundo mesquinho:

Mas no Céu há bens sem conto...

Pergunta o bêbado: - “E vinho?”


Uma terra dizem que há,

Onde a fome acerba e dura,

Cabo dos médicos dá:

Porque é isto? É porque lá

Pagam sômente a quem cura.
Homem de génio impaciente,

Tendo uma dor infernal,

Pedia para matar-se

Um veneno, ou um punhal.


“Não há (lhe disse um vizinho

Velho, que pensava bem)

Não há punhal, nem veneno;

Mas o médico ai vem.



69 - EPITÁFIO
De Elmano eis sobre o mármore sagrado

A lira, em que chorava, ou ria Amores;

Ser deles, ser das Musas foi seu fado:

Honrem-lhe a lira vates, e amadores.





SONETOS DE BOCAGE

BOCAGE, Manuel Maria Barbosa du. Sonetos. Lisboa: Europa-América, s. d. 224p.


PERÍODO DA VIDA MILITAR (1780-1787)
70 - PROPOSIÇÃO DAS RIMAS DO POETA

Incultas produções da mocidade

Exponho a vossos olhos, ó leitores;

Vede-as com mágoa, vede-as com piedade;

Que elas buscam piedade, e não louvores;
Ponderai da Fortuna a variedade

Nos meus suspiros, lágrimas e amores ;

Notai dos males seus a imensidade,

A curta duração dos seus favores;


E se entre versos mil de sentimento

Encontrardes alguns, cuja aparência

Indique festival contentamento,
Crede, ó mortais, que foram com violência

Escritos pela mão do Fingimento,

Cantados pela voz da Dependência.
71 - O AUTOR AOS SEUS VERSOS

Chorosos versos meus desentoados,

Sem arte, sem beleza, e sem brandura,

Urdidos pela mão da Desventura,

Pela baça Tristeza envenenados:
Vede a luz, não busqueis, desesperados,

No mudo esquecimento a sepultura;

Se os ditosos vos lerem sem ternura,

Ler-vos-ão com ternura os desgraçados:


Não vos inspire, ó versos, cobardia

Da sátira mordaz o furor louco,

Da maldizente voz a tirania :
Desculpa tendes, se valeis tão pouco;

Que não pode cantar com melodia

Um peito, de gemer cansado e rouco .
72 - SONHO

De suspirar em vão já fatigado ,

Dando trégua a meus males eu dormia;

Eis que junto de mim sonhei que via

Da Morte o gesto lívido, e mirrado:
Curva fouce no punho descarnado

Sustentava a cruel, e me dizia:

«Eu venho terminar tua agonia;

Morre, não peneis mais, oh desgraçado!»


Quis ferir- me , e de Amor foi atalhada,

Que armado de cruentos passadores

Aparece, e lhe diz com voz irada :
«Emprega noutro objeto os teus rigores;

que esta vida infeliz está guardada

para vítima só de meus furores.»
73 - CONTRA A INGRATIDÃO DE NISE

Raios não peço ao criador do mundo,

Tormentas não suplico ao rei dos mares,

Vulcões à terra, furacões aos ares,

Negros monstros ao báratro profundo:
Não rogo ao deus d’amor, que furibundo

Te arremesse do pé de seus altares;

Ou que a peste mortal voe a teus lares

E murche o teu semblante rubicundo:


Nada imploro em teu dano, ainda que os laços

Urdidos pela fé, com vil mudança

Fizeste, ingrata Nise, em mil pedaços:
Não quero outro despique, outra vingança,

Mais que ver-te em poder de indignos braços,

E dizer quem te perde e quem te alcança.
74 - INSÓNIA

Já sobre o coche de ébano estrelado

Deu meio giro a noite escura e feia;

Que profundo silêncio me rodeia

Neste deserto bosque, à luz vedado!
Jaz entre as folhas Zéfiro abafado,

O Tejo adormeceu na lisa areia;

Nem o mavioso rouxinol gorgeia,

Nem pia o mocho, às trevas costumado:


Só eu velo, só eu, pedindo à sorte

Que o fio, com que está minh’alma presa

À vil matéria lânguida, me corte:
Consola-me este horror, esta tristeza;

Porque a meus olhos se afigura a morte

No silêncio total da natureza.
75 - O COLO DE MARÍLIA

Mavorte, porque em pérfida cilada

O cruel moço alígero o ferira,

Não faz caso da mãe, que chora e brada,

Quer punir o traidor, que lhe fugira:
Na sinistra o pavês, na destra a espada,

Nos ígneos olhos fuzilante a ira,

Pule à negra carroça ensangüentada,

Que Belona infernal coas Fúrias tira:


Assim parte, assim voa ; eis que vê posto

No colo de Marília o deus alado,

No colo aonde tem mimoso encosto:
Já Marte arroja as armas, e aplacado

Diz, inclinando o formidável rosto :

«Valha-te, Amor, esse lugar sagrado!»

76 - CELEBRA AS PERFEIÇÕES DE MARÍLIA

Não, Marília, teu gesto vergonhoso,

A luz dos olhos teus, serena e pura,

Teu riso, que enche as almas de ternura,

Agora meigo, agora desdenhoso:


Tua cândida mão, teu pé mimoso,

Tuas mil perfeições, crer que a ventura

As guarda para mim, fora loucura;

Nem sou digno de ti, nem sou ditoso:


E que mortal enfim, que peito humano

Merece os braços teus, ó ninfa amada?

Que Narciso? Que herói? Que soberano?
Mas que lê minha mente iluminada!...

Céus!... Penetro o futuro!... Ah, não me engano;

De Jove para o toro estás guardada.
77 - RECORDAÇÕES DE FÍLIS

A loura Fílis, na estação das flores,

Comigo passeou por este prado

Mil vezes, por sinal trazia ao lado

As Graças, os Prazeres e os Amores.
Quantos mimos então, quantos favores,

Que inocente afeição, que puro agrado

Não me viram gozar (oh, doce estado!)

Mordendo-se de inveja os mais pastores!


Porém, segundo o feminil costume,

Já Fílis se esqueceu do amor mais terno,

E com Jónio se ri de meu queixume.
Ah!, se nos corações fosses eterno,

Tormento abrasador, negro ciúme,

Serias tão cruel como os do Inferno!
PERÍODO DE EXPATRIAÇÃO (1788 a 1790)
78 - O POETA DISTANTE DA SUA AMADA

Olhos suaves, que em suaves dias

nos meus tantas vezes empregados;

Vista, que sobre esta alma despedias

Deleitosos farpões, no Céu forjados:
Santuários de amor, luzes sombrias,

Olhos, olhos da cor de meus cuidados,

Que podeis inflamar as pedras frias,

Animar os cadáveres mirrados.


Troquei-vos pelos ventos, pelos mares,

Cuja verde arrogância as nuvens toca,

Cuja horríssona voz perturba os ares:
Troquei-vos pelo mal, que me sufoca;

Troquei-vos pelos ais, pelos pesares:

Oh, câmbio triste!, oh, deplorável troca!
79 - PRESSÁGIOS DE DES VENTURA PROPÍNQUA

Usurpando um minuto a meu lamento,

Amigo sono os olhos me ocupava,

E enquanto o débil corpo descansava,

Velava amor, velava o pensamento:
Eis que em deserto e lúgubre aposento,

Que semimorta luz mais afeava,

Cri, Gertrúria (ai de mim!), que te avistava

Já sem cor, já sem voz, já sem alento:


Súbito acordo em lágrimas banhado,

E, das trevas palpando o véu medonho,

Em vão busco o teu corpo delicado:
Mas inda em ânsias trémulo suponho

Que me vaticinou meu negro fado

Dos males o pior no horrível sonho.
80 - ORÁCULO DE AMOR

Alva Gertrúria minha, a quem saudoso

Mando trémulos ais enternecidos;

Gertrúria, que encantaste os meus sentidos

Cum meigo riso, cum olhar piedoso:
Amor, o injusto Amor, nume doloso,

Insensível penedo a meus gemidos,

Me exala sobre os tímidos ouvidos

Estas vozes cruéis em tom raivoso:


«Tu, que já desfrutaste os meus favores,

Tu, que na face de Gertrúria bela

Néctar bebeste, mitigaste ardores,
» Não tornarás, não tornarás a vê-la:

Lamenta, desgraçado, os teus amores,

Acusa, desgraçado, a tua estrela. »
81 - VISÃO NOCTURNA (Feito na Índia)

Meia-noite seria; eu passeando

No meu palmar chorava o meu destino;

Eis que ao som de um gemido repentino

Olho, e vejo uma sombra no ar girando:
Quem és, Guirá? (pergunto-lhe arquejando);

Quem és, quem és, ó Lémure malino?...

«Sou o espírito» (diz) «de Saladino,

De quem já leste o caso miserando:


» De Grisalda as traições inda lamento

Da solitária noite entre os horrores,

E os olhos, mortal cego, abrir-te intento:
» Não soltes por Natércia mais clamores;

Sepulta a desleal no esquecimento:

Olha o trágico fim de meus amores!»
82 - VENTURA SONHADA

Sonhei que nos meus braços inclinado

Teu rosto encantador, Gertrúria, via;

Que mil ávidos beijos me sofria

Teu níveo colo, para os mais sagrado:
Sonhei que era feliz por ser ousado,

Que o siso, a força, a voz, a cor, perdia

Num êxtase suave, em que bebia

O néctar nem por Jove inda libado:


Mas no mais doce, no melhor momento,

Exalando um suspiro de ternura,

Acordo, acho-te só no pensamento:
Oh, destino cruel! Oh, sorte escura!

Que nem me dure um vão contentamento!

Que nem me dure em sonhos a ventura!

PERÍODO DE LUTAS LITERARIAS E PRISÃO (1791 a 1797)


83 - A UM RICAÇO TIDO NA CONTA DE CRISTÃO-NOVO

A certo genealógico de tretas

Suplicou um Luculo entusiasmado

Para pôr num feliz aveludado

Armas com prosa, timbre com caretas:
«Sim, senhor» (diz-lhe o mestre d’altas pelas

Folheando volume remendado),

«Neste livro aqui só tenho encerrado

Judias raças e famílias pretas. »


Disse; toma nas mãos a horrível brocha,

Pinta um rabo de fogo em mãos sombrias,

E por timbre d’escudo uma carocha:
Põe-lhe em roda com letras rebranquias:

«Honor d’Abraão, à tribo acende a tocha,

Celebra a Páscoa, espera inda o Messias. »

84 - A UM BACHAREL QUE CASOU COM UMA VELHA PARA LHE EMPOLGAR UMA TENÇA DE SEISCENTOS MIL-RÉIS

Pilha aqui, pilha ali, vozeia autores,

Montesquieu, Mirabeau, Voltaire, e vários;

Propõe sistemas, tira corolários,

E usurpa o tom d’enfáticos doutores:


Ciência de livreiros e impressores

Traz da vasta memória nos armários;

E tratando os cristãos de visionários,

Só rende culto a Vénus e aos Amores:


A mulher, que a barriga lhe tem forra

Do jugo da vital necessidade,

Deixa em casa gemer, como em masmorra:
Este biltre, labéu da humanidade,

É um tal zote, um bacharel de borra;

Tem de um burro o juízo e a castidade.

85 - A LIÇÃO AO PÉ DA LETRA

(Feito na ocasião em que andava em cena a tragédia Elaire, de Miguel António de Barros)
Gritava mestre Brás: «Filha traidora!...

Hei-de arrancar-te os olhos, vil cadela!

Vou pregar férreas trancas na janela,

Porque a não veja o biltre que a namora. »


Nisto a moça infeliz suspira, e chora,

Suspiram Graças, chora Amor com ela;

Tão mimosa não é, não é tão bela,

Quando pérolas verte a linda Aurora!


«Ser sapateiro, ou grande, o fado ordena;

Sou um pai que da honra os lares trilha,

Tragédias nunca viu quem me condena:
»O pregar-lhe as janelas não me humilha;

Que há pouco o grã Miguel mostrou na cena

Que fez o rei da Trácia o mesmo à filha.»

86 - REPRODUÇÃO DO ANTECEDENTE, ESTANDO O AUTOR PRESO

Liberdade querida, e suspirada,

Que o Despotismo acérrimo condena;

Liberdade, a meus olhos mais serena

Que o sereno clarão da madrugada!


Atende à minha voz, que geme e brada

Por ver-te, por gozar-te a face amena;

Liberdade gentil, desterra a pena

Em que esta alma infeliz jaz sepultada:


Vem, ó deusa imortal, vem, maravilha,

Vem, ó consolação da humanidade,

Cujo semblante mais que os astros brilha:
Vem, solta-me o grilhão d’adversidade;

Dos céus, descende, pois dos céus és filha,

Mãe dos prazeres, doce Liberdade!
87 - POR OCASIÃO DOS FAVORÁVEIS SUCESSOS OBTIDOS NA ITÁLIA PELAS TROPAS FRANCESAS, SOB O COMANDO DE BONAPARTE, EM 1797
A prole de Antenor degenerada,

O débil resto dos heróis troianos,

Em jugo vil de aspérrimos tiranos,

Tinha a curva cerviz já calejada:


Era triste sinónimo do nada

A morta liberdade envolta em danos;

Mas eis que irracionais vão sendo humanos,

Graças, ó Corso excelso, à tua espada!


Tu, purpúreo reitor; vós, membros graves,

Tremei na cúria da sagaz Veneza:

Trocam-se as agras leis em leis suaves:
Restaura-se a razão, cai a grandeza,

E o feroz despotismo entrega as chaves

Ao novo redentor da natureza.
88 - LOUVANDO ALGUNS POETAS LÍRICOS SEUS CONTEMPORÂNEOS

Encantador Garção, tu me arrebatas

Audaz vibrando o plectro venusino;

Suave Albano, dedicado Alcino,

Musas do terno Amor, vós me sois gratas;
Adoro altos prodígios, que relatas,

Cantor da Glória, majestoso Elpino,

Tu, que agitado de ímpeto divino

Acesos turbilhões na voz desatas:


Ó cisnes imortais do Tejo ameno!

A carrancuda Inveja em mim não cria

Víboras prenhes de infernal veneno:
O clarão, que esparzis, me acende e guia:

Culto, incenso vos dou, quando condeno

Delírios que Belmiro ao prelo envia.
PERÍODO DE DESALENTO E MORTE (1798 a 1805)
89 - INSÓNIA AMOROSA

Já com ténue clarão, já quase escura

A nocturna Diana o céu volteia,

E sobre o Tejo azul, que mal prateia,

Vai duplicando a trémula figura:
Aura subtil nas árvores murmura,

No lago adormecido a rã vozeia,

Mocho importuno agouros mil semeia,

Dentre as umbrosas moitas da espessura:


Letárgico vapor Morfeu derrama,

Com que insinua um doce desalento

No livre coração de quem não ama:
Triste de mim! Se repousar intento

Os olhos me abre Amor, Amor me inflama,

E Anália me persegue o pensamento.
90 - O AUTOR AOS SEUS VERSOS

Vós, que de meus extremos sois a história,

Versos, por negro zoilo em vão roubados,

Nascidos da Ternura, e restaurados

Co pronto auxílio de fiel memória:
Da Inveja conseguindo alta vitória

Ide, meus versos, em Amor fiados,

Que dele só dependem vossos fados,

Que nele só demando a minha glória:


Não vos importe o público juízo;

Da voz, que pelo mundo se derrama,

Os vivas caprichosos não preciso.
Voai aos olhos, cuja luz me inflama;

Tereis de Anarda aprovador sorriso,

Um sorriso de Anarda é mais que a Fama.
91 - ASSEGURANDO ANÁLIA DA SUA FIRMEZA
Distrai, meu coração, tua amargura,

Os males que te assanha a fantasia:

Provém da formosura essa agonia?

Seja o seu lenitivo a formosura;


Por mil objectos adoçar procura

O ardor que lavra em ti de dia em dia;

Mas ó fatal poder da simpatia!

Ó moléstia d’amor, que não tem cura!


Astúcia exercitar que te resista,

Minha Anália, meu bem, debalde intento,

Está segura em mim tua conquista.
Como hei-de minorar-te o vencimento,

Coarctar o império teu, se as mais à vista

Valem menos que tu no pensamento?
92 - A ILUSÕES DO DESEJO DESFEITAS PELA REALIDADE

Desejo iluso e vão! Para que traças

Quadro, que imagens divinais of’rece?

A terna ausente amada me aparece,

Em céu d’amores eclipsando as Graças:
Ante a doce visão com que me enlaças,

Já murcho, estéril já, meu ser floresce:

Mas súbito fantasma eis desvanece

Chusma d’encantos, que em teu sonho abraças:


C’roado de cipreste o Desengano

D meu nada me agoura... O dor mais forte

Do que em seu grau supremo o esforço humano!
Chorai, Piedade, e Amor, tão triste sorte,

Chorai: longe de Anália expira Elmano;

Os que a ternura uniu, desune a morte.
93 - SEGUNDO RETRATO

De cerúleo gabão, não bem coberto,

Passeia em Santarém chuchado moço,

Mantido às vezes de sucinto almoço,

De ceia casual, jantar incerto:
Dos esburgados peitos quase aberto,

Versos impinge por miúdo e grosso;

E do que em frase vil chamam caroço,

Se o quer, é vox clamantis in deserto:


Pede às moças ternura, e dão-lhe motes!

Que tendo um coração como estalage,

Vão nele acomodando a mil pexotes:
Sabes, leitor, quem sofre tanto ultraje,

Cercado de um tropel de franchinotes?

É o autor do soneto — é o Bocage!
94 - PRÓXIMO AOS SEUS ÚLTIMOS DIAS

Ave da morte, que piando agouros

Tinges meus ares de funéreo luto!

Ave da morte (que em teus ais a escuto),

Meus dias murcharás, mas não meus louros:
Doou-me Febo aos séculos vindouros,

Deponho a flor da vida, e guardo o fruto,

Pagando em vil matéria um vão tributo,

Retenho a posse de imortais tesouros.


Nome no tempo e ser na eternidade!

Que fado! O ponto escuro, assoma embora,

Dê-me o piedoso adeus comum saudade:
E rindo-me na campa os dons de Flora,

Mais do que eles a adorne esta verdade:

«Lísia cantava Elmano e Lísia o chora.»
95 - DITADO ENTRE AS AGONIAS DO SEU TRÂNSITO FINAL

Já Bocage não sou!... A cova escura

Meu estro vai parar desfeito em vento...

Eu aos Céus ultrajei! O meu tormento

Leve me torne sempre a terra dura:
Conheço agora já quão vã figura

Em prosa e verso fez meu louco intento;

Musa!... Tivera algum merecimento

Se um raio da razão seguisse pura!


Eu me arrependo; a língua quase fria

Brade em alto pregão à mocidade,

Que atrás do som fantástico corria:
Outro Aretino fui... A santidade

Manchei!... Oh! Se me creste, gente impia,

Rasga meus versos, crê na eternidade!


LITERATURA ROMÂNTICA




Texto

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VECHI, Carlos Alberto. Preliminares. In: A Literatura Portuguesa em Perspectiva: Romantismo/Realismo. São Paulo: Atlas, 1994. v. 3, p. 11-28.
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