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Aquela que de amor descomedido


pelo fermoso moço se perdeu

que só por si de amores foi perdido,

despois que a deusa em pedra a converteu

de seu humano gesto verdadeiro,

a última vez só lhe concedeu.

assi meu mal do próprio ser primeiro

outra cousa nenha me consente

que este canto que escrevo derradeiro.

E se alga pouca vida, estando ausente,

me deixa Amor, é porque o pensamento

sinta a perda do bem de estar presente.

Senhor, se vos espanta o sentimento

que tenho em tanto mal, para escrevê-lo

furto este breve tempo a meu tormento.

Porque quem tem poder para sofrê-lo,

sem se acabar a vida co cuidado,

também terá poder para dize-lo.

Nem eu escrevo mal tão costumado,

mas n’alma minha, triste e saudosa,

a saudade escreve, e eu traslado.

Ando gastando a vida trabalhosa,

espalhando a continua saudade

ao longo de ua praia saudoso.

Vejo do mar a instabilidade,

como com seu ruído impetuoso

retumba na maior concavidade.

E com sua branca escuma, furioso,

na terra, a seu pesar, lhe está tomando

lugar onde se estenda, cavernoso.

Ela, como mais fraca, lhe está dando

as côncavas entranhas, onde esteja

suas salgadas ondas espalhando.

A todas estas cousas tenho enveja

tamanha, que não sei determinar-me,

por mais determinado que me veja.

Se quero em tanto mal desesperar-me,

não posso, porque Amor e Saudade,

nem licença me dão para matar-me.

As vezes cuido em mim se a novidade

e estranheza das cousas, co a mudança

se poderão mudar üa vontade.

E com isto afiguro na lembrança

a nova terra, o novo trato humano,

a estrangeira gente e estranha usança.

Subo-me ao monte que Hércules tebano

do altíssimo Calpe dividiu,

dando caminho ao mar Mediterrano.

Dali estou tenteando aonde viu

o pomar das Hespéridas, matando

a serpe que a seu passo resistiu.

Em outra parte estou afigurando

o poderoso Anteu que, derrubado,

mais força se lhe estava acrescentando;

mas do hercúleo braço sojugado,

no ar deixou a vida, não podendo

da madre terra já ser ajudado.

Nem com isto, enfim, que estou dizendo,

nem com as armas tão continuadas,

de lembranças passadas me defendo.

Todas as cousas vejo remudadas,

porque o tempo ligeiro não consente

que estejam de firmeza acompanhadas.

Vi já que a Primavera, de contente,

de mil cores alegres revestia

o monte, o rio, o campo alegremente.

Vi já das altas aves a harmonia,

que até aos montes duros convidava

a um modo suave de alegria.

Vi já que tudo, enfim, me contentava,

e que, de muito cheio de firmeza,

um mal por mil prazeres não trocava.

Tal me tem a mudança e estranheza

que, se vou pelos campos, a verdura,

parece que se seca, de tristeza.

Mas isto é já costume da ventura;

que os olhos que vivem descontentes,

descontente o prazer se lhe afigura.

Ó graves e insofríveis acidentes

de Fortuna e de Amor que a penitência

tão grave dais aos peitos inocentes!

Não basta exprimentar-me a paciência,

com temores e falsas esperanças,

sem que também me atente o mel de ausência?

Trazeis um brando animo em mudanças,

para que nunca possa ser mudado

de lágrimas, suspiros e lembranças.

E se estiver ao mal acostumado,

também no mal não consentis firmeza,

para que nunca viva descansado.

Vivia eu sossegado na tristeza,

e ali não me faltava um brando engano,

que tirasse os desejos da fraqueza.

E vendo-me enganado estar ufano,

deu à roda Fortuna, e deu comigo

onde de novo choro o novo dano.

Já deve de bastar o que aqui digo

para dar a entender o mais que calo,

a quem já viu tão áspero perigo.

E se nos bravos peitos faz abalo

um peito magoado e descontente,

que obriga a quem o ouve a consolá-lo;

não quero mais senso que largamente,

Senhor, me mandeis novas dessa terra:

ao menos poderei viver contente.

Porque se o duro Fado me desterra,

tanto tempo do bem que o fraco esprito

desampare a prisão onde se encerra,

ao som das negras águas de Cocito,

ao pé dos carregados arvoredos

cantarei o que na alma tenho escrito.

E, por entre esses hórridos penedos,

a quem negou Natura o claro dia,

entre tormentos ásperos e medos,

com a trémula voz, cansada e fria,

celebrarei o gesto claro e puro

que nunca perderei da fantasia.

E o músico de Trácia, já seguro

de perder sua Eurídice, tangendo

me ajudará, ferindo o ar escuro.

As namoradas sombras, revolvendo

memórias do passado, me ouvirão;

e com seu choro, o rio irá crescendo.

Em Salmoneu as penas faltarão,

e das filhas de Belo, juntamente,

de lágrimas os vasos se encherão.

Que se o amor não se perde em vida ausente,

menos se perderá por morte escura;

porque, enfim, a alma vive eternamente,

e amor é afeito d’alma, e sempre dura.






POÉTICA DE RODRIGUES LOBO
RODRIGUES LOBO


Francisco Rodrigues Lobo (1580-1622)
Natural de Leiria, formou-se em Direito; mas, como seus bens o permitiam, não exerceu a profissão, vivendo sempre em contacto íntimo com a natureza.

A sua biografia é sempre acompanhada de lendas, com respeito a amores infelizes.

De sua vasta obra, toda ela do gênero bucólico, desta­cam-se: «Corte na Aldeia», em forma dialogada: «Condes­tabre», poema épico em oitava rima e vinte cantos, que tem por herói D. Nuno Álvares Pereira; «Primavera», «Éclogas».

Salientou-se, principalmente, pela pureza da linguagem. Morreu em 1622, afogado, no Tejo.


52 - CANTIGA

Descalça vai para a fonte

Leonor pela verdura;
A talha leva pedrada,

Pucarinho de feição,

Saia de cor de limão,

Beatilha de madrugada

Pisa as flores na verdura:

Vai fermosa, e não segura.


Leva na mão a rodilha

Feita da sua toalha,

Com uma sustenta a talha,

Ergue com outra a fraldilha;

Mostra os pés por maravilha,

Que a neve deixam escura:

Vai fermosa, e não segura.
As flores por onde passa,

Se o pé lhe acerta de pôr,

Ficam de inveja sem cor

E de vergonha com graça;

Qualquer pegada que faça

Faz florescer a verdura:

Vai fermosa, e não segura.
Não na ver o Sol lhe vai

Por não ter novo inimigo,

Mas ela corre perigo

Se na fronte se vê tal;

Descuidada deste mal

Se vai ver na fonte pura:

Vai fermosa, e não segura.
LOBO, Francisco Rodrigues. Poesias. Lisboa: Francisco Franco, s. d. 145p.
53 - [75] VI

Fermoso rio Lis, que entre arvoredos

ides detendo as águas vagarosas,

até que ũas sobre outras, de invejosas,

ficam cobrindo o vão destes penedos;
verdes lapas, que ao pé de altos rochedos

sois moradas das Ninfas mais fermosas,

fontes, árvores, ervas, lírios, rosas,

em quem esconde Amor tantos segredos:


Se vós, livres de humano sentimento,

em quem não cabe escolha nem vontade,

também às leis de Amor guardais respeito,
como se há-de livrar meu pensamento

de render alma, vida e liberdade,

se conhece a razão de estar sujeito?
54- [76] VIII

Águas que penduradas desta altura

caís sobre os penedos, descuidadas,

aonde, em branca escuma levantadas,

ofendidas mostrais mais fermosura;
se achais essa dureza tão segura,

para que porfiais, águas cansadas?

Há tantos anos já desenganadas,

e esta rocha mais áspera e mais dura!


Voltais atrás por entre os arvoredos,

aonde caminhareis com liberdade,

até chegar ao fim tão desejado.
Mas, ai, que são de Amor estes segredos!

Que vos não valerá própria vontade,

como a mim não valeu no meu cuidado.
55 - [77] VIII

Altivos pensamentos que tomastes

lugar nesta alma, a males tão sujeita,

já vou dar à ventura a conta estreita

daqueles grandes bens que imaginastes.
Vós, como dela isentos, vos livrastes,

e eu, a quem a razão nada aproveita,

até deixar a sua ira satisfeita,

a pena irei sentir do que alcançastes.


Mas, pois a causa fostes d’e perder-me

não me desempareis só, neste estado,

entre tão vário modo de tormentos;
que, na pena maior de meu cuidado,

bem sei que outrem ninguém pode valer-me

senão meus animosos pensamentos.
56 - [78] IX

Fermosos olhos, quem ver-vos pretende

a vista dera em preço, se vos vira,

que inda por perder-vos a sentira,

a perda de não ver-vos não se entende.
A graça dessa luz não na comprende

quem, qual ao sol, a vós seus olhos vira,

que o cego Amor, que cego deles tira,

com vossos próprios raios a defende.


Não pode a vista humana conhecer

qual seja a vossa cor, que a luz forçosa

não consente mostrar tanta beleza.
Se eu, que em vendo-a ceguei, pude inda ver,

uma cor vi, porém, cor tão fermosa

que me não pareceu da natureza.
57 - [79] X

Fermoso Tejo meu, quão diferente

te vejo e vi, me vês agora e viste!

Turvo te vejo a ti, tu a mim triste,

claro te vi eu já, tu a mim contente.
A ti foi-te trocando a grossa enchente

a quem teu largo. campo não resiste;

a mim trocou-me a vista em que consiste

o meu viver contente ou descontente.


Já que somos no mal participantes,

sejamo-lo no bem. Oh, quem me dera

que fôramos em tudo semelhantes!
Mas lá virá a fresca primavera!

Tu tornarás a ser quem eras de antes,

eu não sei se serei quem de antes era!
58 - [80] XII

Se algũa hora o desejo de atrevido,

lisonjeando ao gosto, me assegura

ũa esperança vã, pouco segura,

que como sombra enleva a meu sentido,
qual piloto das ondas perseguido,

que dar com a nau à costa se aventura,

assim me vou trás dele e da ventura,

que pouco arrisca já quem vai perdido.


Porém, caindo em mãos do desengano,

como pedra que ao centro se avizinha,

me ofende com mor força o sentimento.
Se me aparece o bem para mor dano,

não quero melhor sorte do que é a minha:

De males vivo, e deles me contento.
59 - [81] XII

Que amor sigo? Que busco? Que desejo?

Que enleo é este vão da fantasia?

Que tive? Que perdi? Quem me queria?

Quem me faz guerra? Contra quem pelejo?
Foi por encantamento o meu desejo,

e por sombra passou minha alegria;

mostrou-me Amor, dormindo, o que não via,

e eu ceguei do que vi, pois já não vejo.


Fez à sua medida o pensamento

aquela estranha e nova fermosura

e aquele parecer quase divino.
Ou imaginação, sombra ou figura,

é certo e verdadeiro meu tormento:

Eu morro do que vi, do que imagino.




POESIA DE BOCAGE




60 - ODES

Assaz temos cantado, assaz carpido

Ó lira, ó doce lira,

Os bens e os males do comum tirano,

Que nas almas derrama

dor, e o riso, o néctar, e o veneno.

Longe a brilhante ideia

De olhos fagueiros, de aneladas tranças,

De angélicos sorrisos,

De momentâneos amorosos furtos;

Longe a amarga lembrança

De vis perjúrios, de cruéis enganos,

De traições estudadas;

Longe as memórias da infiel Marília.

Feitiços perigosos,

Verdugos da alterosa Liberdade;

Tu, dom da formosura,

fatal aos corações, suave aos olhos;

Tu, que em meus pensamentos

No arbítrio meu despótico imperavas,

Tirano, impõe teu jugo,

teu férreo jugo na cerviz daqueles

Que a sisuda Experiência

Por entre pavorosos precipícios

Inda ao templo remoto

Não guiou do profícuo Desengano.

Vencida a longa estrada,

Onde o Erro elevou montes e montes

Para estorvar ao homem

Sagaz instinto, que à Verdade o guia,

Vejo, saúdo os lares,

lares augustos do terrível nume,

Atento à voz do aflito

Que ingénuas preces lhe dirige às aras,

Surdo a rogos falazes

Do cego escravo, que idolatra os ferros,

Liberdade implorando...

Que solidão, que plácida tristeza,

Que profundo silêncio

Reina em torno do alcáçar venerando!

Oh sacro domicílio

Da Verdade imortal!... Quê! Tu num ermo!

Os teus átrios desertos,

Sem culto, sem ministro os teus altares,

Enquanto à vã grandeza

Servil caterva prostitui incensos,

E a curvada Lisonja

Os crimes doura, os vícios abrilhanta!

Ah! Eu te vingo, oh deusa!

Eu entro o franco pórtico espaçoso

E às aras... Mas que sinto!

Que gelo, que tremor, que sobressalto

Me prende a voz, e a planta,

Me abate as forças, me arrepia as carnes!

Coração, que te assombra?

Que temes, coração? Perder Marília?

Marilia acaso é tua?

Não maculou traidora os puros votos,

Os ternos juramentos?

Não viste a desleal sem dor, sem pejo,

Cevar-se nos teus males,

Cos lindos olhos de Fileno absortos?

Que importa que em seus lábios,

Seu ledo rosto, seu virgíneo seio,

Os Amores, e as Graças

Pressintam mil imagens deleitosas,

Onde os sentidos pascem,

Que importa, se a traição surgiu do Averno

A corromper-lhe o peito?

Que vale sem virtude a formosura?

Cede ao tempo, à desgraça;

Do espirito a beleza é sempre nova.

Coração, triunfemos,

Triunfemos da pérfida Marília,

E se a razão não basta,

Vença a vaidade o que a razão não vence.

Envergonha-te ao menos

De seres só feliz quando o permite

O teu rival soberbo,

Que enjoando os afagos importunos

Da perjura, que adoras,

Às vezes com desprezo em ócio os deixa,

E se a ti se dirigem,

Não vêm do coração, vêm do costume.

Eia, mísero escravo,

Sacode o jugo, despedaça os ferros,

A vaidade te anime:

Quase tudo o que é raro, estranho, ilustre,

Da vaidade procede,

Móvel primeiro das acções pasmosas.

Tente-se a grande empresa,

Forcem.se os fados... Ai de mim! Palpitas?

E em frequentes arrancos

Como que exprimes o pavor da morte!

Coração, não desmaies,

Alenta~te, infeliz... Porém que escuto!

Que ruído! que assombro!

Que resplendor me cerca, e me deslumbra!

Torvos dragões, batendo

Asas de negra cor com duro estrondo


Se encontram, se atropelam,

E quais nocturnas aves, que amedronta

O clarão matutino,

Espavoridos pelos ares fogem

Ao fulgor cintilante

De rubro facho, que na dextra empunha

Venerável matrona,

Librada sobre os Zéfiros plumosos!

Ah! Quem és? Vens do Olimpo,

Portentosa visão? Vens socorrer-me?

Ou és aéreo fruto

Da enferma, delirante fantasia

Que entre ilusões vagueia?...

Não; já me iluminaste a mente cega,

Reconheço-te, ó deusa,

És a prole dos Céus, és a Virtude,

Que no benigno seio

Acolhes os meus ais, os meus remorsos,

Indulgente à demora

Que tive em demandar teu santo asilo.

Esses monstros, voando

Ante o celeste resplendor, que espraias,

São pungentes saudades,

Feias traições, frenéticos ciúmes,

Que invisíveis té agora

As cálidas entranhas me ralavam.

Graças, ó divindade,

Que do sábio varão manténs o esforço

Quando a volúvel sorte,

Inimiga do mérito, o sepulta

Nas solitárias sombras

De profunda masmorra aferrolhada

Onde por mãos infames

De aspérrimas correntes o carrega:


Munido da inocência

Contigo ri o herói no cadafalso;

Contigo alegre observa
Do carrancudo algoz na mão terrível

O amolado cutelo

Executor da bárbara sentença;

E contigo, ó deidade,

Ó alta benfeitora, encaro as portas

Do formidável templo.

Teu sagrado fervor de veia em veia

Me agita, me transporta,

Eu te sigo, eu te sigo... Oh céus! Oh deuses!

Já sou meu, já sou livre.

Ídolo falso, que de altar profano

Davas leis à minh’alma,

Recebias meus votos, meus incensos,

Tributos da fraqueza;

Aleivosa Mania, horror e afronta

Té do tropel de ingratas,

De astutas, de infiéis, que o mundo infamam,

O escravo de teus olhos,

A vítima infeliz de teus enganos

Já tem rotos os ferros,

Solta a vontade, o coração tranqüilo

Como o Sol, quando vibra

Na cristalina esfera os raios de ouro,

Gasta, desfaz, consome

Vapores, que exalou do seio a Terra;

Também, falaz Marilia,

As luzes, que a verdade em mim dardeja,

Absorvem, desvanecem

A funesta ilusão, que na minh’alma

Te assemelhava aos deuses.

Ingrata, consumiram-se os incensos,
Retractaram-se os votos,

Foram-se as oblações, e os sacrifícios,

Caiu o altar, e o númen!

De porto mal seguro a turvo pego

Sai mesquinho baixei com raras velas,

Vai crespas ondas pávido talhando

À discrição dos ventos:
Nauta inexperto lhe dirige o leme,

Chusma bisonha lhe maneia o pano;

De um lado fervem Sirtes, de outro lado

Navífragos penedos:


Sussurrante chuveiro os ares cerna,

Luz sulfúreo clarão de quando em quando,

D’iminente pnocela os negros vultos

Feno estrago ameaçam:


Já bravos escarcéus, que se amontoam,

Por cima do convés soberbos saltam:

Prossegue na derrota o débil pinho,

Das vagas quase absorto.


Depois de longamente haver corrido

A estrada desigual com céus adversos,

Em lugar de colhê-lo, o pano aumenta,

Desafia o naufrágio:


Imaginária terra se lhe antolha,

De mil, e mil venturas semeada:

Anelas por surgir no porto amigo,

Cobiçosa Esperança:


Para cevar o horror mais campo havendo,

A torva tempestade então mais zune,

Em raios, em tufões todo o ar converte,

Todo o pélago em serras:


O mísero baixel desmantelado

Aos duros encontrões do mar, do vento,

Sobe às estrelas, aos abismos desce

Entre o pavor, e a morte:


Súbito acode próvido piloto,

Que oprimido até’li jazera em ferros

Num vil cárcere escuro, onde rebeldes

O tinham sopeado:


Estende a mão forçosa, aferra o leme,

O lenho desafronta, o rumo escolhe,

Com saber eficaz, com alta indústria

Vai sustendo a tormenta.


Já volumosas nuvens se adelgaçam,

O vento se amacia, o mar se aplana:

Do benigno Santelmo o ténue lume

Reluz no aéreo tope.


Reina um pouco a suave, azul bonança;

Mas eis se tolda o céu de novas sombras;

Mais negra, mais feroz, mais horrorosa

Ressurge a tempestade.


O sábio director, que todo ufano

Da recente vitória inda folgava,

A repetido assalto opõe debalde

Arte, vigor, constância.


Tremendo aos furacões impetuosos

Lá descorçoa enfim, lá desalenta;

Coa máquina infeliz, que já não rege,

Misérrimo soçobra:


Oh ente racional! Oh ente frágil!

Escravo das paixões, que te arrebatam!

Olhos sisudos neste quadro emprega:

Eis o quadro da vida.


Musa, não gemas; ergue, ó desgraçada

o rosto macilento;

Da vista a frouxa luz, quase apagada

Nas lágrimas que vertes; Musa, alento!

Move a trémula planta,

Pisa os receios, e a Manilha canta.


Canta da ilustre dama a gentileza,

A prole esclarecida,

Os dons da sorte, os dons da natureza,

As prendas com que a vês enriquecida;

E depois de a louvares

Torna os teus choros, torna os teus pesares.


Ah! Que já sinto, milagroso objecto,

Quanto pode o teu rosto!

Da malfadada Musa o torvo aspecto

Jí cora, já se vai do meu desgosto

Sumindo a névoa densa,

Que desfaz, como o Sol, tua presença.


Inclina pois, magnânima senhora,

Os dementes ouvidos

A voz, que não profere aduladora

Altos encómios de razão despidos;

A verdade celeste

Com seu cândido manto os orna, e veste.


A ti, dignos de ti, Marília, voam;

A ti, bela heroína,

Cujas mil graças mil virtudes c’roam;

A ti, que enches de glória a fértil China,

Enquanto a que te adora

Mísera pátria, tua ausência chora.


As deidades, criando-te, exauniram

O seu cofre divino;

A teus encantos para sempre uniram

Em áureo laço o mais feliz destino;

E eis os dons com que brilhas

Reproduzidos nas mimosas filhas.


Esses tenros, lindíssimos pedaços

Da tua alma preciosa,

O ledo par gentil, que nos teus braços

Das doces, maternais carícias goza,

Teus dias felicita,

E nas amáveis perfeições te imita:


Com meiga voz, com eficaz exemplo,

Com saudáveis doutrinas

Ao que habita a Virtude eterno templo

O caminho estelífero lhe ensinas;

A mim, mor tal profano,

A mim tão árduo, para ti tão plano.


Já do etéreo vestíbulo te acena Almo esquadrão radioso:

Já na celeste região serena

Génios sem mancha em hino harmonioso Te nomeiam... Lá brada

De ilesas virgens multidão sagrada.


Não ouves, 6 Marília, as vozes delas? Repara como of’recem

Do teu pudico amor às prendas belas A glória sem limites, que merecem...

Não me engano, em vós chove O fragrante licor, que liba Jove.

Vós sois... Porém não mais, oh Musa inerte! Basta, cesse o teu canto;

As vozes de prazer em ais converte,

Nadem teus olhos outra vez em pranto; Que as almas compassivas

Atendem mais às lágrimas que aos vivas.
Com suspiros, 6 triste, implora, implora De Marília a piedade;

Ela é justa, ela sente, ela deplora Os erros da infeliz humanidade;

Contra o fado inimigo

Na sua compaixão procura abrigo.


Roga, roga-lhe enfim, que te destrua As ânsias, os temores;

Que à pátria, ao próprio lar te restitua:

Ah já te diz que sim: - não mais clamores; Musa, Musa descansa,

Cantemos o triunfo, oh Esperança!


Olha como a tirana, a má Desgraça As cobras arrepela,

E as sanguinosas vestes despedaça!...

Zombemos, coração, zombemos dela:

Monstro, já não me espantas,

Lá cai, lá treme de Marília às plantas.



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