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Centro espírita nosso lar grupo de estudo das obras de andré luiz e manoel philomeno de miranda


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(Fonte: capítulos VIII e IX.)
1. Neves se surpreende com o caso de Marita - Reconhe­cendo que Marita chorava, em prostração, visivelmente distanciada do exame que lhe fora permitido desenvolver, André concluiu a pesquisa. Neves es­tava perplexo com o rumo dos acontecimentos, visto que Gilberto era seu neto. "Há dias -- disse ele --, tento confortar minha pobre Bea­triz, só isso. Não fazia a menor idéia das perturbações que a ro­deiam... Ah! meu amigo, como pai, estaria agora mais consolado se a visse agonizando numa casa de loucos!..." Marita, segundo o parecer de André Luiz, fora sincera. Expusera o que sabia. Ela era apenas um pe­daço da verdade que os dois procuravam. Para descobrir a verdade toda, era inevitável consultar as demais pessoas envolvidas na trama. Neves olhou, compadecido, para a jovem em pranto e salientou: "Veja esta me­nina. Correta, fiel... Submeteu-se, confiante. Que culpa no vaso de porcelana, violentamente destampado por um animal? E esse animal é um garoto que eu amo tanto!... Ela poderia ser a esposa que idealiza, mãe digna, dona de casa para um homem de bem... No entanto, lá se vai Gil­berto, embeiçado por uma pinóia. Marina e Marita... Incrível hajam crescido sob o mesmo teto!" André rogou ao companheiro asserenar-se. Eles se achavam ali para emendar, proteger, realizar o melhor. Certo, o bem suscetível de ser plantado naquele grupo redundaria em socorro a Beatriz. Que colocassem nela o pensamento. A irritação lhe avinagraria o ânimo e ele, Neves, de sentimento azedado, lançaria sobre a filha ingredientes fluídicos de índole negativa, arruinando-lhe as forças. Paciência e atividade fraterna servir-lhes-iam de apoio. Além do mais, não se sabia até quando perdurariam os sofrimentos físicos de Beatriz. Era perfeitamente possível fosse prolongado seu prazo de permanência na Crosta. (Cap. VIII, pp. 78 e 79)
2. Nosso principal adversário somos nós mesmos - André Luiz lem­brou ao amigo que a exasperação ou o desânimo, da parte deles, marca­riam o término de suas possibilidades de cooperação. Os supervisores que os dirigiam, embora compassivos e prestimosos, os removeriam da cabeceira da doente, sem a menor dificuldade, agindo assim em proveito dela mesma, impedindo os prejuízos que lhe adviriam de sua carga de vibrações desconcertantes. Era preciso, pois, manter a serenidade. Ne­ves recebeu a advertência com paciência e rogou compreensão. Tendo-se retirado do convívio familiar por longo tempo, topava então, a cada instante, com o homem que fora: comodista, agarrado às raízes consan­güíneas, absorvido no bem-estar dos que reputava como sendo flores no tronco do coração. Sabia-se em prova árdua, mas, ao jeito de qualquer homem da Terra, encerrando consigo méritos e falhas, declarou-se dis­posto a dominar-se, pedindo a André o auxiliasse de modo a manter-se calado, na presença dos instrutores. A submissão de Neves dava para comover. André fê-lo sossegar-se. Não era preciso vexar-se daquela ma­neira. Ele também conhecia de sobra os lances da batalha interior, em que o adversário somos sempre nós mesmos, na arena das qualidades in­feriores que é preciso sublimar. Como Marita continuava a chorar, An­dré dispôs-se a intervir. Foi quando sucedeu algo inesperado. Cláudio (o pai adotivo da jovem) bateu, de leve, à porta, decerto incomodado pelo som lastimoso daqueles gemidos que a jovem procurava, em vão, re­primir. André e Neves respiraram confortados. Indubitavelmente, o in­quieto coração paternal vinha ao encontro da filha, ansiando soerguer-lhe as energias, e André mesmo, através de estímulos magnéticos, in­sistiu para que ela atendesse. Marita anuiu aos apelos dos amigos in­visíveis e cambaleou, abrindo a porta. Cláudio entrou, mas não vinha só, pois um dos dois companheiros desencarnados, que lhe altera­vam a personalidade, enrodilhava-se-lhe ao corpo. (Cap. VIII, pp. 80 a 82)
3. Um caso de possessão partilhada - André Luiz nos diz que o verbo enrodilhar-se pareceu-lhe, na linguagem humana, o mais adequado à definição daquela ocorrência de "possessão partilhada", embora não exprimisse, com exatidão, todo o processo de enrolamento fluídico em que se imantavam Cláudio e a Entidade. A expressão "possessão parti­lhada" ele a utilizou porque, efetivamente, ali, um aspirava ardente­mente aos objetivos desonestos do outro, completando-se, euforica­mente, na divisão da responsabilidade em quotas iguais. Qual aconte­cera no instante em que bebiam juntos, forneciam a impressão de dois seres num corpo só. Em determinados momentos, o obsessor afastava-se de Cláudio, a distância de centímetros, mas continuava sempre a en­laçá-lo, copiando gestos de um felino. Encarnado e desencarnado acha­vam-se, entretanto, irrestritamente conjugados em vinculação recí­proca. Cláudio tinha no semblante uma expressão diferente. Deixando-se prazerosamente senhorear, seu olhar adquirira a turvação caracterís­tica dos alucinados. Ele se transfigurara. Estranho sorriso franzia-lhe a boca. Neves e André estavam espantados. Cláudio e o vampiriza­dor, singularmente brutalizados pelo desejo infeliz, constituíam jun­tos uma fera astuciosa, calculando o caminho mais fácil de alcançar a presa. Um clarividente encarnado que fitasse o dono da casa, naquela hora, vê-lo-ia noutra máscara fisionômica. A incorporação medianímica, espontânea e consciente, positivava-se em plenitude selvagem. As for­mas-pensamentos da dupla davam conta de suas intenções libertinas, com estruturas, cores, ruídos e movimentos correlatos, e era possível tam­bém a André escutar as vozes de ambos, em diálogo claramente perceptí­vel. As palavras escapavam do crânio de Cláudio, aparentemente silen­cioso aos olhos de Marita, qual se a cabeça dele estivesse transfigu­rada numa caixa acústica de aparelho radiofônico. Magnetizador e mag­netizado denotavam sensualidade do mesmo nível. Recordando a corrida à garrafa de uísque, momentos antes, André notou que a diferença, ali, era que Cláudio encontrava recursos a fim de parlamentar, dentro da hipnose, que ele, aliás, acarinhava. (Cap. VIII, pp. 82 e 83)
4. O processo de sedução pelo obsessor - O obsessor discorria, comovendo-o, no intuito patente de arruinar-lhe os restos do escrú­pulo: "Agora, agora sim!... O amor, Cláudio, é isto... Esperar, por vezes, anos a fio, para dominar a felicidade num simples minuto. Exis­tem mulheres aos milhões; entretanto, esta é a única. A única que nos poderá, enfim, aplacar a sede". O vampirizador continuou a falar numa linguagem de nível muito baixo, e depois conclamou: "Vamos! Marita é nossa, nossa!... Somos homens sequiosos, sofredores..." As frases que se seguiram procuravam mostrar a Cláudio a carência afetiva em que este vivia. "De que valiam -- disse-lhe o obsessor -- vencimentos far­tos e experiências de lupanar, quando o amor verdadeiro grita insa­tisfeito na carne? Você vive no lar, à moda de cão na sarjeta. Escoi­ceado, ferido... Marita é a compensação." Cláudio vacilou um momento e respondeu-lhe: "Criei-a, no entanto, como sendo minha própria filha..." O sedutor desencarnado voltou à carga, ironizando: "Filha? Mero arti­fício social. Apenas mulher. E quem assegurará que ela também não es­pera por seu beijo com a sede da corça, presa ao pé da fonte?" Divi­dido mentalmente em duas personalidades distintas, a de pai e a de enamorado, Cláudio argumentou, desencorajando-se, pois sabia que Ma­rita elegera Gilberto, o rapaz a quem namorava. Era impossível que o amasse, a ele, Cláudio, em segredo. Não alentava dúvidas. Ciumento, acompanhara-os, discretamente, em alguns passeios e notara-lhes os gestos equívocos, a ponto até de entender que o estouvado namorado deveria assumir com ela compromisso. (Cap. VIII, pp. 83 a 85)
5. Cláudio desejava a filha adotiva - Como era dado também à vida noturna, Cláudio passou a esbarrar com Marina, sua filha, em recantos de prazer, não apenas na companhia de Nemésio, seu chefe, mas igual­mente com Gilberto, o filho. Os desregramentos de Marina haviam-se tornado para ele em calamidades inevitáveis. A princípio, atormentara-se. Ocorre que em seu lar já não havia nenhuma ligação afetiva mais séria. Seu casamento desmoronara havia muito tempo. Após as rixas e discussões iniciais, a indiferença e o cansaço um do outro fizeram com que ele e Márcia, sua esposa, trilhassem caminhos diferentes e Marina seguiu os exemplos da mãe. Em casa, habitualmente reuniam-se à mesa a esposa, Marina e ele, à feição de três animais inteligentes, dissimu­lando o desprezo recíproco, através da convenção ou do chiste. Marita, no conceito dele, definia-se à parte. Flor no ramo espinhoso daqueles antagonismos flagelantes, ele a encaminhou na direção do serviço, fa­zendo com que a jovem tomasse suas refeições em Copacabana, para que as picuinhas do círculo doméstico, no Flamengo, não lhe torturassem o espírito. Espiava-lhe os passos, ouvia-lhe os chefes. Amando-a com en­tranhado carinho mesclado de egoísmo tirânico, feriam-lhe as humi­lhações que a esposa e a filha não regateavam a ela, no trato mais ín­timo. Cláudio queria-a para ele, com a ternura de um pombo e a bruta­lidade de um lobo. Marita acabou por utilizar a liberdade mais ampla que a situação lhe conferia, aproximando-se ainda mais de Gilberto. Envolto nesses pensamentos, que lhe derivavam, rápidos, do ligeiro auto-exame, sob o controle do vampirizador, Cláudio recordou-se de que houvera entendido, dias antes, que Gilberto não hesitava embair as duas moças e, após muito refletir, resolvera silenciar. No íntimo, de­sejava que Marita fosse machucada pelas circunstâncias, de modo que, ao voltar-se para ele, fatigada e desiludida, lhe seria fácil con­vertê-la na amante a que aspirava. (Cap. VIII, pp. 86 e 87)
6. O sedutor remata a sua obra - Engodado pelo vampirizador invi­sível, Cláudio enfileirou as reflexões apressadas que lhe vinham à mente e, assoprado agora por ele, deixava-se iludir por imaginosa ex­pectativa, formulando a si mesmo outra espécie de inquirições. Andaria ele enganado? Marita entregar-se-ia a Gilberto, pensando nele, Cláu­dio, de quem se afastava tão-somente por escrúpulos de consciência? Ela, nas últimas semanas, fizera-se mais esquiva. Por quê? Terá sido por lhe recolher telepaticamente as impressões, ou porque pretendia ocultar-lhe a simpatia amorosa que lhe impelia o coração a desejá-lo? Cláudio mesmo fornecia ao vampirizador a argumentação que lhe arrui­nava a resistência. Até ali, julgava ele, trancara diante da jovem os sentimentos que lhe transbordavam do peito. Não chegara, porém, aos limites do enigma? O hipnotizador, em cujo semblante se podia ler a desmesurada sede de volúpia, sorriu satisfeito e sussurrou mental­mente: "Cláudio, compreenda. Iniciativa, em assunto de amor, não é passo feminino. Velho rifão: `laranja à beira de estrada não tem preço'. Disse um filósofo: `prazer sem conquista é bife sem sal'. Adiante, adiante!" Esquadrinhando o imo do companheiro, à caça de re­cursos com que o próprio Cláudio lhe pudesse fortificar a posse magné­tica, o obsessor cravou nele, por segundos, o olhar penetrante e come­çou a martelar: "Cigarro! Lembre-se do cigarro e da boca! Marita é mulher igual às outras... Cigarro, cigarro na vitrina... Cigarro, ci­garreira, piteira e charuto não escolhem comprador... A carne é flor desabrochada na terra do espírito, só isso. O cultivador não sabe o que seja a formação essencial do canteiro, tanto quanto desconhece o que está no fundo da planta. Proclamava Salomão que `tudo é vaidade'; acrescentamos que tudo é ignorância. Entretanto, na superfície das si­tuações e das coisas, é possível enxergar claramente. Flor que ninguém colhe é perfume que se perde. Hora de amor desaproveitada vem a ser pétala no estrume. Rosa murcha, adorno para o chão. Carne sem viço, adubo para a erva. Aproveite, aproveite..." André percebeu que o de­sencarnado demonstrava técnicas de exploradores consumados das paixões humanas. Não se tratava apenas de um dipsomaníaco, ou um vagabundo acidental. O anseio incontido com que impelia Cláudio para a jovem e a expressão com que a fitava, apaixonadamente, pareciam chegar de muito longe. O excêntrico dueto prosseguia... O magnetizador pressionava, o magnetizado resistia... Por fim, Cláudio avançou dois passos, quase vencido. A natureza animal ampliara o domínio. O sedutor desencarnado rematava a obra. (Cap. VIII, pp. 87 a 89)
7. Marita pressente o perigo - "Sim -- deduzia Cláudio, transtor­nado --, ele era homem, homem... Marita, incontestavelmente mais jo­vem, não passava de mulher. Não lhe cabia, portanto, diminuir-se. Ela chorava, ele podia acalentá-la, aquecer-lhe o coração." Alucinado de lascívia, envolveu-a em longo olhar, inferindo que, não fosse o temor de vê-la fugir, tomar-lhe-ia o colo entre os braços, qual guri deste­meroso... Cláudio sujeitava-se então, totalmente, à direção do vampi­rizador que o comandava. Colaram-se, fundiram-se, enfim. Jungido ao desencarnado infeliz, adiantou-se até à moça e, assumindo ares de pro­tetor, sussurrou, adocicando a voz: "Pelo que vejo, esse pilantra do Gilberto vem abusando..." Ato contínuo, tomou-lhe a destra, mal dis­farçando a lubricidade duplicada que o possuía. Marita registrou o im­pacto das forças aviltadas a lhe requisitarem adesão. Escutara a ob­servação do pai adotivo, num misto de estranheza e revolta, mas, con­trolando-se, passou a responder, esforçando-se por desculpar o rapaz e atribuindo a si mesma o desmantelo emotivo; entretanto, à medida que Cláudio dilatava a liberdade das atitudes, apagava-se-lhe a energia para a conversação, até que silenciou de vez. Num átimo, realinhou na mente as impressões amargas dos últimos tempos. Assinalara, havia me­ses, a reservada mudança do trato paterno, mas se opusera à suspeita. Ali, no entanto, inexplicável sensação advertia seu espírito, segre­dando-lhe vigilância. Pressentindo, em espírito, a presença do "outro", sem querer, arregimentou todas as suas forças na posição de alarma, porquanto o contacto de Cláudio comunicava-lhe insegurança. Percebendo que o pai ensaiava meios de enlaçá-la, ávido de carinho, cobrou ânimo e explicou-lhe ingenuamente que amava a Gilberto e lhe hipotecava confiança, e por isso o pai estivesse tranqüilo... (Cap. VIII, pp. 90 e 91)
8. Cláudio confessa por ela o seu amor - Marita entendeu que se­ria oportuno desvelar ao pai toda a sua alma, anulando assim quaisquer mal-entendidos, e prosseguiu dizendo da expectativa com que aguardava o anel esponsalício, determinada a medir as reações de Cláudio, a fim de orientar, sem tergiversações, a própria conduta. O pai mostrava, contudo, na própria face, indignação e ira, e sua explosão não se fez demorar. Irritado e cerrando os punhos, exclamou: "Percebo, percebo, mas não precisa maçar-me... Estimo, porém, que você me conheça melhor o devotamento". Avançando na intimidade, continuou, agindo por si e pelo "outro": "Filha, é necessário que você me ouça, que me entenda... Você não desconhece o que sofro. Imagine a tragédia de um homem que morre, a pouco e pouco, desolado, sozinho... de um homem que dá tudo, sem nada receber... Você cresceu, vendo isso... Infelicidade, solidão. E' impossível que não se condoa. Esta casa é meu deserto. Chego esfal­fado, diariamente, sem achar mão amiga. Márcia, embora quarentona, vive de jogatinas e festas... Você está moça, inexperiente, mas deve saber. Desculpe-me o desabafo, mas os próprios amigos me lastimam o drama..." Cláudio alterara-se de todo, comovido na aparência, e a jo­vem parecia sinceramente compadecer-se com o que ouvia. Imaginando ter atingido o alvo, ele acrescentou, exaltado: "Só você, somente você me prende ao lar infeliz. Ainda agora, o Banco me propôs excelente comis­são em Mato Grosso; entretanto, pensei em você e desisti... Por você, filha, tolero os insultos de Márcia, as ingratidões de Marina, os dis­sabores da profissão, os aborrecimentos cotidianos. Conseguirá você compreender-me?" A moça suspirou e disse entender as dificuldades a que ele se reportava, e Cláudio, ganhando energias novas para chegar à meta, disse a frase que objetivara desde o início da conversação: "Anseio pelo instante em que você me veja não exclusivamente por pai...", aditando: "Marita, pareço um velho, mas você me faz jovem... O coração é seu, seu..." (Cap. VIII, pp. 92 a 94)
9. "Um demônio mora dentro de mim" - Percebendo a intenção ine­quívoca de Cláudio, que arrojava o rosto sobre o dela, Marita gemeu, suplicante: "Não, não!" O pai, copiando o procedimento de um jovem mal comportado, enlaçava-lhe o busto, mas André e Neves saltaram na dire­ção dela, ofertando-lhe as mãos, para que pudesse arrancar-se dali. Acreditando então apoiar-se nos próprios recursos, a moça conseguiu levantar-se num prodígio de ligeireza, estacando à frente de Cláudio, que a fitava com a expressão desconfiada de um animal repentinamente ferido. "Papai, não me faça mais infeliz...", disse-lhe a filha. "Poupe-me a humilhação!..." Ao impacto da recusa imprevista, o dono da casa pareceu desligar-se do obsessor, mas este trazia uma carga de paixão vigorosa demais para desistir facilmente e retomou o próprio domínio, a ponto de antepor a máscara fisionômica ao semblante de Cláudio. Cerrava os punhos, despedia cólera letal e estabelecia, as­sim, pavoroso conflito na mente de ambos. Num deles, o desapontamento e o desespero; no outro, a malignidade e a agressão. Incapaz de com­preender os sentimentos contraditórios que o dominavam, o pai passou a clamar, inconsiderado: "Isto é a explosão de muitos sofrimentos acumu­lados. Fiz tudo para esquecer e não pude... Que fazer com esta incli­nação que me arrasta? Sou palha no vento, minha filha! Desde que a vi menina, carrego esta idéia fixa... Se eu fosse religioso, diria que um demônio mora dentro de mim. Um demônio que me atira constantemente sobre você". E explicou que lera muitos livros de Ciência para poder entender o que ocorria, mas o enigma continuava: "E' só você que eu vejo em tudo! Odeio Márcia, desprezo Marina... Tenho acalentado a es­perança de uma viuvez que nunca chega, a fim de oferecer-me a você, sem condições... Tenho ciúmes, ciúmes que me afogam a alma em labare­das... Detesto esse rapaz leviano, inconsciente..." Nesse ponto a voz de Cláudio adquirira tom lacrimoso e era evidente seu abalo sentimen­tal. O obsessor duplicou então em desprezo tudo o que ele exprimia em emotividade, provocando inesperada reviravolta. No lugar do pai enter­necido, surgiu o enamorado violento, a esbravejar, dementado: "Não, não posso humilhar-me assim. Você sabe que não sou nenhum tonto. Há quinze dias, acompanhei vocês dois a Paquetá, sem que me vissem... Se­gui-lhes o passo descuidado e feliz, como se eu fosse um cão escoice­ado pelo destino... Ao cair da noite, vi quando vocês dois se enlaça­ram, trocando promessas e falando bobagens, na Ribeira... Arrastei-me no matagal e vi tudo... Desde então, enlouqueci... Pelo jeito, vocês andam acanalhados, há muito tempo... Você! você, que eu supunha intan­gível, entregue a um menino doido!... Ingênua! Julga que não tenho mo­tivos paa expulsá-la! Você imagina que me falta coragem para chamar às contas esse `filho de papai rico'"? (Cap. VIII, pp. 94 a 96)
10. De repente, o socorro aparece - Alterando o tratamento pater­nal que lhe dedicara anteriormente, Cláudio rugiu, brutalizado: "Marita, fique sabendo que você agora não é mais criança! Você é ape­nas mulher, não passa de mulher, mulher..." A jovem chorava e não ou­sava erguer a fronte. Neves, que a tudo assistia, estava revoltado. André, temendo-lhe a impulsividade, fê-lo recordar as atitudes ponde­rosas e cristãs do irmão Félix, informando-o, discretamente, de que se achava em oração, a exorar o auxílio da esfera superior, visto que eles não dispunham ali de maiores recursos para impedir um assalto passional de penosas conseqüências. Neves ironizou a atitude de André, alegando que para casos como aquele os anjos nada podiam, só a polí­cia... De súbito, porém, o socorro apareceu. Ouviu-se barulho de fer­rolho em ação e alguém penetrou a casa, ruidosamente. Cláudio, em so­bressalto, desligou-se do obsessor, que se lhe postou de lado, um tanto desenxabido. Marita, recobrando energias, voltou ao leito, en­quanto o chefe do lar se recompunha à pressa, libertando a porta que havia prendido anteriormente e abrindo janela próxima. "Que é que há?", indagou dona Márcia, a esposa de Cláudio, que voltara, de impre­visto. Cláudio deu uma desculpa qualquer, alegando ter surpreendido Marita a gritar, inconsciente, sonâmbula... Sonâmbula como sempre... Tudo estava, porém, em ordem. A jovem, mergulhada na penumbra, cobriu o rosto para ocultar as lágrimas, enquanto dona Márcia sorriu, sem suspeitar, nem de leve, dos fatos que aconteceram naquela noite em sua casa. (Cap. VIII, pp. 96 a 98)
11. Dois inimigos no próprio lar - Reunidos na sala de visita, Cláudio e Márcia entreolharam-se de estranha maneira. Eram adversários declara­dos, em tréguas cordiais. Márcia era espécime comum das damas que lu­tam, garbosas, contra as arremetidas do tempo. Os cabelos, gra­ças ao uso de produtos medicinais, mantinham-se escuros e brilhantes e nin­guém lhe atribuiria os quarenta janeiros já vividos. Delgada, na ma­greza característica dos que usam moderadores de apetite, apresen­tava-se em figurino da alta. Era tal e qual a filha Marina, conquanto muito mais asserenada e amadurecida. Longe de aparentarem a verdadeira con­dição de mãe e filha, podiam ser interpretadas à conta de irmãs, sa­lientando-se que dona Márcia se revelava mais simpática, pela bran­dura estudada dos gestos. Seu sorriso era espontâneo e mostrava o en­genhoso artifício dos que se distanciam deliberadamente dos problemas alheios para que não lhes constituam empeço ao avanço. Os olhos traíam-lhe, contudo, a alma sibilina. Fisgados no esposo, pareciam in­teressados em arrancar-lhe as mínimas reações, em proveito próprio. Ela não desejava conhecer qualquer vestígio da conduta dele, anelava encobrir-se. Se­rena, dava a impressão de um viajante hábil, preocupado em ilaquear o guarda-barreira, para seguir adiante, sem ter de deixar as aquisições clandestinas. Ele, por sua vez, assemelhava-se ao guarda-barreira, ca­lejado no suborno, mais aplicado em resguardar-se que em denunciar viajores, tão matreiros quanto ele próprio. Naquele momento, sobre­tudo, em que quase fora pego em flagrante, esmerava-se em mesuras. Seu objetivo era evidente: eliminar na esposa qualquer dú­vida ocorrente, à custa de uma tolerância que não mais praticava. Em ambos flutuava, po­rém, a desconfiança recíproca. Cada frase vinha pré-fabricada na gar­ganta, dissimulando o pensamento. (Cap. IX, pp. 99 e 100)
12. Um estranho constrangimento - Adocicando a voz, a mulher co­mentou os aborrecimentos no bufê do baile beneficente em que havia trabalhado. O local estivera repleto. Alguns jovens embriagados, for­jando obstáculos. Garotos furtando. E tudo isso a estafara. Descon­fiando que o marido, embora se mostrasse quase afetuoso, não se incli­naria a longa conversação, quis reter o momento raro, tornando-se mais terna. Afável, estendeu-lhe prateada carteira, mas Cláudio agradeceu, pois não queria fumar. Após acender um cigarro e relaxar-se na pol­trona, Márcia comentou: "Imagine você que, embora o sarau esteja longe de terminar, larguei tudo. O leilão de prendas esperava por mim, quando senti um constrangimento esquisito. Tive medo. Passei minhas obrigações para Dona Margarida e voltei. Atormentava-me, supondo hou­vesse algo atrapalhado em casa, alguma ligação elétrica esquecida, a presença de algum malfeitor. Vejo, porém, que você talvez tenha tido o mesmo palpite e chegou antes, retificando o fogão... Felizmente, tudo passou... Mesmo assim, reconheço que o meu regresso foi providencial, pois, desde muitos dias, venho espreitando um momentinho em que você esteja calmo e bem-humorado, como agora, para tratarmos, juntos, de assunto sério... Coisa que nos toca de perto, que não posso decidir sem você..." André e Neves notaram o regime de choques e contra choques em que aquelas duas almas adversas respiravam, aprisionadas social­mente uma à outra, por exigências de provação. Inferindo que a esposa se aproveitaria de sua benevolência para chamá-lo a questões de res­ponsabilidade, Cláudio despiu a máscara afetiva com que a brindara e, taciturno, colocou-se em guarda. Buscando disfarçar o azedume, afir­mou-se fatigado e, alegando esgotamento, pediu à esposa resumisse, quanto possível, o que tinha a dizer-lhe. Márcia fingiu não ver o olhar irônico que ele lhe endereçava e começou referindo-se ao cansaço de que se sentia possuída. Reportou-se então a alguns problemas de saúde que a estavam impedindo de dormir e a outras questões de ordem doméstica, para, no final, informar que se encontrava onerada e tinha necessidade de quinze mil cruzeiros. Cláudio fitou-a, sarcástico, e indagou: "E' só?" A pergunta, carregada de zombaria, pairou no ar da mesma forma que uma chicotada cortante. Márcia emudeceu, ao impacto da desconsideração inesperada. O marido não dispensara a mínima atenção aos padecimentos orgânicos de que ela se queixara e desconhecia-lhe, de propósito, os achaques. Enquanto relacionava os seus problemas, ela assustara-se ao ver-lhe a dura expressão dos olhos frios, numa atitude gelada de profundo desdém, que bem conhecia. (Cap. IX, pp. 101 a 103)
13. Um diálogo azedo - Márcia teve a impressão, enquanto falava de seus problemas de saúde, de que Cláudio lhe perguntava, mental­mente: "por que não acaba você de morrer?" Em outras ocasiões, ele chegara a enunciar semelhante inquirição, com palavras claramente pro­nunciadas e repetidas. "Por que tanto ódio?", indagava a si mesma. Como se fizera o silêncio, Cláudio fez menção de retirar-se, mas a es­posa frustrou-lhe o impulso, exclamando, irritadiça: "Não saia. E' preciso que você fique. Esta casa não é minha só. Acaso, não está vendo? Marina e Marita... Criam-se os filhos com desvelo, com ca­rinho... Em crianças, são anjos; crescidos, são pesadelos. Tenho so­frido calada, mas agora... Isso não pode continuar sem que você se mexa. Entre uma e outra, não é possível a indiferença. Acolhi essa me­nina estranha em meus braços como se fosse minha própria filha. Supor­tei afrontas, esqueci minha saúde, meu tempo... Não me poupei, fiz o que pude... Nada lhe faltou, entretanto, hoje..." Cláudio, admirado com o que ouvia, indagou: "Hoje, o quê?" E Márcia prosseguiu: "Pois você não percebe a humilhação a que Marina se expõe? Você não enxerga as dificuldades de nossa filha?" O marido riu-se, zombando: "Márcia, deixe de cenas... Você fala em Marina, como se a nossa desmiolada es­tivesse na forca. Não entendo. Vejo-a feliz e desorientada, como nunca. Se me detiver em qualquer problema dela, será para admoestá-la, reprimi-la. Não fosse você com o desregramento de suas concessões e com os seus maus exemplos, haveria de corrigi-la, ainda que obrigado a interná-la no hospício..." Em seguida, contou que, dois dias antes, viu Marina, num clube noturno, nos braços de um cavalheiro maduro e bem-posto, que a beijava. "Oh! a pobrezinha!...", objetou dona Márcia, faces em fogo, tremendamente revoltada. Naquele instante, os dois ti­ravam os últimos disfarces, postando-se, em espírito, um à frente do outro, com rudeza indissimulável, como dois inimigos soberanos. O diá­logo azedo continuou. "Pobrezinha, por quê?", perguntou Cláudio. A es­posa mediu-o, de alto a baixo, com um olhar de zombaria, e passou a acusá-lo: "Não quero discutir agora a sua presença de homem velho e casado, numa casa de tolerância, pois não acredito nessa história de homenagens a chefes, em horas avançadas da noite. Você foi sempre imo­ral, indigno, mentiroso, mas, por amor à família, esqueço tudo isso, para que você conheça toda a situação..." (Cap. IX, pp. 103 a 105)
14. O envolvimento de Marina - Abrandando sua voz, para poder sensibilizar o marido, Márcia lhe disse: "Cláudio, atenda, Marina, obediente, nunca me ocultou a verdade. Não proceda com malícia; desde a piora da esposa do senhor Nemésio, vem repartindo, carinhosamente, o tempo, entre as obrigações do emprego e o lar do chefe, onde a infeliz senhora vem morrendo, pouco a pouco... Impossível que você não lhe ad­mire a abnegação, porque, de modo algum, precisaria interessar-se pela vida íntima da família Torres, a ponto de velar junto deles, por vá­rias noites consecutivas, por simples espírito de sacrifício... Não sei se você chega a vê-la, quando volta de manhã, mostrando fundas olheiras e faces pisadas". Na mente de Cláudio operara-se complicada reviravolta. Ao ouvir as palavras injuriosas da mulher, sentira ímpe­tos de esbofeteá-la; todavia, conteve-se. Além disso, sabia que Marita escutava, e desejava conquistá-la a qualquer preço, sobretudo depois de haver-se declarado. O amigo desencarnado, por sua vez, insuflava-lhe idéias com o mesmo objetivo. Manejaria Márcia para alcançar Marita e, diante disso, suavizou a expressão, como quem se resignasse aos di­tames da paciência. Márcia continuou a falar, informando que Nemésio Torres se encontrava desarvorado diante da tragédia que a fortuna dele não podia conjurar. "Nossa menina compadeceu-se", disse ela. "Tanto amparou a doente que acabou descobrindo os sofrimentos do homem que se aproxima, conscientemente, da viuvez... E' por isso que vem buscando revigorá-lo, como pode..." Cláudio replicou, observando que não é afo­gando-se em bebidas e prazeres noturnos que Marina ajudaria Nemésio e a esposa doente. E aditou: "Não os vi rezando pela tranqüilidade da enferma..." Márcia objetou-lhe: "Deixe de ironias. Você, com toda a certeza, numa situação igual, não se consolaria com lágrimas, procura­ria distrações. Não há inconveniente algum em que o senhor Torres, numa hora dessas, se dirija para um ambiente alegre, a fim de ganhar forças, e não vejo maldade em que trate Marina por filha dele próprio, afagando-a por boneca mimada que sempre foi". (Cap. IX, pp. 105 a 107)
15. O ciúme amargura Cláudio - Diante da versão apresentada por dona Márcia relativamente à conduta da filha, Cláudio retomou a ga­lhofa, o que desapontou a esposa, que julgava que Marina vinha agindo corretamente. A conversa, porém, continuou. "Você não ignora -- disse Márcia -- que Marita se enamorou, há meses, de Gilberto, o filho dos Torres. Vendo, de minha parte, os dois, em ligação constante, acredi­tei piamente que o jovem nutrisse por ela uma inclinação segura." Mis­turando reserva e malícia, Márcia passou a historiar, então, as entre­vistas, os passeios, os telefonemas e os bilhetes, sem deixar de men­cionar o encontro que os namorados haviam mantido, dias atrás, em plena floresta da Tijuca, fatos que Cláudio também conhecia e que o feriam fundo, espicaçado que estava pelo ciúme. Esfregando os dedos contra as palmas das mãos, num gesto característico, levantou-se, deu alguns passos na sala e resmungou: "Ingratidão!" Márcia ficou feliz com a cena, porquanto seu desejo era estabelecer um clima favorável a Marina, em detrimento de Marita, mas não imaginava que a reação do es­poso se dava por outros motivos. André Luiz verificou, contudo, as te­las mentais de Cláudio e viu o quanto lhe doíam o desprezo e o ciúme. "Comove-me a sua reação contra Marita!...", disse-lhe a esposa. "Sua atitude respeitável de pai me encoraja e me alegra. Graças a Deus, sinto em você o chefe da casa e da família." Cláudio a ouvia, atento. "E' necessário que você saiba -- prosseguiu ela -- que Gilberto não quer coisa nenhuma com Marita, que vive a derreter-se sem razão. O ra­paz é apaixonado por Marina e tudo indica possibilidades de um casa­mento vantajoso, que não podemos jogar fora." (Cap. IX, pp. 107 a 109)
16. Cláudio adere à farsa - Cláudio aproveitou a oportunidade para destacar em voz alta os novos aspectos do problema, na certeza de que Marita o escutava. Deplorou, assim, a conduta de Gilberto, que abusara da ingenuidade de Marita e traíra-lhe a confiança. Relacionando pobres moças, enganadas como a filha adotiva, explicou que Marita era suscetível de uma psicose de duras conseqüências. "Se Gilberto -- clamou em alta voz -- estava propenso a desposar Marina, que se manifestasse. Não oporia embargos, no entanto exigia franqueza." Márcia aproveitou o ensejo e arrolou as confidências da filha. O rapaz se confessara. Admirava não só os encantos pessoais de Marina, como a sua competência no trabalho. O amor entre ambos era claro como água e fazia-se, pois, indispensável apoiarem a filha, na concretização de suas esperanças. A cultura de Gilberto não se compadecia das deficiências de Marita, que se arranjaria depois com alguém de seu nível. Cláudio, evidentemente, não acreditou em tópico nenhum do que ouvira. Ele se desiludira, havia muito tempo, com a filha e notava agora que Marina andava sem escrúpulos entre o velho e o moço. Tentando, porém, atrair a confiança de Marita, resolveu partilhar a farsa, afiançando confiar na jovem que amavam por filha. O objetivo claro era, para ele, afastar Gilberto da filha adotiva, que, ouvindo de seu aposento toda a conversa, deixava extravasar sua mágoa em vibrações de intensa dor. (Cap. IX, pp. 109 a 111)

4a R E U N I Ã O
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