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Centro espírita nosso lar grupo de estudo das obras de andré luiz e manoel philomeno de miranda


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(FONTE: 2a PARTE, CAPÍTULOS V a VIII.)
1. No velório de Beatriz - Reduzida assembléia comparecera ao ve­lório de Beatriz, e Nemésio e Gilberto não entremostravam grande pesar nas fisionomias cansadas e impassíveis. A moléstia prolongada estra­gara-lhes a resistência para a representação de peças sociais, mesmo singelas, e por isso referiam-se à falecida, como alguém que há muito deveria ter partido. Enquanto isso, Beatriz (Espírito), ainda incons­ciente, se asilava nos braços de irmãs afetuosas, sob o olhar comovido de Neves e de outros familiares em carinhoso desvelo. Félix assumiu o comando do atendimento. Beatriz seria conduzida a uma organização so­corrista do plano espiritual, no próprio Rio, até que restaurasse as forças, de modo a seguir viagem. Marina, porém, chorava, tocada de dor sincera e inexprimível, parecendo, naquela assembléia, a única pessoa ligada por laços de amor à piedosa dama que ora deixava o plano fí­sico. Ao fitar o corpo hirto de Beatriz, caiu de joelhos, em lágrimas copiosas, como se quisesse traçar uma longa confissão. O desafogo lhe fez bem, mas, fatigada de insônia e desgastada pela ação dos obsesso­res que lhe exauriam as forças, a jovem sentia medo. Contemplando o cadáver, refletia, através das lágrimas, nos segredos da morte e nos problemas da vida... Se a alma sobrevivia ao corpo -- pensava, in­quieta --, decerto que dona Beatriz a veria agora sem o mínimo subter­fúgio, certificando-se de que ela fora, ali, não a enfermeira espontâ­nea, mas a mulher que lhe dominava o esposo e o filho. Atemorizada, rogava-lhe, assim, entendimento, perdão. Que diria aquela boca silen­ciosa, se pudesse falar, depois de auscultar a verdade?! (2a parte, cap. V, pp. 217 e 218)
2. Marina sente remorsos - Nemésio e Gilberto, comovidos com o choro de Marina, fitavam-na enternecidos, exprimindo reconhecimento nos olhos, cada qual desejando nela a companheira ideal para casamento próximo, sem a menor suspeita quanto às convicções um do outro. A falta de Beatriz no ambiente caseiro produziu, logo, viva mudança na casa, visto que o afastamento dos amigos espirituais que a acompanha­vam deixara a vivenda qual praça desarmada de quaisquer recursos que lhe garantissem a ordem. Transcorrido algum tempo, vagabundos desen­carnados nela tiveram acesso livre e o nível dos pensamentos descambou para a conversação libertina. Nem mesmo a dignidade que a morte infun­dia ao recinto foi acatada. Relatos jocosos irromperam, suplementados pela chacota dos próprios anedotistas. A bebida, inspirada pelos beber­rões desencarnados, foi servida com fartura. Prevendo a levian­dade, irmão Félix recomendou se aplicasse à falecida recursos aneste­siantes, para que se lhe mantivesse o isolamento do licencioso festim. Os derradeiros afeiçoados de Beatriz, no plano espiritual, se retira­ram, discretos, e até André e Félix deixaram a residência, alta madru­gada, depois do socorro à Marina, relegando os despojos da nobre se­nhora às grossas nuvens de emanações alcoólicas que instalavam, em toda a habitação, atmosfera dificilmente respirável. No dia seguinte, Marina, apesar de acabados os funerais, permaneceu em casa dos Torres, pois o próprio Nemésio pediu à dona Márcia concordasse em que Marina continuasse orientando as servidoras que lhe atendiam a casa. Mais al­gumas semanas -- disse ele -- e tudo se aclararia satisfatoriamente. Marina, contudo, explorada nas próprias energias pelos agentes pertur­badores contratados por Moreira, definhava no leito, Trancada no quarto, remoía a deslealdade que cultivara, incessantemente, diante de Beatriz e se culpava pelo desastre que arruinara Marita, a quem não tinha coragem de visitar ou rever. A jovem chorava, ouvia vozes, de­clarava-se perseguida por vultos estranhos. Fugia, assim, de todos, enfadada, nervosa, e, se recebia Nemésio ou Gilberto, caía em crise de pranto que nem os conselhos e os medicamentos conseguiam remover. (2a parte, cap. V, pp. 219 e 220)
3. Nemésio visita a mãe de Marina - Passados cinco dias de apre­ensões, Nemésio telefonou para dona Márcia, rogando-lhe permissão para um entendimento pessoal, no Flamengo, na manhã seguinte. Marina andava abatida; tencionava, pois, levá-la a Petrópolis, onde a mudança de ares e o clima serrano lhe fariam bem. Era preciso, contudo, ouvir a família, fazer planos. Dona Márcia, aguardando Gilberto para genro e ignorando a intimidade entre a filha e Nemésio, não podia compreender toda a extensão da preocupação que o senhor Torres revelava por Ma­rina. A entrevista realizou-se no horário combinado. Nemésio, ao ver dona Márcia, uma criatura bem-apessoada num modelo de algodão transpa­rente e suave, não sabia se a genitora era uma segunda edição da filha ou se a filha era segunda edição dela. Comodamente sentados, a pales­tra começou pela troca de sentimentos recíprocos. Pêsames pela morte de Beatriz, pesar pelo acidente ocorrido com Marita. Encantado com a personalidade de Márcia, Nemésio tocou no assunto principal da pales­tra. "A senhora descanse -- falou-lhe, eufórico --, Marina seguirá em minha companhia, tudo em ordem. Creia que a mudança de ares é a tera­pêutica adequada. A pobrezinha merece repouso, excedeu-se em tra­balho..." Dona Márcia disse não ter quaisquer objeções, mas estranhava tal viagem assim, à pressa... "Enquanto sua esposa estava de cama -- observou --, a permanência de minha filha em sua casa era justa, mas agora... Sei que Marina não se encontra no convívio de estranhos, o senhor para nós não é somente o diretor da firma em que ela trabalha, o senhor para ela é também um amigo, um protetor, um pai..." (2a parte, cap. V, pp. 220 a 222)
4. Nemésio confessa seu amor pela jovem - Ao ouvir esta última frase, Nemésio não resistiu, e disse à dona Márcia que Marina era para ele muito mais do que um amigo, um protetor, um pai... Dona Márcia es­tremeceu. Que queria o senhor Torres dizer com semelhante afirmação? E, instintivamente, lembrou-se das suspeitas de Cláudio a respeito da filha. Teriam os passeios e divertimentos de Nemésio com Marina -- que ela jul­gara fossem apenas motivos de consolação para um velho sofrido -- o aspecto inconfessável que o marido lhes conferia? Dona Márcia, num átimo, empregou então toda a sua curiosidade feminil no rico nego­ciante, fisgando-o de alto a baixo, e descobriu no viúvo atrativos marcantes, suscetíveis de impressionar favoravelmente qualquer moça desprevenida. O velho Torres ganharia de Gilberto em qualquer torneio de sedução... Dona Márcia quis então falar, mas engasgou-se, tremeu, desconcertou-se, ao passo que Nemésio sorriu, atribuindo-lhe a emoção ao contentamento da mãe que se garante, quanto ao futuro da filha, aduzindo: "A senhora não tem razões para afligir-se. Marina é credora de minha melhor consideração. Esteja convicta de que, nestes dois me­ses de trato diário, ela vem desfrutando a maior liberdade em minha casa. E' hoje dona de nossa absoluta intimidade. Estou certo de que a senhora é dama de nossa época, sem clausura e sem preconceitos. Não se agastará, desse modo, ao saber que Marina em meu lar faz o que quer, gasta o que quer, dorme onde quer, sem que ninguém a incomode..." Már­cia, que não abarcara ainda todo o sentido das palavras de Torres, es­boçou um sorriso brejeiro e falou-lhe, afável: "Bem, eu não tenho uma filha namorando, no tempo dos mártires; no entanto, gostaria que o senhor fosse mais explícito..." Nemésio confessou-lhe, então, o pró­prio romance. Amava-lhe a filha, aspirava ao matrimônio. Enlutara-se, é certo, mas em breves semanas o tributo social desapareceria. E, ante os olhos assombrados de Márcia, relacionou parte da fortuna que amon­toara, enumerando seis dos melhores apartamentos que possuía e os ne­gócios da imobiliária, cujos lucros eram compensadores. (2a parte, cap. V, pp. 223 a 225)
5. Márcia fica perplexa com o caso - Dona Márcia sentiu-se per­plexa, esmagada, e não sabia em que pensar, se no inusitado da situa­ção, se na sagacidade da filha. Reconheceu-se excedida em astúcia, atirada para trás. Imaginou também, em fração de segundos, a posição de Gilberto. Como ele estaria, arrebatado à outra? Ficara muito claro que Nemésio e Marina eram amantes... Mas, inferindo que as qualidades do senhor Torres, com os cabedais financeiros de que dispunha, não eram um partido para desprezar, Márcia ouviu tudo, tendo um sorriso complacente no rosto. Quando se dispunha, no entanto, a dizer qualquer coisa, o telefone tocou. Era o médico de Marita, em aviso confiden­cial, comunicando-lhe a piora da filha. Se desejasse vê-la, não atra­sasse a visita. Cláudio não compreendia a gravidade do problema e so­nhava com o reerguimento da filha, mas, na realidade, não havia motivo para es­perança. Dona Márcia agradeceu e fez-se pálida, a tal ponto que Nemé­sio se viu forçado a correr para ampará-la. Inteirando-se do ocor­rido, ele ofereceu-se para conduzi-la ao hospital, aproveitando o en­sejo para cumprimentar a jovem acidentada e levar um abraço pessoal ao pai de Marina. (2a parte, cap. V, pp. 225 e 226)
6. Márcia visita Marita pela primeira vez - Valendo-se da con­dução, André seguiu igualmente para o hospital, em objetivo de ser­viço. Minutos depois, o casal foi recepcionado pelo médico, que pres­tou à dona Márcia todas as informações relativas ao estado da filha. Cláudio os recebeu, entre sóbrio e atento. A princípio, o desconforto íntimo... Depois, a conformação. O senhor Torres pareceu-lhe agora de forma diferente. Na verdade, eram os ensinamentos espíritas-cristãos que o levavam a ver com outros olhos o explorador de sua filha. Recor­dou Jesus e a lição da primeira pedra... Se Torres se entretinha com uma jovem que lhe dava liberdade, ele, Cláudio, não vacilara em abusar da própria filha, depois de encantoá-la na sombra, através de embuste soez. Com que direito assumiria, ante a própria vítima tombada, o pa­pel de censor? Concluiu então que amigos espirituais lhe traziam o ne­gociante detestado, a quem um dia desejou esmurrar, para experimentar a sua renovação. Volveu, depois, o olhar para a esposa e não mais en­controu em dona Márcia a inimiga cordial de tantos anos, mas um cora­ção insatisfeito, cujos desastres haviam sido provocados por ele mesmo, logo após o casamento. (2a parte, cap. VI, pp. 227 a 229)
7. O estado de Marita comove os visitantes - Cláudio recordou-se naquele momento de como se enfadara, desapiedado, da esposa, então me­nina cândida e espontânea, tão-só por vê-la disforme, durante a gravi­dez da qual nascera Marina, e de como transferira, na direção de Ara­célia, os instintos de homem selvagem. Desde o choque em que se vira coagida a criar duas filhas, em vez de uma, a personalidade real de Márcia desaparecera. Desequilibrara-se. E ele, ao invés de regenerar-se, recuperando-a, jamais regressara da caça de aventuras. Como exi­gir, assim, contas da mulher, se devia acusar-se? Prosseguindo nessas reflexões, percebeu que Márcia e Torres lhe estranhavam a atitude. Desse modo, para não incomodá-los, olhou para a filha desfigurada, que somente as energias de Moreira conjugadas com a alimentação artificial retinham no corpo, e falou para Nemésio: "Veja o senhor... Nossa filha está muito mal..." Os recém-chegados fitaram, atônitos, a jovem aci­dentada. Dona Márcia sentiu-se esmagada de assombro, mesclado de pie­dade, mas reprimiu-se. Torres, muito nervoso e evocando, com aquela cena, a imagem de Beatriz, recém-desencarnada, buscou Cláudio para confortá-lo, mas deparou com o pai de Marita, de lenço ao rosto, ten­tando sofrear, em vão, o pranto que lhe escorria abundante. Dona Már­cia aproveitou o ensejo para transmitir a Torres a versão do acidente por ela arquitetada. Cláudio percebeu que Márcia mentia para impres­sionar o visitante, mas não lhe rebateu as afirmativas. Limitava-se a chorar em silêncio. Em vez de indignação, sentia apenas pena, imagi­nando-se na posição do viajante que houvesse espalhado farpas em todo o caminho, por onde seria fatalmente impelido a regressar... Márcia derramou, por fim, algumas palavras de carinho e, percebendo que Nemé­sio estava constrangido naquele ambiente, convidou-o ao regresso. (2a parte, cap. VI, pp. 229 e 230)
8. Agrava-se o problema de Marina - Atendendo a instrução de Fé­lix, André retornou com Torres e Márcia, com vistas a socorrer Marina, cujo problema obsessivo se agravava. Nemésio, dominando-se, escolheu caminho mais longo, em marcha lenta. A tortura de Cláudio suscitava-lhe falsas impressões. Cotejando-se com ele, qualificava-se por homem de rija têmpera que assistira à morte da própria esposa, sem quebrar-se, ao passo que Cláudio se derretia ao pé de uma filha adotiva... De vez em vez, deitava olhares furtivos para Márcia, comparável à filha em beleza e inteligência, supondo que, certamente, ela não seria feliz junto daquele cavalheiro chorão. Retomando, assim, as características próprias, a pouco e pouco olvidou a jovem acidentada e o bancário arrasado, que classificava por maricão, e começou a conversar com Már­cia, como se aspirasse a despertá-la para a idéia de que se achava no automóvel sob o patrocínio de alguém compreensivo e vigoroso, capaz de assegurar-lhe euforia. Indagou-lhe, então, se ela freqüentava os pas­seios cariocas mais estimáveis, referindo-se aos almoços das Painei­ras, aos piqueniques da Pedra do Conde, aos banhos em Copacabana, à vista inigualável no Pico da Tijuca... Márcia conhecia todos esses lu­gares, como a palma das mãos, mas fez-se de ingênua. Afetando-se no­vata, em matéria de experiências romanescas, informou ter-se casado muito nova e que, desde então, a existência lhe fora um suplício entre escovões e panelas, com a obrigação de tolerar um marido resmelengo, segundo ele próprio, Nemésio, pudera verificar. E acrescentou, fi­tando-o demoradamente, que havia tempo vivia separada do esposo, em­bora continuassem sob o mesmo teto. Nemésio entendeu a insistência da­queles olhares e experimentou recôndita satisfação ao ver-se reqües­tado. A futura sogra não lhe desagradava. Não fosse Marina - pensou -, e não hesitaria atraí-la a convívio mais íntimo. Não era, contudo, conveniente precipitar-se. (2a parte, cap. VI, pp. 231 e 232)
9. Marina é internada - A convite de Nemésio, eles almoçaram no Catete, ocasião em que Márcia falou o possível, no intuito de cativar o companheiro. Agradeceu-lhe, então, o devotamento à filha e pediu-lhe permissão para assinalar que a moça era demasiado jovem e, por isso, temia pela inexperiência dela... Ficava evidente, no entanto, que en­tre ambos a relação afetiva estava selada, apesar de todos os itens do acordo se evidenciarem por entrelinhas, suspiros e reticências. A prova disso é que, quando Nemésio retomou o volante, admitiu-se visi­tado mentalmente pela imagem de Márcia. Fugindo-lhe à influência, opunha-lhe a figura de Marina e, por causa disso, ao entrar em casa, estava decidido a ver a jovem. Foi assim que tomou o pijama, calçou os chinelos silenciosos e, absorto, andou, de manso, na direção do quarto em que pretendia surpreendê-la e dissipar os pensamentos intrometidos que Márcia lhe suscitara. Empalmando, de leve, a maçaneta, abriu a porta, sem ruído, mas a cena que viu quase o levou ao chão, tal seu assombro, visto que Gilberto e Marina se beijavam em amplexo apaixo­nado, efusivo. De costas para a porta, o filho não viu o pai, mas Ma­rina, situada de frente, cruzou o olhar com o dele, viu-lhe o rosto crispar-se e desmaiou. Foi tudo muito rápido. Nemésio retirou-se, à maneira de um cão espancado, arrastando-se em terrível asfixia. Estava arrasado e tomado por ponderações contraditórias que lhe varavam o cé­rebro. Como deslindar o enigma doloroso? Gilberto abusara da moça en­fraquecida ou ela dividia-se pelos dois? Buscou, então, erguer-se, mas, como se houvesse recebido uma pedrada no coração, o peito doía-lhe muito e ele, suando frio, sufocava-se. Depois de um quarto de hora, Gilberto, que ignorava por completo a angústia do pai, veio co­municar-lhe que Marina piorara, após ligeiro delíquio. Voltara da sín­cope francamente possessa. Gritava, chorava, mordia-se, feria a si mesma... Pousando nele os olhos magoados, Nemésio pediu ao rapaz co­mandasse as medidas necessárias. Chamasse o médico, telefonasse para dona Márcia, insistisse com a genitora para vir... Tentando socorrer Marina, André reconheceu que a obsessão se instalara. Os vampirizado­res trazidos por Moreira, coadjuvados por outros, haviam dominado, de todo, a jovem desprevenida e o choque experimentado esbarrondara-lhe as últimas resistências. Marina estava hipnotizada, vencida, demen­tada, irreconhecível. O médico determinou a hospitalização imediata. Cláudio foi avisado, sem ser inteirado por Márcia de toda a verdade sobre a filha. Gilberto estava atarantado e infeliz, mas Nemésio, dois dias depois, já permutava confidências com Márcia, cultivando conso­lações um no outro. (2a parte, cap. VI, pp. 233 a 235)
10. Marita decide perdoar o pai - Duas semanas após o acidente em Copacabana, Marita amanheceu preparada para a desencarnação. Moreira inspirava piedade. Aqueles dias abençoados de ensinamento e dor lhe haviam alterado a vida íntima, e ele chorava, consternado, ao perceber que o fim da menina estava próximo. Marita, apesar de imóvel, sentia-se agora lúcida, profundamente lúcida. Seus olhos estavam quase apaga­dos, mas o apoio magnético incessante lhe descerrava a luz da visão espiritual. Nos últimos dias atingira avançada renovação. Assinalava com absoluta clareza as palestras freqüentes que Cláudio mantinha com médicos e enfermeiros, gravava as preces e os comentários de Agostinho e Salomão, na hora do passe. No início, ao experimentar que as mãos paternas lhe asseavam o corpo, desesperava, clamando de si para con­sigo não se conformar com tanta humilhação... Entretanto, à força de perceber-lhe a ternura reverente, expungindo-lhe as excreções que se lhe agarravam à epiderme ferida, acabou plantando no coração um senti­mento novo. Enterneceu-se, transfigurou-se. Ouvia-o falar em Deus e, às vezes, identificava-lhe os dedos a lhe roçarem a fronte, ao mesmo tempo que entremeava afagos e orações... Num desses momentos, Félix aproximou-se e disse: "Filha, perdoa, perdoa!..." Ela registrou, emo­cionada, a voz desconhecida e recordou a mãe que a deixara no berço. Sim -- concluía --, somente o amor materno voltaria do túmulo para in­clinar-lhe o coração incendiado à fonte da indulgência... Era preciso perdoar... Que outra coisa lhe competia fazer diante da morte? Compa­deceu-se, então, diante do pai irrefletido e resolveu perdoar-lhe as humilhações e ofensas... (2a parte, cap. VII, pp. 236 e 237)
11. Marita agoniza - Pensando em Cláudio, que nunca desfrutara refúgio no próprio lar, Marita teve por ele pensamentos de compreen­são. Provavelmente havia recebido, na pensão de Crescina, o assalto de um louco e não a injúria de um homem!... Relembrou então os gestos de brandura e de amor, nos brincos da infância. O pai lhe fora o único amigo... Se chorava em pequenina, recolhia-se a seu colo, bus­cando o regaço de mãe que não tivera. Recordou assim os passeios no zoológico, os sorvetes, os afagos... Não, não! -- bradava-lhe a cons­ciência --, o pai não era perverso, era bom... Como recusar-lhe com­paixão se dona Márcia o abandonava, se Marina lhe evitava a presença? Recordou, em seguida, a mãe adotiva, imaginou-se à frente da irmã e aspirou, em es­pírito, à reconciliação com ambas. Estavam perdoadas por todas as in­compreensões e, no íntimo, pedia-lhes perdão por todos os dissabores que, involuntariamente, lhes tivesse causado!... No desfile das recor­dações, Gilberto não faltou, e a figura do rapaz surgiu-lhe na cabeça, envolvida das doces vibrações do sonho que lhe constituíra a luz da vida. Não conseguiria odiar a quem amava tanto!... Ele teria encon­trado, com certeza, razões para afastar-se dela. Ao enunciar es­ses pensamentos, Marita sentiu-se mais leve, quase feliz! Quis movi­mentar-se e gritar ao pai que ela o considerava um homem de bem, mas a gar­ganta lhe parecia de pedra e incapaz de pronunciar qualquer som. Seu esforço foi, contudo, tão grande, que bagas de pranto lhe rolaram dos olhos semimortos e desde esse minuto solene de pacificação começou a distinguir, vagamente, vozes e formas do plano espiritual, entre ale­gre e amedrontada, como se estivesse acordando num clarão traspas­sado de bruma... Cláudio chamou o médico. As lágrimas não seriam indí­cio de melhora? O médico, porém, meneou a cabeça e pediu tempo para melhor observação. Mais tarde, ao clarear o dia, comunicou a Cláudio que a jovem não viveria muitas horas e que para a Ciência tudo estava termi­nado... (2a parte, cap. VII, pp. 237 a 239)
12. Cláudio despede-se da filha - Cláudio baixou os olhos e avi­sou Agostinho e Salomão, que foram ao hospital à noite. O pai de Ma­rita rogou-lhes uma prece e pela primeira vez pediu um passe em favor de si mesmo. O boticário e o negociante consolaram-no. Não seria justo reter a jovem padecente num corpo qual aquele, deprimido e irrecuperá­vel; mas, ao se despedirem, achavam-se ambos engasgados de emoção. Cláudio, mais desolado do que nunca, às nove horas solicitou licença para trancar-se. Queria estar só com a filha, dizer-lhe adeus. Isolado à frente dela, ele demorou-se a meditar... Recompondo o pretérito na memória, ao fixar a jovem agonizante, pelo amor purificado que passara a lhe dedicar, via, na existência junto dela, o futuro que se fazia distante. Enternecia a todos ver aquele homem vergado ao peso do su­plício moral. Os gritos inarticulados do peito jugulado de angústia, a apelar para Deus, no silêncio do quarto, assemelhavam-se a cânticos de dor que as lágrimas sufocavam. Félix, Neves, Percília e outros amigos espirituais estavam no quarto. Moreira se agitava em pranto. Félix o levantou num gesto de brandura e lhe disse que a tarefa terminara. Não se deveria vitalizar por mais tempo aqueles pulmões que a morte come­çava a enregelar. O triste amigo obedeceu, em choro convulso. Em se­guida, Félix, impondo as mãos na cabeça de Marita, transmitiu-lhe su­bitâneo calor. A jovem senhoreou inopinada agilidade mental. Supunha reviver, renascer e escutava os ruídos em derredor com extrema acui­dade auditiva. Abeirando-se de Cláudio, Félix sugeriu-lhe conversar, despedir-se. Revestido de estranha coragem, Cláudio ergueu-se, avançou dois passos e ajoelhou-se ao pé da agonizante, pousando a cabeça rente ao corpo imóvel. O pranto abalava-lhe os membros e Marita percebia-lhe o arfar do tórax. Amparado por Félix, Cláudio falou com voz trêmula: "Filha do meu coração, se você me escuta, atenda a seu pai, por pie­dade!... Perdoe-me!... Não sei se você sabe que estou transformado... Conheci Jesus, minha filha, e sei hoje que Deus é misericórdia, que ninguém morre, ninguém... Sei que a justiça está em nós mesmos, que sofremos pelos males que praticamos, mas Deus não nos recusa o res­gate!... Compreendo o mal que fiz a você, sou um criminoso, mais nada... Pense, minha filha, no remorso que carregarei pelo resto da vida!... Você sabe que vou agora caminhar sem ninguém, agüentando a solidão que mereço... Onde você estiver, compadeça-se de seu pai!... Confie em Jesus e nos bons Espíritos!... Eles sabem que você não se suicidou, sabem que sou um assassino... Ah! minha filha, pense nesta palavra assim tão triste!... Assassino! Auxilie-me a lavar esta mancha da consciência! Rogue por mim aos enviados do Cristo, para que eu tenha a força de fazer o que devo fazer!..." (Cap. VII, pp. 240 a 242)
13. Cláudio diz ser seu pai - Cláudio fez ligeira pausa ao ver que o rosto da filha se cobria de lágrimas e, ansiando reconhecê-la devolvida à própria consciência para lhe assinalar a renovação, guar­dou a certeza de que ela o escutava, bendizendo-lhe os votos de melho­ria. Aflito e expectante, na convicção de que estava sendo ouvido e entendido, continuou: "Apesar de tudo, minha filha, não fique triste com minha súplica!... Sou um réu, mas tenho esperança! Veja a revela­ção de Jesus que eu achei!..." E, com as mãos trementes, colocou o Evangelho na sua destra inerme. Marita registrou a presença do livro e respondeu com um pranto mais vivo, mais copioso. Encorajado por aquela manifestação de inteligência, Cláudio ergueu a voz e rogou-lhe escu­tasse o que tinha a dizer, após o que, abrindo-se inteiramente à filha, confessou diante dela todas as faltas de que se acusava, a co­meçar pelo drama de Aracélia. Asseverou, então, ignorar fosse ela filha dele, o que só viera a saber, através de Márcia, depois da noite horrível em casa de Crescina. Contou, em seguida, ter lido e aprendido muito sobre reencarnação e declarou-se persuadido de que ambos se achavam ligados, através de múltiplas existências. Finda a longa expo­sição, que Marita assinalou, compungidamente, frase por frase, Cláudio retirou o livro e rematou, em choro convulsivo: "Tenho orado e tenho recebido a misericórdia de Deus para mim, malfeitor... Mas se a Bon­dade Infinita me pode favorecer ainda com nova esmola, abençoe-me, filha querida, dê-me um sinal de benevolência, antes de partir... Se você está ouvindo o réu que sou, acompanhe-me neste desejo... Ore tam­bém!... Rogue a Deus forças... Mova um dedo, um dedo só para que eu saiba que você perdoou a seu pai!... Não me deixe na incerteza, agora que vou recomeçar o destino, entregue às conseqüências de minhas pró­prias faltas!..." (2a parte, cap. VII, pp. 242 e 243)
14. Marita atende o pai e levanta a destra - Registrando os solu­ços paternos, que lhe revolviam a alma, a jovem associou-se-lhe aos votos e desejou, ansiosamente, satisfazer-lhe o pedido. "Perdão!... Perdão!..." A palavra ressoava-lhe no espírito, à maneira de cântico que descesse do céu, ecoando nas paredes em torno!... Marita concen­trou todas as energias num pensamento de confiança e de gratidão a Deus, e rogou, mentalmente: "Perdão, Senhor!... Perdão para meu pai, perdão para mim!... Perdão para todos os que erraram!... Perdão para todos os que caíram!..." Suas percepções se aguçaram; sentiu-se como que banhada de alegria inefável... Contemplou Cláudio, fitou Moreira e, alongando a atenção em derredor do leito, viu os demais Espíritos ali presentes. Félix, em silêncio, endereçou-lhe eflúvios magnéticos a determinada área cerebral e Cláudio viu, atônito, a destra inerme le­vantar-se... Ouviu-se, então, no recinto, a voz de Félix, que se er­gueu, arrebatando a todos numa prece: "Senhor Jesus, nós te agradece­mos a felicidade que nos concedeste na lição do sofrimento, nestes dias de trabalho e de expectação!... Obrigado, Senhor, pelas horas de aflição que nos clarearam a alma, pelos minutos de dor que nos desper­taram as consciências! Obrigado por estas duas semanas de lágrimas que realizaram por nós o que não nos foi possível fazer em meio século de esperança!..." A oração de Félix se estendeu por mais alguns minutos, rogando bênçãos para Marita que se despedia e seu pai que ficava, mas não só para eles, como também para todos os que resvalaram nos enganos do sexo desorientado, na insânia ou no infortúnio, em nome do amor que jamais conheceram. Suplicando amparo e compreensão para as irmãs en­tregues à prostituição, Félix lembrou-se também das vítimas do aborto e de todos aqueles que suportam na Terra desajustes e inibições em conseqüência dos desvarios do passado. (Cap. VII, pp. 243 a 245)
15. A prece emociona a todos - A oração feita por Félix abarcou, no seu apelo de socorro e amparo espiritual, todos os que descambaram e descambam nos desvios e viciações do mundo, tais como os estuprado­res e as criaturas seviciadas; os verdugos cruéis e suas vítimas; os que não respeitam os compromissos de fidelidade conjugal; os que fazem da noite pasto à demência; os que exploram o lenocínio; os que abusam da mocidade, propinando-lhe entorpecentes... Félix lembrou também, em sua rogativa, os corações retos e enobrecidos, os que respeitam os ajustes legais, as mulheres engrandecidas pelo sacrifício e pelo tra­balho e os homens honrados e puros, pedindo a Jesus lhes propicie sen­sibilidade e clareza de raciocínio, a fim de que não desamparem os que se transviam ao longo de suas existências... Encerrando, disse o ben­feitor: "Senhor, não consintas que a virtude se converta em fogo no tormento dos caídos e nem permitas que a honestidade se faça gelo nos corações!... Tu, que desceste às vielas do mundo para curar os enfer­mos, sabes que todos aqueles que jornadeiam na Terra, atormentados pela carência de alimentação afetiva ou alucinados pelos distúrbios do sexo, são doentes e infelizes, filhos de Deus, necessitados de tuas mãos!... Inspira-nos em nossas relações uns com os outros e clareia-nos o entendimento para que saibamos ser agradecidos à tua bondade, para sempre!..." Quando Félix emudeceu, o compartimento demorava-se invadido pelo clarão que se lhe exteriorizava do peito; mas não eram apenas os comandados dele que traziam, ali, o espírito subjugado por intensa emoção! Todas as entidades desencarnadas em serviço no hospi­tal, mesmo as que se vinculavam a outros cultos religiosos, se perfi­lavam à frente do acanhado recinto, discretas e atenciosas... Espíri­tos ignorantes e vampirizadores, em trânsito nos sítios adjacentes, acorreram também para o local, atraídos pelos jorros de luz solar que o aposento irradiava em todas as direções, e muitos deles baixavam a fronte, emocionados e reverentes. Cláudio nada ouvia, mas, empolgado pelas vibrações balsâmicas do ambiente, chorava, de manso, percebendo a mão gélida que se colara à dele. (Cap. VII, pp. 246 e 247)
16. Um apelo contra a eutanásia - Marita estava morta e Moreira não continha os soluços. Telmo aplicou à jovem passes anestesiantes e um médico espiritual cortou os últimos ligamentos que ainda retinham a alma cativa ao corpo inerte. Quando viu Marita liberta e agasalhada nos braços de Félix, Moreira indagou, desolado: "Irmão Félix, que fa­rei doravante, inútil como sou?" "Moreira -- respondeu o benfeitor --, somos uma família só. Muito em breve, terás o necessário, de modo a retomar o convívio de Marita, que pede agora paz e refazimento; mas, antes, somos nós os companheiros que te pedem auxílio! Marina sofre... Precisamos libertá-la. Contamos contigo como quem tudo espera de um amigo, de um irmão!..." O ex-obsessor de Cláudio pôs-se genuflexo e deixou pender a fronte, confundido ao reconhecer que o instrutor lhe rogava sanar uma brecha que ele, Moreira, havia agravado, e prometeu, em pranto, atender à obrigação que se lhe indicava. "Felizes da Ter­ra!", escreve-nos André, numa reflexão comovente acerca da eutanásia. "Quando passardes ao pé dos leitos de quantos atravessam prolongada agonia -- recomenda-nos André --, afastai do pensamento a idéia de lhes acelerardes a morte!... Ladeando esses corpos amarrotados e por trás dessas bocas mudas, benfeitores do plano espiritual articulam providências, executam encargos nobilitantes, pronunciam orações ou estendem braços amigos! Ignorais, por agora, o valor de alguns minutos de reconsideração para o viajor que aspira a examinar os caminhos per­corridos, antes do regresso ao aconchego do lar. Se não vos sentis ca­pacitados a oferecer-lhes uma frase de consolação ou o socorro de uma prece, afastai-vos e deixai-os em paz!... As lágrimas que derramam são pérolas de esperança com que as luzes de outras auroras lhes rociam a face!". De tardinha, Agostinho e Salomão acompanharam Cláudio e os despojos da filha até ao Caju, numa cerimônia simples que a prece con­sagrou, após o que Cláudio, acabrunhado, dirigiu-se a seu lar, no Flamengo. (Cap. VII, pp. 248 e 249)
17. Cláudio inteira-se da doença de Marina - A pedido de Félix, André continuou a prestar assistência no lar de Cláudio, que, apesar da compreensão obtida com os estudos espíritas, conservava imensa sau­dade da filha que partira. Aquela quinzena de hospital os unira em es­pírito para sempre. Como Márcia, já de noite, não apareceu no aparta­mento, Cláudio informou-se com a servidora da casa, dona Justa, que lhe comunicou ter Márcia viajado para Petrópolis, sem precisar o re­gresso. Cláudio perguntou-lhe sobre o hospital onde estava internada Marina, mas dona Justa não sabia. Ele descobriu, então, após telefonar para diversos hospitais, onde a filha se encontrava. Era uma casa de saúde localizada em Botafogo, mas as visitas, mesmo para os familia­res, estavam proibidas, visto que a paciente andava em crise, sob a atenção dos médicos. Sozinho em casa, Cláudio lembrou-se de Gilberto, que seria com certeza a pessoa indicada para dar-lhe notícias da filha. Receoso e envergonhado, vacilou em telefonar para o genro, mas a vontade de inteirar-se dos fatos ligados à filha foi mais forte que a vergonha. Gilberto atendeu-o, e o sogro percebeu que o rapaz encon­trava-se deprimido, torturado. Após a troca dos pêsames pelos faleci­mentos de Beatriz e Marita, Gilberto explicou que Marina fora acome­tida por acessos de fúria e por isso internada. O médico de confiança admitira demência precoce, mas desistira de atendê-la, confiando-a a psiquiatras. O diálogo prosseguiu e Gilberto -- antecipando justifica­tivas -- informou haver assumido novas resoluções e desistido do casa­mento com Marina. Fora o pai, Nemésio, quem o impelira à mudança de rumo, ao ver a moça doente, porque não a considerava suficientemente preparada para as responsabilidades do matrimônio e, sendo assim, não consentiria no casamento. Nemésio falara-lhe, ainda, de "certas coi­sas" e, por isso, lhe sugerira sair do Rio, onde pudesse recomeçar os estudos. Ele, porém, compreendendo a vida de outro modo, sentia-se, à face das imposições paternas, acabrunhado, vencido... Cláudio acei­tou as justificativas do rapaz com humildade, acentuando que, sendo ele ainda muito jovem, não devia opor contradita aos conselhos do pai, de vez que casamento, em qualquer pessoa, reclama liberdade, consciên­cia... (2a parte, cap. VIII, pp. 250 a 253)
8a R E U N I Ã O
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