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Universidade da Beira Interior Mestrado em Jornalismo: Imprensa Rádio e Televisão


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Para o grupo a comunicação serve acima de tudo como meio para se compreender a sociedade, pois é ela que a interpreta. Os media transmitem-nos a realidade, mas antes, como sabemos, a informação é tratada por eles não nos é dada em bruto. Eles recolhem a informação, tratam-na, escolhem este ou aquele aspecto que pensam ser o mais importante e só depois é emitida para o público. Ora, isto e o facto de se optar por programas de baixa qualidade em detrimentos de outros que seriam mais úteis à sociedade, levou Raymond Williams a criticar os mass media, afirmando que estes manipulam as pessoas a seu bel prazer e que as conduzem pelo caminho que lhe é mais favorável. Williams acusa a comunicação de fazer «uma lavagem ao cérebro da sociedade»86 e conseguiu algum tempo depois que na Grã-Bretanha a comunicação fosse tema de um debate público, após a publicação de Comminications em 1962. Aqui o autor demonstrou o seu optimismo face ao futuro se a comunicação se aliasse ao ensino. Este, porém, deveria sofrer alterações que contemplassem a introdução de novas matérias como «expressões criativas, artes contemporâneas, da discussão e, sobretudo, das comunicações».87 Só assim se poderia evitar a manipulação das mentes pelos mass media e a invasão das «nossas vidas, desde o nível das notícias ao psicodrama».88

Da Crítica Não Marxista ao método empírico-experimental
A escola de Frankfurt e os cultural studies não foram os únicos a criticar o método empírico-experimental dos efeitos limitados. Surgiram críticas ao cinema e à Banda Desenhada.

Siegfried Kraucauer falou do cinema, no seu livro From Caligari to Hitler escrito em 1947, utilizou o conceito de «inconsciente colectivo», que surge nos vários filmes alemães e nos quais descobriu que já entre 1918 e 1935 havia fortes indícios de que Hitler chegaria ao poder.

O escritor alemão concluiu que nos filmes que analisou «o que interessa é a popularidade dos temas narrativos dominantes no cinema, e não a popularidade dos próprios filmes».89 Neles o retrato da esperança era que Hitler poria fim ao caos. Kracauer afirmou que o principal não poderia ser contabilizado e conseguiu, assim, invalidar os processos quantitativos de pesquisa usados pelo método empírico-experimental. Posto isto, o cinema passou a estar separado dos meios de comunicação e passa a ser visto de uma forma muito própria.

Barbara Deming acrescentou que os filmes reproduziam os medos e desejos inconscientes colectivos, do povo, e era através deles que se poderia descobri-los. A seguidora de Kraucauer afirmou que os heróis retratados pelos anos 40 retratavam a falta de fé e a crise.

Wrignt Mills criticou o mero uso de estatísticas para o estudo dos meios de comunicação, lamentando a visão mercantilista. Também Robert Lynd reprovou o método empírico-experimental pela busca da objectividade, pois esta era apenas «um mito».

Também a Banda Desenhada foi criticada. Houve mesmo quem dissesse que incentivavam o crime e a violência, levando as crianças, que ainda não distinguem totalmente a ficção da realidade, a tentar imitar o que se fazia nos filmes. Frederick Wertham acreditava que os livros de BD corrompiam os seus jovens leitores, pois descreviam com detalhes vários tipos de crimes. Além disso, via nos comic books distorções da realidade que poderiam tornar-se devastadoras.

Gerou-se o medo da Banda Desenhada. Wertham quase arruinou esta indústria.

A Escola Canadiana


Foi apenas na década de 50 que aparecem as teorias, no Canadá, centradas somente nos efeitos dos meios de comunicação. Pela primeira vez fala-se de uma influência positiva dos media no percurso sócio-cultural. Uma enorme influência, mas positiva. Pela primeira vez desde que começaram as teorias dos efeitos da comunicação se diz que não há que ter medo dos mass media. Harold Innis e Marshall McLuhan são duas das mais importantes figuras da escola Canadiana.

Harold Innis, historiador e professor de economia política na Universidade de Toronto, foi autor dos primeiros trabalhos desta abordagem. No seu primeiro artigo, Innis acreditava que o crescimento económico beneficiava, e muito, com a imprensa. No seu artigo, o autor afirmou que a veloz difusão noticiosa «estava a alterar a concepção do tempo e do espaço»90, e estes conceitos deveriam ser «relativos e elásticos» e não rígidos. Alguns anos depois, Innis deixa de ver a comunicação como móbil para o desenvolvimento da economia, para passar a considerá-la impulsionadora da História. O historiador começou por tentar explicar que algumas transformações históricas se deviam aos meios de comunicação.

Harold Innis foi o mentor de Marshall McLuhan, um dos mais afamados sociólogos durante os anos 60, era professor de literatura e que no ano de 51 havia escrito A Noiva Mecânica (The Mechanical Bride). As suas duas grandes obras, A Galáxia de Gutenberg e Understanding media, nasceram apenas algum tempo depois.

A cultura genuína era, para McLuhan, a criada naturalmente e posteriormente transmitida pelos mass media. A Galáxia de Gutenberg é publicada em 1962, refere-se à escrita e à oralidade e fala-nos da rádio e da televisão, os meios electrónicos que permitem o regresso ao éden, ou seja, à cultura oral. Para McLuhan a palavra falada era deveras o mais autêntico meio de comunicação existente, uma vez que implica a utilização dos outros sentidos. Nesta que foi a sua mais importante obra, McLuhan afirma que a cultura oral é típica das sociedades analfabetas, já a cultura escrita é característica das sociedades alfabetizadas. Falar «implicava uma comunicação colectiva e pessoal. (…) a escrita pôs fim a esse estado de graça (…) passou a ser individual, impessoal e solitária».91 Por outras palavras, a comunicação oral exigia a presença do emissor e do receptor (ou receptores) e por isso era mais humana, havia contacto entre os dois, implicava olhares e gestos, e favorecia a criatividade e a imaginação. O homem está mais perto dos outros e consequentemente mais perto de si próprio.

A comunicação escrita, sobretudo a que é transmitida pelos media, assegura a sua permanência no espaço e no tempo, pode chegar a inúmeros locais e fica. Verba volant, scripta manent. A palavra escrita apenas usava a visão e levou a um raciocínio linear, organizando o pensamento. Era encarada como a culpada pelo abandono e pela perda de importância da palavra falada.

A cultura electrónica surge assim para dar novamente privilégio à palavra falada, para a partilha de histórias, acontecimentos, experiências, tal como acontecia anteriormente com a oralidade, mas agora tudo acontecia em larga escala.

Em 1964 foi publicado o livro Understanding Media. Aqui McLuhan fala dos meios de comunicação como extensões do próprio corpo humano e antevê a cultura electrónica dê origem a uma Aldeia Global. De acordo com o autor, «hoje, após mais de um século de tecnologia eléctrica, prolongamos o nosso sistema nervoso central num abraço colectivo. (…) Contraído electricamente, o globo transforma-se numa aldeia.»92

Aquilo que mais crítica suscitou no pensamento de Marshall McLuhan foi a sua distinção entre os meios quentes e frios. Os meios quentes seriam aqueles que são a extensão de apenas um sentido. Assim fotografia, cinema e rádio seriam os meios quentes e a televisão, a banda desenhada e os hieróglifos seriam os frios. Os críticos afirmaram que esta divisão entre os meios não tinha qualquer justificação científica. Apesar dos comentários a que foi sujeito, McLuhan deteve um papel essencial no estudo dos meios. Para ele o que é realmente de grande importância é a existência da rádio e da televisão, não pelo conteúdo das suas mensagens mas pelas mudanças que causam à sociedade. Demonstrava um grande optimismo face aos meios de comunicação electrónicos, que devolvem o que se havia perdido com o início da palavra escrita, que é quem «desvirtua e fragmenta a humanidade».93 Foram boas notícias para os meios áudio-visuais, que pela primeira vez eram vistos como benéficos sócio-culturalmente.

Efeitos a Prazo
Em 1922, Walter Lippman publicou Public Opinion. Para o cronista americano, os meios de comunicação não reproduziam a simples realidade mas sim representações, pseudo representações, e o mais preocupante era as influências destas na verdadeira realidade. Lippman teve ainda a ousadia de afirmar que a forma como chegavam as informações à população não lhe permita nomear, com qualidade, este ou aquele governo, pois a realidade retratada pelos media poderia não ser genuína.

Assim nasce uma nova abordagem que, desta feita, anuncia um «poder não intencional até ai subestimado»94, como é o caso do agendamento.


- Agenda-Setting

É através do agendamento ou agenda-setting que se transmite ao público quais os assuntos mais importantes e a sua hierarquização, no que respeita o grau de importância.

A hipótese de agendamento partiu de dois investigadores americanos, Malcolm McCombs e Donald Shaw, e declara que o tema que maior relevância detiver num meio de comunicação, mais importância a audiência lhe dará. «As audiências não só sabem pelos media quais as questões públicas e outros assuntos, como a importância a atribuir a um assunto ou tópico a partir da ênfase que os media lhe dão»95, escreveram os teóricos.

Assim, os meios de comunicação social dizem aos seus leitores, ouvintes e telespectadores sobre o que pensar e quando pensar (mas não o que pensar), ao elaborar uma agenda pública.

McCombs e Shaw concluíram que as agendas das campanhas eleitorais dos vários candidatos são elaborados pelos mass media. Os temas são escolhidos conforme o que é mais atractivo para a comunicação, de forma a atingir o público. Os assuntos a que os media dão mais ênfase, serão os abordados e ignorá-los seria matar a sua campanha.

Em 1972, McClure e Patterson levaram a cabo uma pesquisa que lhes revelou que os poderes e a influência da televisão e da imprensa escrita são distintos. No jornal escrito os leitores estão perante «uma indicação de importância sólida, constante e visível»96, ao passo que na televisão a informação é emitida de forma muito rápida, breve e heterogénea, o que leva a que a o relevo dado aos vários temas seja menor. No que respeita a política, o estudo revela que a televisão tem preferência pela forma em detrimento do conteúdo. Como referiu Mauro Wolf, «a informação televisão quotidiana fornece, portanto, uma situação de aprendizagem impossível: o público é assediado por informações fragmentárias, totalmente inaptas para constituírem um quadro cognitivo adequado às opções que o eleitorado é chamado a fazer.»97

No entanto, em áreas que não da política, o agendamento televisivo é muito eficaz e pode provocar alterações na vida social.

Em suma, a comunicação tornou-se indispensável para o público que sente a necessidade de aceder a ela para se manter informado, não sobre a realidade mais próxima mas antes acerca da mais distante. De outra forma não seríamos conhecedores do que acontece nos outros locais mais afastados de nós.

Comunicação social e o público funcionam em conjunto: se por vezes é ela que dá a conhecer um determinado problema, outras vezes são as pessoas que chamam a atenção para um certo problema. E hoje em dia as pessoas podem comunicar facilmente com os media através do e-mail e do telefone.
- Modelo da dependência

Foi em 1976 que os investigadores Sandra Ball-Rokeach e Melvin De Fleur fizeram nascer esta abordagem sobre a dependência dos efeitos da comunicação de massas.

A teoria falava da inter-relação entre os media, a sociedade e a audiência, e isto acontecia de várias formas. E, segundo os autores, havia várias formas de relação entre os meios de comunicação e a sua audiência, facto que faz variar o impacto dos seus conteúdos.

Para os dois investigadores, a comunicação era vista como causadora de efeitos que por sua vez transformam partes da sociedade, «a derradeira base da influência mediática radica na natureza das interdependência entre os meios de comunicação e outros sistemas sociais, e na forma como essas interdependências modelam as relações da audiência com os meios de comunicação.»98

Assim se a sociedade estiver mais inconstante, mais dependente estará. Pode então dizer-se este estado de dependência é variável, e esta variabilidade não é só relativa à sociedade. Quanto mais qualidade tiver o meio e quanto mais desenvolvido for maior será a sua capacidade de criar dependência da audiência e quanto mais escassas forem as fontes de informação, mais as pessoas ficam dependentes das já existentes.

Para De Fleur e Ball-Rokeach, os efeitos cognitivos, afectivos e comportamentais estão também estavam inter-relacionados entre si.

À compreensão da mensagem dizem respeito os efeitos cognitivos. As pessoas serão, assim, tanto mais dependentes quanto mais insuficiente e contraditória for a informação veiculada. Se um meio transmitir um determinado acontecimento com algumas ambiguidades, garante que as pessoas estejam atentas aos próximos jornais (sejam eles escrito, radiofónico ou televisivo) para conseguirem mais informações sobre o caso.

Os efeitos afectivos estão ligados, como o próprio nome indica, aos sentimentos e emoções que os meios de comunicação de massa, através da variada programação que emitem, despertam no público. Relacionados com estes efeitos está, para De Fleur e Ball-Rokeach, a identificação e consequente integração do indivíduo na comunidade.

Os efeitos comportamentais são, no fundo, o resultado dos efeitos cognitivos e afectivos. E existem dois tipos de efeitos comportamentais: a activação e a desactivação. Ao passo que a primeira acontece após se verificarem intensos efeitos cognitivos e afectivos, a desactivação acontece quando os indivíduos estão prestes a agir mas não o fazem devido a mensagens transmitidas pelos media.

Em suma, o modelo de dependência fala de vários efeitos da comunicação e as suas variações.




- A Espiral do Silêncio

Para falar desta teoria, é importante definir opinião pública e há duas versões possíveis. Ela surge como um conjunto de opiniões que ao serem expostos pelos meios de comunicação se tornam públicas. Por outro lado, a opinião pública é vista como um conjunto de opiniões, quer as que são transmitidas pelos meios como as que o não são.

Fala-se ainda de uma terceira interpretação deste conceito, segundo a qual não existe opinião pública, uma vez que há imensas opiniões e muitas delas são divergentes. O que acontece é que por vezes a opinião sobre um determinado assunto é maioritária e tende a dizer-se que é a opinião pública. Mas nem sempre é assim pois as opiniões são tão diversas e outras vezes não é possível saber qual é a maioritária.

Elisabeth Noelle-Neumann, socióloga alemã, apresentou o modelo da espiral do silêncio em 1974. A teoria da espiral do silêncio surgiu para falar da «comunicação de massas, da comunicação interpessoal e das relações sociais, da expressão individual da opinião, da percepção pelos indivíduos do “clima de opinião” que os rodeia no seu ambiente social»99 e da acção que todos estes elementos exercem uns sobre os outros.

A espiral do silêncio ocorre quando aqueles que partilham de uma opinião minoritária não se exprimem, ocultam as suas opiniões pelo medo do isolamento. Ora isto vai-se repetindo, pois os que estiverem à volta do indivíduo que está em silêncio podem adoptar o mesmo comportamento, criando um círculo vicioso e assim não se saberá nunca se esta opinião minoritária poderia ser, no final das contas, a maioritária. Logo, não se pode saber qual é de facto a verdadeira opinião pública.

Gatekeeper
O conceito de gatekeeper surge pela primeira vez com Kurt Lewin em 1947, num estudo acerca de decisões domésticas e compra de alimentos. No estudo Lewin descobriu que os produtos têm que passar por barreiras, portões, onde são tomadas as decisões relativamente à passagem ou não dos vários produtos.

O autor fez assim a comparação com os meios de comunicação: «o conjunto das forças, antes e depois da zona filtro, é decididamente de tal forma que a passagem, ou o bloqueio, da unidade através de todo o canal, depende, em grande medida, do que acontece na zona filtro. Isso sucede não só com os canais de alimentação, mas também com a sequência de uma informação, mas também com a sequência de uma informação, dada através dos meios de comunicação.»100 Os portões abrem-se apenas quando o seu guardião, o gatekeeper, permite e por vezes isso não acontece. Com a informação sucede então o mesmo, ou se deixa passar a informação ou se bloqueia a sua passagem.

Em 1950, David White iniciou um estudo sobre os gatekeepers que actuavam na informação. White investigou o trabalho de um jornalista norte-americano, Mr Gates, cuja função era seleccionar que notícias seriam publicadas.

David White concluiu que noventa por cento dos feeds das agências noticiosas não passavam para o jornal. O estudioso ficou com a ideia de que os critérios usados pelo jornalista eram meramente subjectivos, no entanto há que ver que grande parte das histórias que as agências apresentam são semelhantes.

Histórias idênticas, desinteressantes, mal escritas ou que aconteceram em locais demasiado distantes e a falta de espaço foram algumas das razões apontadas para se recusar transformar um acontecimento em notícia.

A abordagem de David White fazia sentido, porém, não estava de todo isenta de erros. Esqueceu que o gatekeeper não age isoladamente, antes está inserido na organização da empresa de comunicação. Outro das suas lacunas foi considerar que se seleccionavam os temas interessantes para os próprios seleccionadores, quando o que acontece é que se escolhem os temas de acordo com o que se considera ser importante e interessante para o público. E finalmente, concluiu-se que não havia apenas um gatekeeper mas vários em cada etapa. Além de decidir que acontecimentos se tornarão notícia, as informações da já seleccionada são também filtradas.

Em 1969, A.Z. Bass fez avanços nesta matéria e afirmou que havia duas etapas de gatekeeping: a primeira diz respeito à altura de recolha das notícias e a segunda etapa está patente no processamento das notícias. Bass chegou à conclusão que as fontes influenciavam o gatekeeper durante a primeira etapa, sendo por isso a segunda etapa mais importante pois aqui o gatekeeper (que não é o primeiro) já não estava susceptível a elas.

Newsmaking
O newsmaking é o modelo de organização e produção de um jornal, diz respeito aos valores-notícia.

Por vezes os profissionais dos media recorrem a critérios que os auxiliam na escolha da notícia A em detrimento da notícia B. São eles que ajudam a responder às frequentes perguntas: é interessante?, é importante?, ou relevante?.

Temos assim, vários acontecimentos que são notícias potenciais, apenas alguns serão autorizador a passar pelo gatekeeper. De seguida e com o auxílio dos critérios escolhem-se aquelas que os meios de comunicação transmitirão.

De acordo com Galtung e Ruge, há nove critérios101 que ajudam o gatekeeper a decidir que aquele acontecimento detém valor-notícia. Em primeiro lugar temos o momento do acontecimento, quanto mais recente melhor e é preferível se for de última hora. Seguem-se a intensidade, ligada à magnitude do sucedido; a clareza, quanto menos dúvidas mais probabilidades tem de passar; e a proximidade, quanto mais próximo mais facilmente é noticiado. Estar de acordo com as expectativas aumenta as hipóteses de publicação mas o mesmo acontece com o acontecimento surpresa. O acontecimento que é noticiado uma vez, pode ser noticiado outras vezes. A composição dos acontecimentos deve contribuir para o equilíbrio e harmonia. Há também que ter em conta o nono critério, dos valores socioculturais segundo os quais o valores da sociedade e da cultura são tidos em conta pelos jornalistas.

Quantos mais critérios estiverem presentes no acontecimento, mais noticiável ele se torna.

Edward Jay Epstein analisou o newsmaking televisivo102 e para ele os jornalistas não fazem o seu trabalho livremente, sendo sujeitos a inúmeras pressões além dos critérios que determinam os valores/notícia. Concluiu que no acontecimento são privilegiados os seguintes elementos: o valor da notícia, mesmo que ele se resuma à presença de pessoas importantes; a previsibilidade, para que seja possível captar o que acontece; o valor das imagens, se forem dramáticas e cativarem melhor; os custos, tudo deve que ser contabilizado; e a logística, ligada ao número de equipa e a gerência que se faz delas. Para o autor a televisão não era um espelho da realidade mas o espelho da hipérbole.

No entanto, houve quem, como Herbert Gans, percebesse que os profissionais dos media não o faziam intencionalmente. De facto, eles «esforçam-se por ser objectivos, tanto na intenção, ao distanciarem-se pessoalmente do acontecimento, como nos efeitos, ao ignorar deliberadamente as consequências dessas notícias».103

Com o passar dos anos muitas foram as investigações sobre os efeitos da comunicação de massas na população. Falou-se que os media provocavam alheamento, analfabetismo, outros defenderam o contrário. Os efeitos psicológicos da televisão nas crianças e também adultos foram, talvez os mais estudados.

Capítulo IV
A Televisão e os seus efeitos
«A TV dispensa tudo. Uma simples frase como «o homem subiu a escada» exige a decifração de cada palavra, a relação das anteriores até se ler a última e

a figuração do seu sentido e imagem correspondente.

Mas na TV dá-se tudo de uma vez sem nós termos de trabalhar.

Mas cada faculdade nossa, posta em desuso,

chega ao desuso maior que é deixar de existir.

Mas ser homem simplesmente é muito trabalhoso.

E o mais cómodo é ser suíno...»
Vergílio Ferreira, in 'Escrever'
A história da televisão começa em Inglaterra, em 1926, com o início das experiências com transmissão de imagens. Um ano depois nos, Estados Unidos da América, os fabricantes dos aparelhos de transmissão de rádio apresentavam inovações no campo de transmissão e recepção de imagem.

Em 1931, em França, foi feita a transmissão de imagem mas apenas em 1939 foi instalada uma antena na Torre Eiffel, permitindo assim a transmissão de programas já com 455 linhas por imagem. No mesmo ano foi anunciada a instalação de uma rede nacional de televisão que acabou por começar a funcionar apenas em 1954.

A Alemanha iniciou as suas experiências no ano de 1928. Em 1936, foram transmitidos os Jogos Olímpicos de Berlim em várias cidades do país. A guerra interrompeu os avanços e torna-se necessário esperar pelo pós-guerra para continuar as experiências.

O ano de 1945 tem os Estados Unidos na linha da frente da evolução televisiva, consequência da guerra que deixou a Inglaterra enfraquecida neste campo. Deste ano em diante todos os países retomam os estudos, embora uns mais rapidamente que outros.

A televisão aprende a fazer uso dos grandes acontecimentos. Transmitiu o funeral de Jorge VI em 1952 e a coroação de sua filha, Isabel II, um ano depois, em Inglaterra. Pela primeira vez as audiências do novo meio superam as da rádio.

Nos anos 50, o jornalismo ainda não estava muito ligado à televisão. Falar nele era falar da imprensa escrita ou da rádio. O pequeno ecrã estava ainda um pouco à parte, no início das suas descobertas.

Em Portugal, 1957 foi o ano que testemunhou do aparecimento da televisão em terras lusas, com o início das transmissões da RTP. Por esta altura, à televisão portuguesa, controlada pela censura, estavam impostos limites e regras pela ditadura do Estado Novo. 1968 viu nascer a RTP2 e a RTP Madeira em 1972. Mas apenas com o fim da ditadura em 1974, a televisão conheceu a liberdade e um ano depois nasce a RTP Açores. O Festival RTP da Canção marca o início das emissões regulares a cores no ano de 1980 em Portugal.

Na década de 90, surgem os canais privados SIC e TVI e quatro anos depois surge a televisão por cabo. 104


O que tem vindo a prender a atenção dos estudiosos em comunicação social é a amplitude dos efeitos desta na sociedade bem como as suas consequências no futuro.

Em todo o mundo milhares de pessoas usam os media para se porem a par do que se passa à volta delas. São eles quem decide quais são os assuntos mais importantes do dia. São eles que através da escolha das notícias, dos jornalistas, dos editores, dos directores chamam a nossa atenção e influenciam o nosso ponto de vista sobre os vários assuntos que abordam. De acordo com Bernard Cohen, não é tanto o facto de os media nos dizerem o que pensar, pois se este for o objectivo nem sempre serão bem sucedidos, mas sim e sobretudo sobre o que pensar. O simples facto de os mass media escolherem tratar um acontecimento em detrimento de um outro produz efeitos na opinião do público.

Isto conduz-nos ao conceito de agenda-setting, que se traduz na selecção, ordem das notícias que determinarão os temas acerca dos quais posteriormente o público falará. Por outras palavras, a disposição dos conteúdos noticiosos faz com que estes sejam recebidos com maior ou menos ênfase. As notícias que abrem os telejornais que são primeira página do jornal escrito são precisamente as que receberão mais atenção. «As pessoas têm tendência para conhecer o que é tratado pelos mass media e para adoptar a ordem de prioridades atribuída aos diferentes assuntos.»105 Assim com o agendamento, ou agenda-setting, as pessoas podem saber quais os assuntos mais relevantes e qual a sua ordem de importância. Segundo Malcolm McCombs e Donald Shaw, dois investigadores americanos, «as audiências não só sabem pelos media quais as questões públicas e outros assuntos, como a importância a atribuir a um assunto ou tópico a partir da ênfase que os media lhe dão. Por exemplo, ao mostrarem o que dizem os candidatos durante uma campanha, os mass media determinam a «agenda» da campanha. Esta capacidade de influenciar a mudança cognitiva dos indivíduos é um dos aspectos mais importantes do poder da comunicação de massas».106

Os media podem sim mudar o conhecimento que temos sobre determinados assuntos, mas isto não resulta obrigatoriamente em mudanças de comportamento ou atitudes. E mesmo que tal suceda, não significa que os efeitos sejam os desejados e menos ainda que os próprios meios de comunicação tenham elaborado a mensagem com a intenção de provocar modificações nas pessoas.

Ora, os efeitos originados pela persuasão está longe da assustadora ideia de que a simples difusão de informação é suficiente para convencer o público, mas está também longe da ideia de que a influência é quase sempre ineficaz. Como é costume dizer-se: «nem tanto à terra nem tanto ao mar

É clara a existência de vários tipos de influência, que não apenas a dos meios de comunicação, mas também a influência que os indivíduos exercem uns sobre os outros, a que os líderes exercem sobre um determinado grupo, etc. E é fundamental saber que as influências diferem de caso para caso e de pessoa para pessoa, pois não somos iguais uns dos outros e por isso também a forma de pensarmos diverge. Logo, reagimos à influência de diferentes formas.

Karl Popper e John Condry partilham a opinião de que a televisão educa para a violência e por isso torna-se necessário recorrer à censura. Esta não é, no entanto e segundo Popper, uma solução fácil pois a censura não é compatível com a democracia ou o liberalismo. Popper defendia que se deve educar para a não-violência pois «quanto mais a cultura que alimenta o Estado de direito se inspirar na recusa da violência, que é a essência da democracia, menos necessidade haverá de fazer pesar sobre os indivíduos medidas repressivas.»107 Já John Condry considerava que a televisão concorria com a família e escola, que distorcia certos acontecimentos e que criava abusivamente mitos. Preocupado com os danos que o poder da televisão causaria na sociedade, Condry achava importante encontrar uma forma de limitar este poder num ambiente liberal pois a televisão é a «expressão e a manifestação de um princípio de liberdade».108 Popper chamou a atenção para o princípio de Estado de direito que é a não-violência para a qual devem ser educadas as pessoas. Se assim não for é obrigatório impor mais normas e sanções aos meios de comunicação. Significa isto que a não-violência, que é a base da democracia, ajuda a que o controlo dos media não seja tão duro e evita a uma intervenção tão activa do Estado. Para Karl Popper, limitar o poder dos órgãos de comunicação era simples, «e a ideia é sempre a mesma: dilatar ao máximo a liberdade de cada um nos limites impostos pela liberdade dos outros. Ora, se persistirmos nesta via, depressa nos encontraremos numa sociedade em que o assassínio será moeda corrente».109 Também Kant acreditava na necessidade de se limitar a liberdade pois só assim seria possível a coexistência.

O poder da televisão não tem, para Popper, qualquer controlo e por isso estimula a violência nos indivíduos e dessa forma provoca alterações negativas. O filósofo chega mesmo a comparar a televisão à guerra pois ambas originam uma «perda catastrófica de sentimentos», causando «desequilíbrios na vida política, da corrupção do discurso público, da dificuldade cada vez maior de captar a diferença entre realidade e ficção»110. Karl Popper defende que quem trabalha na televisão deve fazer um juramento, um compromisso moral.

Teorias atestam que, com os media, as crianças experimentam a ansiedade e o stress. Quando expostas a diferentes tipos e intensidades de influências que lhes estimulas, para bem ou para mal, os sentidos, os sentimentos, sentem interferências no sono. Há ainda quem acredite que quando as crianças são expostas a conteúdos sinistros, aterradores, os efeitos destes podem durar anos. Isto não acontece apenas quando falamos em programas mas também quando falamos em conteúdos informativos, uma vez que estes por vezes nos mostrar realidades assustadoras.

A televisão pode ser, se bem utilizada, um formidável meio de transmissão de conteúdos educacionais. No entanto, isto não tem vindo a acontecer tanto quanto se deveria e se gostaria, isto porque ter cerca de vinte horas de boa qualidade é muito difícil mas ter várias horas de emissões de má qualidade e apenas duas horas melhores é já bastante mais fácil de se conseguir. Mas há outra grande causa deste decréscimo na qualidade, que é o facto de o mais importante ser, para as cadeias televisivas, a criação de conteúdos sensacionalistas que consigam manter e/ou aumentar a audiência. E «o sensacionalista raramente é bom.»111 Esta situação é agravada pelo número de canais, quantos mais houver, maior é a concorrência. O que se faz é tornar os conteúdos de má qualidade o mais polémicos possível para que o público os veja. A receita é muito simples, eficaz, e, se reflectirmos nela, hedionda. Consiste no recurso a ingredientes como a violência, o sexo, etc., e quando o público se cansar basta aumentar a dose de cada um.

Na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos da América realizou-se uma investigação que chegou à seguinte conclusão: bastantes criminosos afirmaram que a televisão lhes serviu de informação. Muitos são os casos - como o inquietante ocorrido em Liverpool no ano de 1993, quando duas crianças de dez anos raptaram e mataram um menino de dois anos - que são associados aos resultados nocivos da televisão. Ora os media podem ser muito perigosos quando falamos da sua relação com as crianças, pois estas ainda estão a aprender o que é realidade, o que é certo e o que é errado, estão, enfim, a adaptar-se ao seu ambiente. Nesta altura da vida a televisão pode confundir as jovens e inexperientes mentes. É fundamental prestar atenção às transformações que a televisão produz nas crianças, bem como é também imprescindível que os pais, responsáveis pelos mais novos, vigiem a que tipo de mensagens estão expostos os seus filhos. Só assim poderão controlar e impedir que estes assistam a conteúdos impróprios para a idade e que a violência entre nos seus lares.

Dizer que há determinados conteúdos capazes de produzir efeitos nas mentes mais influenciáveis não causa espanto. A própria televisão apenas exibe um programa, série ou filme fora do horário nobre devido ao teor deste. O propósito é não produzir efeitos prejudiciais, como é o caso de filmes para maiores de dezoito, por exemplo, ou quando no telejornal o apresentador acautela os seus telespectadores de que as imagens que se seguem podem chocar. Mas isto não evita que qualquer pessoa veja todo o tipo de programas, esta é a forma de a televisão se despedir de responsabilidades.

Quem trabalha para a televisão deveria, de facto, ter mais cuidado com o que transmite pois há que ter em conta que crianças e adolescentes passam muito do seu tempo em frente ao pequeno ecrã. Eles ainda não possuem uma maturidade suficiente e capaz de distingui na totalidade a realidade da ficção o que os torna fortemente influenciáveis, mas não apenas eles, há adultos com os quais sucede o mesmo.

Importa, então, relembrar e tornar presente a base da civilização, que consiste particularmente na redução da violência, e pô-la em prática no dia-a-dia televisivo. Ignorar o que está a acontecer actualmente é ser-se negligente.

Segundo Karl Popper «a televisão adquiriu um poder demasiado vasto no seio da democracia. Nenhuma democracia pode sobreviver se não se puser cobro a esta omnipotência. E é certo que se abusa deste poder hoje em dia. (…) A televisão não existia no tempo de Hitler, ainda que a sua propaganda fosse organizada sistematicamente com um poderio quase comparável. Com ela, um novo Hitler disporia de um poder sem limites.»112 De acordo com as palavras do autor, a televisão necessita de limites caso contrário a democracia corre riscos.

John Condry analisou as mudanças no crescimento das crianças norte-americanas: elas costumavam crescer rodeadas dos mais velhos, aprendendo com eles nas suas actividades do quotidiano e quando adultas as capacidades porão em prática o que aprenderam. Assim os conhecimentos iam passando de geração em geração, mas esta situação começou a alterar-se com a revolução industrial e melhoria das condições de vida. A aprendizagem foi mudando e a escola completava-a. No entanto segundo o autor, no presente, cada criança norte-americana passa em média quatro a cinco horas, por dia, em frente à televisão ou nos jogos de vídeo durante a semana e cerca de sete a oito horas ao fim-de-semana. Resta pouco tempo para a família pois a escola também a escola ocupa muito tempo.

As crianças não vêem televisão apenas para se divertirem mas igualmente para compreenderem o mundo, no entanto a distinção entre realidade e ficção é ainda difícil para elas e aparentemente a grande parte dos pais não se apercebe dos perigos que daqui podem advir. Se a família estivesse mais presente e a escola fosse mais eficaz, o poder da televisão não teria tanto peso nas vidas dos mais novos. Isto uma vez que nos dias que correm, os pais participam da aprendizagem do mundo pelas crianças de uma forma muito limitada, o que permite que a televisão e as suas imagens deformadas da realidade ganhem cada vez mais terreno.

Mais uma vez alerto para o facto de estas consequências não afectarem somente as crianças mas também os adultos, uma vez que desde o aparecimento da televisão o número de horas que as pessoas passam em frente à televisão tem aumentado expressivamente. O tempo que se passa frente ao ecrã somado ao conteúdo do que é transmitido, são os dois factores base desta influência exercida pela televisão.

Para Condry «a televisão é uma ladra do tempo»113. Ela rouba o tempo da família, da convivência com os outros, da aprendizagem do dia-a-dia. Quando as crianças, que apenas captam parte do que vêem, assistem a cenas de violência, é muito provável que pensem que quem vence é o mais forte, o melhor. As mensagens implícitas, mais subtis, são mais difíceis de entender. Perdem-se os inúmeros benefícios das restantes actividades, muito mais relevantes para o seu crescimento e desenvolvimento.

Eram visíveis porções mais elevadas de violência em programas para adultos e em horários com mais audiência, no entanto um estudo mais recente concluiu o contrário. Assim os programas para os mais crescidos apresentam em média cinco actos de violência, já nos programas infantis uma hora contém cerca de vinte e cinco manifestações de violência.

Várias investigações foram então levadas a cabo para tentar perceber os efeitos da violência e começou a perceber-se que as crianças a ela expostas se tornavam mais agressivas que as demais, mudam-se as suas crenças e os seus valores. Os programas apresentam realidades (o papel do homem e da mulher) estereotipadas, distorcidas, às quais os mais pequenos se habituam e posteriormente reproduzirão.

«Em geral, as crianças que vêem muita televisão temem mais a violência do mundo real. Em contrapartida, outras ficam insensíveis a essa violência; choca-as menos e reagem a ela com menor intensidade.»114

Como mencionado, a televisão não está preocupada com a transmissão de conteúdos de qualidade, sendo que ela se rege pelas leis de mercado: ela emite o que vende mais, o que lhe proporcionará mais lucros. Este objectivo da televisão prejudica não só as crianças como todos os outros espectadores. A luta pelas audiências pode ser devastadora e razão pela qual existiram programas como o Big Brother, a Quinta das Celebridades, da TVI, o Acorrentados, o Bar da TV, da SIC, entre muitos outros dos vários canais existentes, incluindo os da cabo.

Aquilo que convém para a televisão é o presente, o passado e o futuro pouco importa. Segundo John Condry, a influência da televisão é muito perigosa, uma vez que desfaz o que uma das principais funções da educação que é demonstrar que passado e futuro estão ligados e que o presente resulta da convergência entre os dois.

De acordo com o psicólogo americano, o pequeno ecrã tem consequências nefastas para a sociedade, nomeadamente quando estas fazem com que os mais novos vejam a coisas da vida de uma forma superficial e isso vai reflectir-se nas suas atitudes e comportamentos.

Para Condry, «se, como se afirma, as crianças de hoje são cruéis umas com as outras, se são desprovidas de compaixão, se troçam dos fracos e desprezam quem precisa de ajuda, será que isso se deve ao que vêem na televisão? É verdade que os pobres e os infelizes raramente ocupam o pequeno ecrã e, quando aparecem, são geralmente ridicularizados».115 Riqueza, na televisão, é a principal e a mais fácil fonte de felicidade e com ela vem todo o resto. Segundo o americano, não é comum ver o enriquecimento através do trabalho porque mostrar isto no ecrã é aborrecido e a televisão, na sua busca desenfreada pelo que é excitante e que prenda os espectadores, não pode dar-se ao luxo de perder audiência.

Segundo John Condry, os responsáveis pelas crianças deveriam evitar ao máximo que estas assistam à televisão para evitar as influências a que ela as sujeita. Ou então, se decidirem que os mais pequenos podem passar algum tempo a ver televisão deve-se ter-se em atenção a qualidade dos conteúdos dos programas e tentar diminuir ao máximo possível o número de horas passadas em frente ao pequeno ecrã. É a única forma, juntamente com o incentivo a programas educacionais, de garantir o seu bem-estar, afirma Condry.

O filósofo acredita que a escola deve ensinar a utilizar a televisão e, na minha óptica, esta seria uma opção bastante válida e capaz de resolver os problemas que surgem da má utilização do aparelho. As crianças estariam, desde o início, alertadas para os efeitos nefastos, de modo a evitá-los, e aprenderiam a tirar partido dos efeitos benéficos para a sua aprendizagem e a sua evolução na sociedade. Devo confessar, no entanto, que esta opção me parece um tanto utópica. Não que não seja possível, mas será que as crianças teriam a maturidade suficiente para a por em prática? Seriam capazes de escolher um bom programa no meio de tantos outros de qualidade duvidosa? Poderia ser que os resultados não se vissem imediatamente, mas à medida que fossem crescendo tornar-se-iam adultos conscientes das suas opções e muito provavelmente escolheriam para si o que houvesse de melhor para a sua formação pessoal e em sociedade.

A televisão é um meio de comunicação um tanto contraditório pois difunde mensagens negativas mas também difunde mensagens positivas. Ao mesmo tempo que difunde informação para advertir o público dos perigos (como por exemplo da droga, da obesidade entre outros), ela também transmite informações que incentivam quem as vê a correr riscos, a experimentar. Tendo isto em consideração, John Condry, Cynthia Scheibe e Tom Christensen investigaram o tratamento do tema droga na televisão e concluíram que para cada mensagem desfavorável (que diga “não se envolva com drogas”) havia seis favoráveis (que incentivam a tomar qualquer coisas caso a pessoa não de sinta como desejaria). Também no que se respeita ao álcool se verificou a existência de dez informações a favor do consumo, contra uma desfavorável.
Os media, sobretudo a televisão, tratam vários temas e todos eles podem produzir efeitos na sociedade. Enquanto em 1969 era dos pais e colegas que se recolhiam as informações e se tiravam dúvidas sobre sexo, em 1987 a televisão começa a ser mencionada bastante mencionada como um relevante meio de se informar.

Senão vejamos: em 1998, a Time e a CNN elaboraram um estudo e durante a investigação perguntaram a adolescentes norte-americanos quais as suas fontes de informação sobre o tema sexo. O estudo revelou que 29% dos adolescentes dos EUA vêem a televisão como a fonte de informação mais importante sobre o tema, sendo que os amigos são a maior fonte, 7% dos jovens citaram os pais e apenas 3% mencionaram a educação sexual.116

Ora o que acontece com este tema acontece com muitos outros, diria mesmo que com a maioria deles. Quando vemos as notícias, reportagens, entrevistas na televisão, temos já uma certa predisposição para aceitarmos o que nos é apresentado como verdade.

Muito se tem falado dos efeitos negativos. Contudo, não é apenas nestes que os media se traduzem, e falar unicamente neles é demasiadamente redutor para tudo que eles representam. Se acreditamos que com os meios de comunicação podemos aprender coisas negativas, não nos podemos descurar do facto de também nos ensinarem um sem fim de outras positivas.

Somos testemunhas de várias séries educativas para as crianças, através das quais podem aprender dezenas de coisas, a melhorar atitudes e a desenvolver capacidades interpessoais. A Rua Sésamo é um exemplo deste tipo de séries. Alguns estudos chegaram à conclusão de que as capacidades das crianças entre 3 e os 5 anos de idade foram evoluindo à medida que iam assistindo. Iam aprendendo o alfabeto, número, partes do corpo, formas, etc. Os resultados da série foram considerados significantes. Era possível ver capacidades diferentes nas crianças que assistiam à série e as que não assistiam. Segundo um estudo elaborado por Bogatz e Ball117, as crianças que acompanhavam a série estavam melhor preparadas para a escola.

Então podemos concluir que há vários programas e mesmo conteúdos jornalísticos (notícias, e sobretudo entrevistas e reportagens) capazes de trazer benefícios a quem os vê. Mais ainda, estes benefícios podem durar anos devido aos seus efeitos a longo prazo.

Todos os dias os telejornais nos explicam determinados assuntos e nos esclarecem acerca das mais variadas situações. Isso ajuda-nos a compreender o que nos rodeia. Tanto o que está mais perto de nós como o que acontece em locais mais distantes.

Em suma, não é certo dizer que os media são naturalmente maus, com efeitos negativos, para a sociedade. Tudo depende do conteúdo das mensagens.



«Hoje, os media não se limitam simplesmente a transmitir notícias.

A televisão tornou-se parte dos eventos que ela cobre.

Ela mudou a maneira pela qual o mundo reage às situações de crise»

Broutros- Boutros Ghali, em 1983


Desde cedo se compreendeu o poder do qual a televisão era detentora e nasce a ideia da omnipotência deste meio. Transformou-se na nossa janela para o mundo e tornou clara a identidade de cada país ao transmitir programas em língua nacional. Ela é, talvez, o mais importante meio de comunicação, pois é aquele que chega verdadeiramente a toda a gente, de todas as classes sociais e de todas as faixas etárias.

A televisão permite-nos ver e ouvir a realidade. Ao longo dos tempos, e quase sem darmos por isso, tornou-se uma das principais fontes de construção da realidade ao mostrar diferentes modos e estilos de vida, comportamentos e opiniões. A comunicação televisiva é vista como uma mistura de realidade e ficção, confundindo, por vezes, uma com a outra ao transformar a vida em espectáculo permitindo assim um maior envolvimento do espectador. O próprio recurso ao directo é por vezes desmedido e sem razão de ser. O directo mostra o acontecimento a suceder naquele exacto momento em que estamos a vê-lo através do pequeno ecrã. E todos os dias as pessoas são convidadas para encontros com a actualidade. A televisão torna assim a sua presença «totalizante».

Os telejornais são um conjunto de pequenas histórias previamente seleccionadas e organizadas com o objectivo de captar e prender o espectador do início ao fim, fazendo com que o seu interesse pelos conteúdos seja constante. «Orquestrar uma sequência interessante de notícias torna-se, assim, um objectivo dominante de produção»118 e fá-lo para cativar o maior número de pessoas possível. Ora, os alinhamentos dos jornais televisivos são feitos em função das audiências o que leva ao recurso a casos dramáticos com imagens dramáticas. Não se pode descurar o facto de, cada vez mais, os telejornais serem elaborados como um espectáculo. A comprovar está a disputa pelo exclusivo, entre os vários canais televisivos, que por sua vez leva ao aparecimento de fait divers. Desta forma, «o modelo circunspecto do jornal de referência, que concebia a notícia como um bem de interesse público, foi cedendo terreno a concepções integradas por um conceito global da televisão como espaço de divertimento.»119 A primeira notícia de cada telejornal é, portanto, a mais importante entre todas as outras, a que determina se a audiência continua a assistir ou se muda de canal.

Na perspectiva de Nuno Goulart Brandão o apresentador, o pivot, é um elemento de extrema importância, pois está olhos nos olhos com o espectador guiando-o e tentando criar uma identificação entre ambos ao dar diferentes tons às notícias consoante o teor de cada uma. Desta forma, «depois de uma apresentação geral do acontecimento ele anuncia a chegada das imagens, e o seu olhar afasta-se, então, do meu: para ele, tal como para mim, as imagens vão aparecer. Ele captou o meu olhar no seu, e o dispositivo está preparado para que eu, face a um pequeno ecrã, onde se revelam factos, perante as mesmas dificuldades e as mesmas preocupações que provocam a actualidade grave no mundo. Tudo está preparado, em suma, para a identificação».120 O pivot entra, através da «caixinha mágica» que é a televisão, em nossas casas todos os dias. É, de facto, ele que nos guia pelos acontecimentos que, considerados os mais importantes pelos media, se tornam também os mais importantes para nós.

As imagens transmitidas pelo pequeno ecrã, aparentemente inocente, assumidas como reais, acabam por tornar-se de facto realidade à medida que o espectador as vê. A televisão faz com que as pessoas se vejam a si próprias como parte de um todo, convertendo-se num instrumento de liberdade, uma vez que é partilhada por todas as classes sociais e grupos etários. Logo, reforça a sensação de igualdade entre todos e em consequência disso torna-se no elo de ligação entre eles.

Mas reflicta-se, por instantes, sobre esta questão da igualdade mencionada e que não é, hoje em dia, assim tão igual. Quando a televisão apareceu pensou-se que ela tornaria os telespectadores iguais, mas a realidade revelou-se diferente. «Supostamente a televisão nivelaria, homogeneizaria pouco a pouco os telespectadores»121, pois o número de espectadores que assiste ao telejornal é muito maior do que os que ouvem a rádio e/ou lêem os jornais. A televisão chega a todos os cantos, mas é necessário não descurar que os canais temáticos, por cabo, são apenas acessíveis a quem tem algum poder económico. Assim estes continuam a instruir-se ao passo que os de menos recursos, que deveriam ser quem mais beneficia com a televisão, têm de contentar-se com «programações muitas vezes “indigentes”, que os entretêm, se calhar até os divertem, mas cujo “resíduo sólido” é positivamente nulo.»122

No entanto, e como refere Pierre Bourdieu, «a televisão dos anos 50 queria-se cultural e servia-se de algum modo do seu monopólio para impor todos os produtos com pretensões culturais (…) e formar os gostos do grande público», e não estava ainda presente no jornalismo. Já a «televisão dos anos 90 visa explorar e lisonjear esses gostos para atingir a audiência mais ampla possível, oferecendo aos telespectadores produtos em bruto, cujo paradigma é o talk show, fatias da vida, exibições sem véu de experiências vividas, muitas vezes extremas e de molde a satisfazerem uma espécie de voyeurismo e de exibicionismo.»123 Exemplo disto é o, ainda presente na nossa memória, Big Brother e outros programas semelhantes.

De acordo com o autor, a televisão que «pretende ser um instrumento de registo, torna-se instrumento de criação de realidade», facto que nos conduz «para universos em que o mundo social é descrito-prescrito pela televisão, em que esta se transforma no árbitro do acesso à existência social e política».124

Quando se fala em televisão, há um conceito que sobressai e do qual é inevitável falar: a audiência. É em função dela que no presente os meios de comunicação decidem o que transmitir. Esta noção tem vindo a mudar, muito por culpa dos avanços tecnológicos e da evolução dos meios jornalísticos. Entende-se por audiência um conjunto de pessoas que lêem, ouvem, vêem as mensagens dos media. Alguns autores referem que a audiência é «uma resposta dividida entre audiência-mercado ou audiência-público.»125

Hoje em dia, assistimos à preferência, das empresas televisivas, pela função económica em detrimento da função social, deixando assim de parte o seu papel pedagógico. Agora os seus conteúdos centram-se no ritmo de vida das pessoas ao elaborarem programas para toda a família ao invés de serem dirigidos a pequenos grupos. Quase tudo se resume às audiências e em cativá-las seja de que forma e a que custo for.

Actualmente, a televisão guiada «pelos níveis de audiência contribui para fazer pesar sobre o consumidor supostamente livre e esclarecido as coacções do mercado, que nada têm da expressão democrática de uma opinião colectiva esclarecida, racional, de uma razão pública»126. A televisão tornou-se assim «um objecto comercial que responde a uma forte procura social»127. Já não se baseia na oferta e passa a basear-se na procura, privilegiando o registo da emoção, do espectáculo e do prazer. O espectador passa a ser visto como consumidor pois o que interessa, mais que uma qualquer outra coisa, é a audiência, vista como uma reacção aos vários conteúdos. Não se reflecte acerca do que o espectador pensa ou sente quando vê determinado programa, as atenções estão focadas apenas nos lucros.

O que acontece com os meios de comunicação de hoje é que eles pensam na sociedade de acordo com o poder dominante (visão mercantil onde os lucros têm supremacia) o que obriga os interesses do público a decair para o segundo lugar. A vertente comercial ganha terreno e perdem lugar as funções de informar e formar. Assim, pode tirar-se daqui uma conclusão: o importante é que o público consuma o que lhe é apresentado e não que esteja informado.

O ideal seria um jornalismo televisivo de qualidade onde os interesses do público estivessem acima de qualquer coisa. No entanto, todos somos testemunhas que aquilo que está a ocorrer é precisamente o contrário. «Pois o que hoje acontece é que a televisão estereotipa a visão da realidade, ao não dispor de demasiado espaço para todas as informações.»128 Não haver lugar para tudo significa que tem que se escolher e actualmente opta-se em tornar notícia os acontecimentos mais capazes de chamar a atenção da audiência, com imagens emocionantes, que surpreendam e choquem.

O nível da qualidade dos programas foi baixando (basta olhar para os ecrãs para nos apercebermos disso) à medida que os vários canais foram produzindo conteúdos mais sensacionalistas. O objectivo é claro: conseguir obter a maior audiência possível. Assim, quando um programa não consegue fazer com que um número razoável de pessoas assistam (apenas os números contam), é retirado da grelha de programação.

Já se ouviu afirmar que a audiência mostra os que as pessoas gostam de ver, as suas preferências, mas tal afirmação não corresponde à realidade. Através da audiência pode saber-se quantas pessoas viram o programa A ou B, mas ela não esclarece quanto ao que as pessoas gostariam de estar a ver àquela hora. Segundo Umberto Eco «não é verdade (ou pelo menos não é unilateralmente verdade) que a TV, enquanto “serviço” que uma entidade presta ao público, se deva adequar aos gostos e às exigências deste público (…) a TV, mais do que responder a pedidos, cria exigências.»129 Corre-se o risco de ser privilegiado o espectáculo e de se esquecer o rigor da mensagem informativa.

Mas além da audiência, a concorrência tal como a tecnologia influenciam a informação televisiva, pois se a primeira implica que os canais estejam em constante luta pelo melhor número de audiências, condicionando desta forma o trabalho do jornalista; a segunda não pode ser apenas vista do ângulo meramente técnico, é indispensável ter em mente que sem as notícias a realidade é praticamente desconhecida.

Quanto à concorrência é importante referir que ela existe a vários níveis. Ela pressiona os jornalistas e condiciona o seu trabalho. Existe a concorrência entre os jornais e a televisão e a concorrência entre os vários canais de existentes. Há programas que vemos num determinado canal e que apenas existem para tentar superar os dos canais concorrentes e desta forma conseguir uma audiência mais vasta. Cada canal vigia os restantes e esta constante luta pelas audiências também condiciona a qualidade e o rigor jornalístico, mas também faz com que existam programas semelhantes a competir no mesmo horário.

É o apelo ao sensacionalismo, à dramatização, ao espectáculo. Busca-se o lado mais negro das notícias. Dá-se um grande relevo às catástrofes da natureza, da história e da natureza humana. Não se mostra apenas a imagem, explora-se, exagera-se para que seja mais importante, mais grave, mais sensacional, o que leva a uma invasão desmesurada da vida privada dos cidadãos, bem como da sua intimidade. Grande parte das notícias dos telejornais são negativas, estas deveriam ser a excepção mas são cada vez mais a regra.

Foram identificadas quatro principais razões para a escolha deste tipo de notícia: satisfazem com maior facilidade o critério de frequência; são mais consensuais e claras, não havendo grande discrepância nas várias interpretações do acontecimento; as notícias negativas são mais uniformes, «importa é que as notícias negativas preencham algumas necessidades latentes ou manifestas e de que muitas têm essas necessidades»130; finalmente, estas notícias são mais inesperadas do que as positivas.

Esquece-se que o principal papel da informação é o «reconhecimento da importância que tem para se agir, por meio dela, sobre os cidadãos.»131 Isto é, a aproximação dos públicos através de conteúdos diversificados que apele ao seu interesse, para que seja possível a descoberta de novas realidades e novas realizações. No entanto, hoje em dia verifica-se que o público é encarado como audiência/mercadoria, «a TV não é uma janela para o mundo, mas sim uma janela sobre o consumidor».132

Como já referido anteriormente, os jornalistas decidem o que é importante em relação ao que eles consideram importante. Ou seja, partem do princípio que o que tem interesse para eles tem também interesse para as outras pessoas. Isto é, não se limitam a escolher o que é do seu interesse pessoal mas aquilo que eles supõem ser de interesse público, pois este é o elemento basilar na escolha das notícias. Aquilo que os profissionais dos media pensam que desperta a atenção do público será o que irão transmitir e este critério de apenas transmitir conteúdos, sobre temas e acontecimentos importantes, que mais se usa. Vêem os acontecimentos à sua maneira, de forma subjectiva, embora muitas vezes não o façam de propósito. No entanto, o que pode ser trivial para outros indivíduos pode ser, a seus olhos, algo original. A nossa personalidade, a nossa cultura e a nossa história condicionam a nossa forma de pensar, agir, de fazer as coisas. Pode falar-se em nove critérios aos quais o gatekeeper se socorre para decidir o que pode ser notícia e de forma a dar resposta à necessidade de produzir informação diariamente: «momento do acontecimento; intensidade; clareza; proximidade; consonância; surpresa; continuidade; composição; e valores socioculturais».133

A busca pelo excepcional leva a que, por vezes, se transforme o quotidiano em extraordinário, o que pode originar um problema já identificado por sociólogos que consiste no facto de se «tornar extraordinário o habitual; evocar o habitual de tal maneira que as pessoas vejam a que ponto o habitual é extraordinário.» 134

Há fortes tensões entre os jornalistas, disse Pierre Bourdieu, pois há jornalistas que querem defender valores como autonomia e liberdade, mas outros há que se submetem à tirania das audiências. O profissional dos media não é completamente livre de seleccionar e produzir as suas notícias, os seus conteúdos. Ele sofre pressões, limitações e imposições. Para Bourdieu, a televisão tem duas facetas pois «os actores sociais, ao mesmo tempo que têm as aparências da importância, da liberdade, da autonomia e, por vezes, até uma aura extraordinária (basta lermos os jornais da televisão), são fantoches de uma necessidade que é preciso descrever, de uma estrutura que é preciso detectar e trazer ao luz do dia.»135

Os canais públicos são aqueles que mais do que quaisquer outros deveriam seguir os critérios base do jornalismo, de informar, formar, de prestar atenção aos verdadeiros interesses do público, olhar para um espectador-cidadão e não para um espectador-consumidor. Um jornalismo que «não se limite a olhar para a superfície, mas, pelo contrário, que aprofunde os problemas e identifique as causas, na relação que tem com o mercado, sobretudo com os cidadãos, e que compõem a vida social.»136 No entanto, quando se fala nesta disputa pelas audiências associa-se sobretudo aos canais privados, a verdade é que também os canais públicos foram arrastados por ela.

Dominique Wolton defende uma grelha de programas da televisão generalista completa em horários e géneros para então chegar a todos os possíveis tipos de públicos. Se assim não for a sua missão de espelho e de elo entre os vários grupos sociais não é cumprida. Para Wolton «quanto mais a televisão for generalista, em sintonia com múltiplos componentes da sociedade, melhor desempenhará o seu papel. (…) é fundamental para os componentes sociais e culturais da sociedade se possam encontrar e rever no principal meio de comunicação social».137

A televisão cria opções e combina diversos aspectos culturais e, desta forma, constrói a nossa identidade. É instantânea, pois os acontecimentos surgem diante nós muito pouco tempo depois de terem ocorrido, e encurta distância, colocando-nos imediatamente frente a outros e vice-versa. Pode então dizer-se que estamos perante uma «sociedade em directo»138, onde vemos tudo e todos a qualquer hora. O pequeno ecrã torna presente coisas que já aconteceram, pois quando se está a assistir a um certo acontecimento ele está de facto a passar-se naquele momento diante dos olhos do espectador. Em suma, o aparecimento das televisões privadas ditou o afastamento da função social, o mais importante passou ser criar as condições para que os operadores privados pudessem subsistir.

No caso português assistimos à crescente semelhança da RTP com a SIC e TVI. Actualmente a programação de todos estes canais funciona em função da rentabilidade. Se um programa não tiver um razoavelmente bom nível de audiências o mais provável, para não dizer o certo, é que o programa termine. A lógica de mercado condiciona toda a grelha televisiva.

A televisão não é um meio de comunicação autónomo uma vez que está sujeita a limitações e às inúmeras pressões, entre jornalistas, destes com os editores, produtores e empresas, da concorrência, do tempo, do espaço…A informação-espectáculo a que hoje assistimos faz com que nos telejornais predominem notícias sobre acidentes, catástrofes, violência, droga, assaltos, crimes… É a escolha das notícias choque.

Não se quer aborrecer os espectadores pois eles não o tolerariam e depressa mudariam de canal ou desligariam a televisão. Ora, quer isto dizer que na televisão há uma preocupação constante em entreter, em divertir o público e esta preocupação surge não apenas no que se refere aos programas mas também às notícias, às reportagens, às entrevistas… Se forem enfadonhas, ninguém as quererá ver, pensam as estações televisivas. Assim não se pode tornar notícia, entrevista ou reportagem um acontecimento qualquer. Para que tal aconteça, o acontecimento tem que ser interessante, e se o não for tem que ser capaz de se tornar chamativo após o tratamento da notícia. Se se souber que determinada notícia não será capaz de prender as pessoas ao ecrã, rapidamente desaparecerá do alinhamento do telejornal. Para o canal que apenas tem os lucros na mira, a informação não deve apenas informar mas também entreter.

Por isso vemos, hoje em dia, diversas situações tornarem-se em autênticas “notícia-telenovelas”, como são os casos Casa Pia, Maddie, e os recentes assassinatos de Alexandra Neno e Diogo Ferreira, a 29 de Fevereiro, entre muito outros. Falo deste último pois por esta altura eu já havia iniciado o meu estágio na SIC e pude verificar como sucedem as coisas um pouco melhor do que o fazia enquanto mera espectadora. Embora de menor dimensão que os dois primeiros, o assassinato destas duas pessoas demonstra bem o tratamento de informação pelos media transformando os acontecimentos numa espécie de “novela”, como há pouco referi, mas revela também que há muitas pessoas gostam disso, prova disso são os níveis de audiência.

Na época, estava na primeira fase de estágio na Agenda, da SIC, onde se agendam acontecimentos marcados com alguma antecedência e onde se recebem os telefonemas de várias pessoas que pretendem dar a conhecer uma determinada situação. É a partir daqui que se fazem grande parte das notícias. Lembro-me bem do dia em que vi nos jornais escritos e no telejornal da SIC (os outros não tive a oportunidade de assistir) e dos dias que se seguiram. Falou-se na noite do acontecimento, da ligação entre as duas mortes, da vida de cada um (particularmente no caso de Alexandra Neno). Havia tudo o que é necessário para prender a atenção dos telespectadores: o drama com contornos diferentes (as duas pessoas foram mortas na mesma noite e diz-se que pela mesma pessoa).

No entanto, as empresas jornalísticas não são as únicas responsáveis por esta exploração dos acontecimentos. O público, as pessoas gostam disso. Enquanto estava na Agenda atendi alguns telefonemas de amigos de Diogo Ferreira a informar a estação de que fariam uma vigília em nome deste à hora y do dia x. Queriam que isso fosse notícia pois, como muitas pessoas me disseram pelo telefone, “se seguiram até agora, devem continuar a fazê-lo”.

Durante a minha estadia nesta secção da SIC, muitas vezes falei com pessoas, sobretudo as mais velhas que são quem mais tempo passa em frente à televisão. Algumas reclamavam de uma determinada notícia, por esta ou aquela razão, falavam verdadeiramente irritadas (por vezes sem motivo), outras porque gostaram daquela notícia, ou entrevista, ou reportagem. Posto isto, penso que posso afirmar que a televisão envolve mais as pessoas. Claro que os leitores dos jornais e os ouvintes de rádio também mostram o seu agrado e desagrado. Mas a televisão é vivida mais intensamente, ela envolve dois importantes sentidos: a audição e a visão. Nós vemos e ouvimos o que ela emite e talvez por isso ela se torne tão importante. Além de ouvir, vemos as coisas acontecer, sem pensar muito se a realidade a que assistimos é uma realidade construída ou não. Parte-se do princípio que é a realidade verdadeira pois vemos as coisas acontecer e se vemos é porque elas realmente assim aconteceram. As pessoas, de um modo geral, ainda não se habituaram a duvidar das imagens. Hoje em dia já se duvida das palavras, mas a imagem (principalmente a imagem filmada) ainda é tida como verdadeira, excepto em filmes ou publicidade.

Capítulo V


A Manipulação das palavras
É a palavra que faz do ser humano um ser social. A organização da sociedade em que vivemos só foi possível graças à palavra. Ao comunicar realizamos diferentes intenções comunicativas indispensáveis à nossa sobrevivência e ao nosso sucesso em sociedade. Já na Grécia e na Roma antigas a palavra ocupava um lugar primordial relativamente a todos os outros instrumentos de poder. «A palavra torna-se o instrumento político por excelência, a chave de toda a autoridade do estado, o meio de comando e de dominação sobre outrem139 No século XX a palavra tornada técnica constitui a arma essencial no novo império do convencer. No mundo dos negócios, das instituições e dos meios de comunicação de massas regista-se um esforço constante em dominar o público através do uso da palavra. Os objectivos daqueles que querem vencer a todo o custo são alcançados não tanto pelo força argumentativa das suas mensagens como pelo carácter manipulador das mesmas. É nas sociedades ditas “sociedades de comunicação” e democráticas que o recurso às técnicas manipuladoras, conhecidas essencialmente por propaganda e desinformação têm encontrado terreno propício ao seu desenvolvimento.

O desenvolvimento da manipulação da palavra está paradoxalmente ligado a um maior grau do nível de informação do público. A necessidade de convencer surge no nosso século sobretudo porque o público, com um maior grau de escolarização é capaz de descodificar as mensagens e de resistir à tentativa de manipulação. Daí que as técnicas de manipulação dos que querem vencer a todo o custo têm que ser suficientemente eficazes para domesticar um público cada vez mais atento, mais informado, mais crítico e mais desconfiado da palavra.

A publicidade, não só a das marcas comerciais mas também a política e das causas humanitárias, procura seduzir o seu alvo, provocando nele um determinado comportamento A esteticização da mensagem vem assumir na publicidade e na comunicação uma importância maior em detrimento do seu conteúdo. Pretende-se convencer pela forma através da sedução estética.

A manipulação da informação tornou-se também muito evidente por intermédio da propaganda política. Ela ocorreu de forma sistemática durante as duas guerras mundiais sob a forma de desinformação. A década de 90 dá início à era das grandes manipulações nos meios de comunicação social. A Guerra do Golfo é disso um exemplo. Um conjunto de actos manipulatórios consistia essencialmente em desinformações ao serviço da influência exercida nos países ocidentais. Nesta altura os grandes demagogos alcançam grandes êxitos eleitorais conseguidos através da manipulação do discurso. O clima político deteriora-se e instaura-se a desconfiança.

A propaganda e a desinformação são as técnicas manipulatórias que mais têm proliferado na nossa sociedade sobretudo a partir dos inícios do século. Curiosamente, é nas sociedades ditas “sociedades de comunicação” e democráticas que a manipulação da palavra tem encontrado um terreno mais propício ao seu desenvolvimento. Com os avanços tecnológicos e a difusão dos meios de comunicação social, as técnicas de manipulação difundem-se não só no espaço político e da publicidade como nas relações públicas interpessoais. A manipulação exercida quer a nível cognitivo quer a nível afectivo constitui uma acção violenta que subjuga o seu alvo e o priva de liberdade. A mensagem age para o iludir e induzir em erro. Procura-se de forma dissimulada atingir o indivíduo de forma a moldar a sua maneira de pensar e o seu comportamento e impedir que reflicta, que questione e adopte uma posição determinada pelo seu raciocínio sem que se aperceba das artimanhas utilizadas para o efeito… A manipulação surge assim como uma armadilha ou uma teia que aprisiona as suas vítimas, privando-as de formular os seus próprios juízos. O aspecto fundamental da manipulação é o seu carácter dissimulatório. Antes de mais, pretende-se fazer crer ao interlocutor que ele é livre. Se de qualquer forma o alvo resiste, há que identificar essa resistência de modo a poder suprimi-la e obrigá-lo a render-se «Manipular consiste, de facto, em paralisar o juízo e em tudo fazer para que o receptor abra ele próprio a sua porta mental a um conteúdo que de outro modo não aprovaria.»140

O termo desinformação surge invariavelmente associado à manipulação. A desinformação, sob a capa de informação verdadeira e verificada é na verdade uma informação distorcida ou parcialmente oculta, uma verdade construída de forma a torná-la crível; um jogo de verdades e mentiras

A mobilização dos afectos serve a actividade manipulatória, procurando intervir na relação emissor-receptor através do recurso aos valores e da modelação estética da mensagem, de forma a que o seu receptor aceite o que lhe é imposto sem o pôr em causa. A modelação estética da mensagem pode passar pela apresentação de um discurso claro, pela repetição da mensagem, criando assim uma sensação de evidência factual ou ainda pela utilização de recursos estilísticos. O recurso aos sentimentos revela-se não raras vezes bastante eficiente. Há ainda a considerar o recurso à amálgama afectiva que consiste numa mistura de um elemento com um elemento exterior sem relação imediata.

A desinformação, uma das técnicas da manipulação a nível cognitivo recorre a uma forma sistemática ao reenquadramento manipulatório, um dos poderosos recursos da argumentação que consiste numa determinada forma de ordenar os factos, jogando subtilmente com uma mistura de informações verdadeiras e falsas A imagem da realidade surge assim deformada. A Guerra do Golfo foi um período de intensa produção de reenquadramentos manipulatórios. Esta técnica de manipulação cognitiva pode apresentar uma das vertentes seguintes: transformar o verdadeiro em falso, orientar os factos deformando a realidade ou dissimular uma parte dos factos. Uma outra técnica importante ao serviço da manipulação cognitiva é o “amálgama cognitivo”. Trata-se de uma colagem artificial de palavras entre as quais se pretende estabelecer ligações que na realidade não existem.

A desinformação é uma das principais fragilidades da “sociedade de informação” na qual os meios de comunicação social ganham papel preponderante.

A Mistura de informações verdadeiras e falsas podem estar na base de decisões com graves consequências na vida dos cidadãos

.

O uso das técnicas de manipulação da palavra pode produzir efeitos nefastos nos nexos sociais na nossa sociedade e na natureza da nossa democracia. De entre esses efeitos, salienta-se o retraimento pessoal, o individualismo e a dessincronização social.



A manipulação pode na verdade causar efeitos diversos no seu alvo. Por vezes as estratégias de manipulação tão habilmente montadas falham quando os indivíduos conseguem descodificar a intenção comunicativa e consequentemente resistem a essa tentativa. Frequentemente, porém, os indivíduos não oferecem grande resistência e de uma forma inconsciente acabam por aceitar a informação veiculada sem a pôr em causa. Outras vezes, porém, acontece que o indivíduo, consciente dessa actividade manipulatória, adopta uma atitude de alheamento já que não possui essa capacidade de descodificação da mensagem, gerando-se assim uma crise de confiança com graves repercussões na sociedade. A manipulação pode assim ter consequências nefastas na nossa vida, sobretudo quando as suas artimanhas não produzem os efeitos pretendidos, isto é, quando não conseguem manipular-nos.

Podemos falar ainda de efeitos indirectos da manipulação, que têm a ver com um reconhecimento da manipulação enquanto fenómeno natural e inevitável e uma consequente acomodação por parte do manipulado, que se sente amparado e orientado pelo seu manipulador. Surge assim o homem «extrodeterminado»141 em oposição ao homem «intradeterminado». Este novo homem é um ser social que se adapta ao que recebe do exterior e que jamais encara os actos manipulatórios como entraves à sua própria liberdade. Trata-se de um ser vazio que renuncia à sua capacidade de reflexão crítica e de decisão, já que outros o fazem por ele.

Existem duas razões principais pelas quais nós devemos lutar contra a manipulação. Em primeiro lugar, ela constitui uma ameaça à democracia, pois priva o indivíduo da liberdade da palavra. Em segundo lugar, a manipulação constitui também um atentado contra a dignidade humana, pois transforma o homem numa autêntica marioneta, oco de consciência, de capacidade reflexiva e decisiva. A manipulação torna a democracia como um processo inacabado e inatingível, pelo que nos vemos como seres sociais com uma liberdade limitada.
Andreas Freund propõe uma tipologia das palavras que funcionam como carris mentais. São palavras armadilhadas que nos levam a ver uma realidade distorcida. Os carris mentais encaminham o nosso pensamento por uma determinada via.

O Poder da Imagem


O termo manipular tem a sua origem no latim e resulta da combinação do termo manus, que significa mão, e do termo pleo, que significa encher, significando aquilo que a mão leva ou contém. Se nos reportarmos à etimologia da palavra, verificaremos que a mesma não se encontra imbuída da carga semântica negativa que lhe é atribuída actualmente. Manipular, hoje em dia, implica distorcer deliberadamente a informação de forma a alcançar determinados propósitos. Essa adulteração dos factos é tanto mais grave quanto maior for o seu contributo para o condicionamento da capacidade crítica daquele que é manipulado. Sempre que os factos são omitidos ou distorcidos pelos media, a notícia despe-se dos seus naturais atributos ( a clareza, a objectividade, a imparcialidade ) e veste o manto da desinformação, do condicionamento, da falsificação, do engano. Mas manipular factos não se confina ao uso da palavra mas também ao uso da imagem.

Quando se fala em manipulação da informação há dois elementos a ter em conta: as palavras, agora analisadas, e as imagens, que são o que torna a televisão no mais importante dos meios.

O poder da imagem e a expectativa de verdade que lhe estão associados são dois aspectos que devem nortear a nossa reflexão. Na verdade, as imagens são cruciais no domínio educativo pois constituem fontes explicitadoras dos conhecimentos a transmitir e fontes estimuladoras da memorização dos mesmos. As imagens são ao mesmo tempo um factor decisivo na construção das mentalidades e um reflexo da sociedade que as produz. Elas modelam e cimentam a nossa forma de ser, de estar, de ver e de pensar e ao mesmo tempo reflectem a sociedade em que vivemos.

A credibilidade da imagem é, para grande parte das pessoas, indubitavelmente superior à credibilidade da palavra. Isto porque o leitor ou o telespectador invariavelmente associa a imagem de algo com a sua existência. É muito comum ouvirmos alguém dizer que só acredita naquilo que vê. Ora aqui está a prova da relação imagem – existência - visão – crença. Mas poderemos dizer se uma imagem é verdadeira ou falsa? Antes de mais devemos verificar se se trata de uma imagem produzida ou uma imagem registada. Uma imagem de um quadro é com certeza diferente de uma fotografia. O grau de credibilidade não pode ser o mesmo já que a primeira pode ser uma reprodução de algo real, mas é frequentemente fruto da criatividade, da fantasia, ao passo que a segunda regista algo de concreto, de real, de autêntico. A única verdade que pode ser esperada é a resultante da concordância entre a imagem e a sua legenda. Assim, a veracidade ou a falsidade de uma imagem é determinada pela correspondência entre o que a imagem representa e o que é dito sobre o que ela representa. Então poderemos afirmar que a dificuldade em determinar a veracidade ou falsidade de uma imagem se situa mais ao nível da relação entre imagem e palavras do que ao nível da imagem propriamente dita. Este critério é também aplicável à imagem manipulada. Porém, alguns autores consideram que o contexto pode perfeitamente substituir o texto na compreensão da imagem apresentada bem como na determinação da sua veracidade. É o caso de algumas fotos em que a situação nos indica as expectativas de verdade que devemos ter em relação à imagem. A manipulação da imagem é uma estratégia a que muitos habilmente recorrem, plenamente conscientes do elevado grau de persuasão da imagem, da crescente facilidade em a manipular, da crescente dificuldade em detectar esse estratagema e da incapacidade de muitos de nós em se desprender do seu poder de atracção. Mas ao constatarmos a falsificação da informação que nos é transmitida cria-se um clima de desconfiança que poderá ter fortes repercussões no nosso dia-a-dia. O reconhecimento de um caso de manipulação pode levar o leitor ou o telespectador à desconfiança sistemática. Ele poderá adoptar a postura de alguém que confia mas sempre desconfiando. Então valerá a pena recorrer a tais subterfúgios e ludibriar o receptor que até aqui confiou naquele cuja função era a de o informar objectiva e imparcialmente? Esta questão levanta duas outras essenciais: Que consequências sociais poderão advir do facto de desconfiarmos de tudo e de todos? E quais as consequências que poderão advir do facto de termos que dizer sempre a verdade? Acontece que não basta que uma notícia seja verdadeira para que seja transmitida. É imperioso que ela seja do interesse público. Berrier convida-nos a procurar as respostas às perguntas que se seguem antes de decidirmos se as informações verdadeiras devem ser ou não divulgadas:

1- A verdade coloca a segurança do estado e dos cidadãos em perigo?

2- Poderá alguma vida humana correr perigo se uma determinada informação for divulgada?

3- A informação serve ou prejudica o interesse público?

4- A informação corresponde à importante necessidade do conhecimento?

Capítulo VI

Estudo de Caso


- Martunis

Estudei o caso Martunis há cerca de dois anos e apesar da análise ter sido feita com base nos jornais escritos, penso que é pertinente apresentá-la, ainda que não exaustivamente, e referir as conclusões a que cheguei.

A 26 de Dezembro de 2004, correram o mundo notícias de um maremoto ocorrido no Sudeste Asiático. Rapidamente se percebeu que o Tsunami havia sido devastador, ceifando a vida a mais de 250 mil pessoas e deixando os sobreviventes sem os seus pertences e alguns sem família.

No meio de tanta adversidade e desgraça, foram acontecendo pequenos milagres, como é o caso do pequeno Martunis.

A 16 de Janeiro de 2005, aparece a deambular à beira-mar um menino de origem indonésia que foi encontrado por uma equipa da Sky News. Mas a criança, na altura de sete anos, envergava uma camisola da Selecção Nacional portuguesa de futebol, facto que lhe trouxe alguns benefícios com os quais o pequeno não sonhava sequer.

Rapidamente se tornou notícia nos jornais portugueses (rádio, imprensa e televisão) não só o facto de o rapaz ter sobrevivido tantos dias após o tsunami, contando apenas com a ajuda da sorte, mas também e sobretudo o facto de o rapaz que conseguiu vencer o maremoto ter vestida a camisola de Portugal. O país como que o adoptou, Martunis tornou-se um pouco português e é precisamente neste sentido que podemos falar de uma construção da realidade.

Ora, a teoria da construção da realidade diz-nos, como já referi anteriormente, que toda a realidade é construída, pois está sempre inserida numa determinada cultura que a condiciona. Assim os media influenciam-nos constantemente, e quase sempre sem nos apercebermos.

Sendo que a notícia será tanto mais ou menos noticiável consoante o impacto sobre a nação e o seu interesse nacional, no «caso Martunis» os meios de comunicação de massas trazem-nos a história de um menino que por ter vestida a camisola da equipa das quinas se torna um pouco português, emocionando assim mais facilmente o povo luso e fazendo com que queiram seguir a história.

Consegue-se uma proximidade na nível humano, o público interessa-se pois um rosto comove mais do que vários e ainda mais emociona o rosto de uma criança. Martunis aproximou o povo português do tsunami.

Em suma, falo aqui em construção da realidade não no que toca o drama do menino indonésio, que foi genuinamente real, mas sim relativamente no que diz respeito à sua ligação à Selecção e, consequentemente, a Portugal.

Vejamos alguns pequenos exemplos que mostram a evolução das notícias nacionais.

Nos primeiros dias temos notícias em que apenas se fala no milagre do menino que sobreviveu dezanove dias à própria sorte, mas nunca deixa de se mencionar que a criança trazia vestida a camisola de Portugal. Vejamos um exemplo do dia 16 Janeiro do DN «Martunis sobreviveu 19 dias tendo como agasalho a camisola da selecção portuguesa» era o lead, o objectivo era claro: cativar o leitor. No entanto o grosso da notícia falava das condições em que o menino foi encontrado, «uma criança de sete anos foi encontrada com vida (…). Martunis é o mais recente sobrevivente (…) assustado e mal nutrido».

No entanto, esta abordagem mudou: a Federação Portuguesa de Futebol, os jogadores decidiram ajudar. Começou a ‘promover-se’ a Selecção, a bondade de jogadores e dirigentes. Alguns excertos das notícias que se seguiram:

«O presidente da FPF, Gilberto Madaíl, (…) prometeu fazer chegar à família “apoio humanitários, ajuda financeira e também material desportivo.», «Scolari disse à SIC que quer convidar o rapaz indonésio para assistir a um jogo de qualificação da selecção nacional para o Mundial 2006», dizia o Público a 17 de Janeiro de 2005.

No mesmo dia, o DN noticia que a «Selecção vai pagar casa a Martunis» e afirma que «Camisola nacional vestida pela criança sobrevivente motiva onda de solidariedade».

Mas e se Martunis não tivesse vestida a camisola da selecção nacional portuguesa? Teria ele sido ajudado por jogadores e dirigentes? Bom, podia até ser que sim, embora me pareça muito pouco provável. Se o jovem indonésio tivesse uma outra camisola na altura do maremoto, podia até ser que se ajudasse o menino que sobreviveu durante dezanove dias no meio da devastação, mas nunca com tamanha intensidade.

Então e as outras pessoas, incluindo crianças, que, quis o destino, não envergavam camisolas de outras selecções de futebol de outros países?

Mais uma vez afirmo que este é um caso de construção da realidade por parte dos meios de comunicação de massa.

Nas televisões a situação foi semelhante, nas primeiras notícias o acontecido era relatado bastante objectivamente. Mas encontrou-se um rosto que aproximasse Portugal da tragédia que se abateu no Sudeste asiático. Um rosto que comoveu e prendeu muitas pessoas aos ecrãs, mas por detrás havia sempre a elevação da Selecção, da sua bondade.

- Madeleine McCann

O caso da menina inglesa é muito mais complexo do que o anterior.

Madeleine Beth McCann estava de férias no sul de Portugal com os seus pais, Kate e Gerry McCann, e os seus irmãos, os gémeos Sean e Amelie, quando a 3 de Maio de 2007 pelas 22 horas desapareceu.

«They’ve taken her! Something went wrong!», gritou Kate McCann quando se apercebeu que a menina não estava no apartamento, onde a tinham deixado a dormir juntamente com os seus irmãos.

Já li alguns livros, crónicas, já vi comentários na televisão e já ouvi várias pessoas (não especialistas) perguntar o mesmo que eu pergunto, sem encontrar resposta: eles quem?, levaram quem?.

A tese de rapto foi lançada precisamente por Kate, antes mesmo de se procurar nas imediações do Ocean Club, hotel onde os McCann estavam hospedados, pois a criança poderia ter saído pelo seu próprio pé e ter-se perdido. Antes de contactar as autoridades portugueses o mais rápido possível, os pais da pequena Madeleine encarregaram-se de telefonar para a Sky News. O Correio da Manhã chegou a anunciar que a primeira chamada que Gerry McCann fez foi para um velho amigo de faculdade, Allistair Clarke, que por sua vez era alguém muito próximo de Gordon Brown. A Guarda Nacional Republicana foi chamada apenas às 22 horas e 41 minutos. Começava aqui a investigação policial portuguesa mais mediática do mundo.

Quando a polícia chegou ao local, encontrou Kate sentada na cama onde a menina havia estado, com as mãos na cara e sem lágrimas, apenas em silêncio. Mais tarde, a 5 de Agosto no The Independent, a mãe de Madeleine explicou a sua reacção: «o medo tomou conta de mim».

O Ocean Club possuía um serviço de baby-sitting durante a noite, mas o casal McCann preferiu deixar três crianças menores e indefesas sozinhas e deslocar-se ao apartamento com regularidade. Afirmaram que pensavam que não havia problema.

No dia seguinte ao desaparecimento da menina, Kate faz um comovido apelo, pela Sky News, em português: «por favor, devolvam a nossa filha». Sem lágrimas.

Gerry e Kate McCann tornam-se «vedetas» para os meios de comunicação, que encontram neles e no acontecido a história perfeita: há drama, há proximidade com Portugal pois sucedeu cá, há importância uma vez que se trata do desaparecimento de uma criança, há um mistério para resolver. O espectador vai, com certeza, querer acompanhar tudo o que se fala, todos os pormenores, todas as evoluções.

A mediatização do caso foi de tal forma que várias pessoas famosas fizeram apelos na televisão entre as quais JK Rowling, Wayne Rooney, David Beckham e Robbie Williams. A 16 de Maio, quando se jogava a Taça UEFA, antes do início do jogo, o ecrã gigante mostra ao público um clip com imagens de Madeleine. Três dias depois a situação repete-se na disputa da Taça de Inglaterra entre o Chelsea e o Manchester United. O último livro de Harry Potter, vendido em todo o mundo, inclui um cartaz com o rosto da menina. Os McCann conseguiram até ser recebidos pelo Papa Bento XVI a 30 de Maio.

Mal se soube do desaparecimento da criança, os McCann iniciam uma incrível campanha junto da imprensa e diplomacia britânicas. O mundo agarra-se aos ecrãs e às páginas dos jornais para saber mais deste controverso, cheio de mistérios e contrariedades, desaparecimento. E a sua opinião vai mudando consoante o que é noticiado pelos meios de comunicação de massa.

As notícias, sobre este caso, dadas pelas três estações televisivas portuguesas não diferem muito entre si, embora umas mais sensacionalistas que outras claro. Assim, analisarei a informação noticiosa da SIC acerca da Madeleine, a sua evolução e o seu efeito nas opiniões dos telespectadores. Devo ainda explicar que para tal me socorro do site da estação para visualizar às notícias transmitidas pela estação (pelo que o texto é da SIC online mas está em conformidade com o texto da notícia televisiva, à qual também se pode aceder) e que estão apenas disponíveis a partir do dia 12 de Julho de 2007 até aos dias de hoje. Contudo, o período é suficiente para o meu estudo.

Desde que Madeleine McCann desapareceu, a 3 de Maio, que se estranhou o comportamento dos pais. No entanto, eles «coitados», diziam várias pessoas, perderam a filha e por isso eram vítimas. A população da Praia da Luz organizou uma celebração religiosa três dias após o desaparecimento e no dia onze uma vigília pela menina, na qual estiveram presentes cerca de 250 pessoas.

Pessoas em todo o país, em todo o mundo, iam rezando para que se encontrasse a criança. Os pais foram recebendo apoio de várias partes. Não se punha a hipótese de culpa destes pois estavam já a «sofrer de mais» com o sucedido. O facto de os pais não chorarem e parecerem até um pouco frios, devia-se à cultura inglesa. «Eles são mais frios», dizia-se, «estão só a tentar manter a calma, por dentro eles sofrem muito», ouvi várias vezes.

Bem, parece-me quando um pai e uma mãe perdem um filho choram, descabelam-se, gritam ou, pelo menos, tornam visível o seu sofrimento, não por vontade própria mas porque, mesmo que quisessem, a dor é tão forte que seria impossível esconder. E isto sendo eles de Inglaterra, de Portugal, da China, da Suécia, etc. Mas talvez eu fale sem saber e, admito, realmente não sei. Enquanto via as notícias sobre a pequena Madeleine, desde o início, ora acreditava ora desconfiava naqueles pais. O meu sentimento tinha duas faces sempre que ligava a televisão para saber mais, a certeza foi sempre uma apenas: eram culpados de deixar crianças tão novas e indefesas sozinhas.

Penso que o que aconteceu a grande parte das pessoas foi que, apesar não serem completamente a favor nem completamente contra os McCann, preferiram ver o seu lado de vítimas mesmo porque, até que se provasse o contrário, eles eram apenas culpados do crime de negligência, por deixarem as três crianças sozinhas no apartamento e o seu sofrimento pela falta da menina era genuíno.

A 12 de Julho de 2007 quando a SIC dá a notícia de «novas diligências na investigação do desaparecimento de Madeleine». Dos McCann diz-se que o casal havia recebido a informação de que tinha sido encontrado um cadáver e que a notícia foi desmentida em seguida deixando «os pais de Maddie tão abalados que os levou a pedir no blog, que mantêm na Internet, para não serem confrontados com suposições.»

No dia 17 do mesmo mês é avançado que «Kate e Gerry contam com J.K.Rowling na campanha para encontrar a filha». «Abatidos, mas Gerry e Kate McCann não perdem a esperança. No regresso de uma curta viagem a Inglaterra, onde visitaram um centro de apoio a vítimas de abuso infantil, Gerry desabafa que apesar de viver o desaparecimento da filha há dois meses e meio, só agora tem consciência da problemática do tráfico de crianças.», diz a notícia.

«Visivelmente mais magra, o rosto da mãe de Madeleine expressa o sofrimento por que tem passado durante os últimos meses. O site da Sky News faz referência a uma entrevista em que Kate se mostra arrependida por ter deixado os filhos sozinhos enquanto estava a jantar com os amigos», noticia a estação de Carnaxide, a 5 de Agosto do ano passado.

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