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Mill e Sen: convergências teóricas
Giliad de Souza Silva1

Róber Iturriet Avila2
RESUMO: Este artigo se propõe a apontar convergências teóricas entre John Stuart Mill e Amartya Sen. Para tanto, é desenvolvida a concepção de cada um acerca de como se dá o processo da produção em si, em termos de suas “leis gerais de produção” para o primeiro e de sua “eficiência produtiva”, para o segundo. Adicionalmente, é apontado que há semelhanças também na visão sobre a “repartição da riqueza” ou sobre a “iniquidade social”. Há confluência de pensamento, ainda, em relação a uma das maneiras de minimizar a desigualdade distributiva, através da “evolução moral” ou do “comprometimento dos indivíduos com a sociedade”. Deste modo, o objetivo do presente artigo é apontar as semelhanças nas visões dos dois autores de diferentes matizes teóricas.

Palavras-chave: John Stuart Mill. Amartya Sen. Distribuição.


1 Introdução
Nos cânones da ciência econômica, assentou-se a concepção de que os agentes econômicos participam do processo produtivo, contribuem para o bem comum e, em troca, recebem sua remuneração de acordo com sua produtividade marginal, ou contribuição incremental. De forma global, as relações econômicas amalgamam a organização social e a distribuição da riqueza, as quais regem a economia como um todo.

John Stuart Mill entende que o referido processo produtivo atente a leis gerais, válidas para toda e qualquer sociedade. Entretanto, no que tange a distribuição desta riqueza, o que rege são leis históricas, decorrentes de instituições humanas. A distribuição resulta, por sua vez, de convenções humanas, podendo ser reformada, enquanto que o processo produtivo tem leis próprias. Em face deste problema, Mill entende que uma maneira de minimizar as questões distributivas é a evolução moral das pessoas através da educação. De modo que suas índoles fossem melhoras, mitigando o egoísmo humano.

Perspectiva esta que se coaduna com a de Amartya Sen, autor que compreende que os mecanismos que regulam o processo produtivo, entendido como os mecanismos de mercado, são eficientes por si só, enquanto que, em contrapartida, os mecanismos que regulam a distribuição da riqueza, neste caso as "dotações iniciais", são pouco hábeis ou insuficientes. Esta má distribuição da riqueza está em conflito com um indivíduo que interage socialmente e que possui valores morais que o fazem sofrer com a injustiça.

Para ambos autores o processo produtivo é eficiente, ao contrário da distribuição do produto. Neste mesmo sentido, os dois autores podem ser enquadrados como reformadores sociais. Assim, o objetivo deste artigo é apontar as semelhanças nas visões dos autores de diferentes matizes teóricas e que culminam em concepções pouco distintas. Para tanto, a seção 2 explora os referidos temas na ótica de Mill. A seção 3; a de Sen. Na seção 4, estão registradas as considerações finais.

Através da leitura destes autores é possível resgatar algumas das questões anteriores à lógica de eficiência de mercado, particularmente no que se refere à submersão dos agentes econômicos em seu meio e suas limitações estruturais. Neste intento, o procedimento a ser adotado é o da fragmentação dos trechos em que os autores trataram sobre o objeto do presente estudo. Em face das limitações do trabalho, serão abordados apenas alguns materiais de ambos autores. Não será furtado o uso de transcrições literais do que os pensadores estudados firmaram. Deste modo, é possível enquadrar o estudo como de caráter bibliográfico.

2 A perspectiva milliana acerca da produção, da distribuição e das soluções para a relação entre elas

Na constituição da ciência econômica, houve a necessidade de efetuar uma construção abstrata e sólida que caracterizasse e simplificasse os seus pressupostos básicos. Para adquirir um caráter seguro na análise econômica, se impunha o isolamento de alguns dos elementos dispersos da realidade para que eles ficassem logicamente articulados. Ou seja, poucos fatos geradores seriam considerados e os demais descartados, por serem entendidos como de baixa relevância, ou então com ínfima capacidade explicativa (COSTA, 1986).

Era imperativa a formulação de proposições gerais, baseadas na observação e na consciência. Destas premissas, saem conclusões, verdadeiras a priori. Ou seja, conhecidas antes da experiência e que partem da hipótese inicial. O modelo hipotético-dedutivo é colocado como o mais adequado para a ciência econômica3. A partir de então, a abstração deve ser guiada por ao menos uma lei geral universal, juntamente com condições iniciais que constituam premissas, de maneira que explique os fenômenos dedutivamente.

Neste particular, assentou-se a concepção de que os agentes econômicos dividem o trabalho social e que, em contrapartida, recebem a remuneração de acordo com sua contribuição. É possível encontrar o nascedouro deste postulado em Adam Smith (1723-1790)

[...] cada indivíduo necessariamente se esforça por aumentar ao máximo possível a renda anual da sociedade. Geralmente, na realidade, ele não tenciona promover o interesse público nem sabe até que ponto o está promovendo. Ao preferir [...] visa apenas a seu próprio ganho e, neste, como em muitos outros casos, é levado como que por mão invisível a promover um objetivo que não fazia parte de suas intenções. Aliás, nem sempre é pior para a sociedade que esse objetivo não faça parte das intenções do indivíduo. Ao perseguir seus próprios interesses, o indivíduo muitas vezes promove o interesse da sociedade muito mais eficazmente do que quando tenciona realmente promovê-lo (SMITH, 1996, p.438).

Neste sentido, as relações econômicas amalgamam a organização social através da junção de habilidades, da cooperação das multidões, a qual permite o acesso a mais produtos aos membros de uma sociedade, já que cada indivíduo não precisa produzir tudo, e sim se dedicar em um ofício apenas, sendo mais produtivo do que na hipótese de fazer tudo o que necessita.

John Stuart Mill (1806-1873) também contribui para a construção metodológica da análise econômica e saúda a cooperação entre as partes:

Não há, pois, nenhum fato mais evidente da mudança progressiva que está ocorrendo na sociedade do que o crescimento contínuo do princípio e da prática de cooperação. Associações de indivíduos que voluntariamente juntam suas pequenas contribuições [...] (MILL, 1983a, p. 213).

O referido autor explica os fenômenos sociais a partir do comportamento individual, restringindo sua análise a fatores econômicos. Ainda assim, Mill visualizava o homem submerso numa rede de relações sociais.

Em assim procedendo, do ponto de vista teórico-abstrato, cada indivíduo que participa da produção social, tem o direito de recolher da sociedade um fragmento do trabalho dividido que corresponda a sua contribuição. Porém, mesmo no que toca o aspecto teórico, Mill tinha uma visão distinta de Smith. No pensamento milliano, a repartição da riqueza social não está relacionada com a contribuição incremental de cada indivíduo, mas com as leis e costumes de cada sociedade (PANORAMA, 1950). Mais do que isso, Mill segmentava as leis da produção e as leis da distribuição. As leis da produção eram entendidas da seguinte maneira:

As leis e as condições da produção da riqueza têm o caráter de verdades físicas. Não há nelas nada de opcional ou arbitrário. Tudo que a humanidade produzir, tem que ser produzido das maneiras e sob as condições impostas pela constituição de coisas externas e pelas propriedades inerentes a sua própria estrutura corporal e mental [...] Não temos o poder de alterar as propriedades últimas da matéria nem da mente; podemos apenas fazer uso dessas propriedades com maior ou menor sucesso, para produzir os resultados em que estamos interessados (MILL, 1983, p. 181)

Entretanto, na esfera da distribuição, a lógica se processa de maneira distinta:



Não acontece o mesmo com a distribuição da riqueza. Esta é exclusivamente uma questão de instituições humanas. Com as coisas que existem, a humanidade, individual ou coletivamente, pode fazer o que quiser. Pode colocá-las à disposição de quem quiser e sob as condições que quiser [...] mesmo aquilo que uma pessoa produziu com seu próprio suor, sem ajuda de ninguém, não pode retê-lo como seu, a não ser com a permissão da sociedade [...] Eis por que a distribuição da riqueza depende das leis e dos costumes da sociedade. As normas que regem essa distribuição dão aquelas que as opiniões e os sentimentos dos governantes da comunidade criarem, variando elas muito conforme a diversidade de épocas e países [...] (MILL, 1983, p. 181, grifos acrescidos).

O processo produtivo atente a leis gerais, válidas para toda e qualquer sociedade e por isso podem ser aceitas e generalizadas, tal como é feito efetuar nas construções abstratas que simplificam a realidade em pressupostos básicos.

Em assim se caracterizando, o processo produtivo, na ótica milliana, deve estar sob os ditames da livre concorrência, uma vez que este é o melhor arranjo social de produção (PANORAMA, 1950). Entretanto, no que tange a distribuição desta riqueza ou repartição do valor, são leis históricas que a regem, decorrentes de instituições humanas. Em sua autobiografia, ao expor sua visão, Mill destaca seu tom diferenciado ao tratar desta questão, acentuando, ainda, que o homem pode mudar esta situação:

Este tono consistía principalmente en hacer la distincíon propia entre la ley de la produccíon de la riqueza – que son leyes reales de la Naturaleza, dependientes de las propriedades de los objetos – y los modos de su distribución, los cuales, sujetos a ciertas condiciones, dependen de la voluntad humana. El vulgo de los economistas confunde ambos bajo la designación de leyes económicas, que consideran incapaces de ser destruídas o modificadas por el esfuerzo humano [...] Dadas ciertas instituiciones y costumbres, los salarios, los beneficios y las rentas serán determinados por ciertas causas […] La obra se ocupa de las generalizaciones económicas que no dependen de las necesidades de la Naturaleza, sino que dependen de las necesidades combinadas con la organización actual de la sociedad, tan sólo como provisionales y considerándolas como sujeitas a grandes modificaciones por el progreso del mejoramiento social (MILL, 1943, p.147, grifos acrescidos).

Neste sentido, Mill deixa claro que as leis da economia não estão relacionadas com a distribuição, e, em sua perspectiva, a distribuição da produção entre os componentes de uma sociedade não é regida por leis imutáveis; ao contrário.

Não há dúvida de que as opiniões e os sentimentos da humanidade não dependem do acaso. São conseqüências das leis fundamentais da natureza humana, combinadas com o estado atual do conhecimento e da experiência, bem como à condição atual das instituições sociais e da cultura intelectual e moral. (MILL, 1983, p. 182).

O autor pontua ainda que a forma como a riqueza é distribuída é um resultado de uma escolha da humanidade. Em suas palavras: “a sociedade pode fazer com que a distribuição da riqueza esteja sujeita a quaisquer normas que melhor achar” (MILL, 1983, p. 182). Desta asserção, Mill conclui que se a pobreza existe é porque os individuas a aceitam e toleram.

Mill vai além, embora não chegue a ignorar a relação oferta e demanda na determinação dos salários, postula que a própria remuneração das atividades profissionais têm influência decisiva advinda dos hábitos e costumes: “toda a remuneração profissional é regulada por costumes” (MILL, 1983, p. 214).

O costume, portanto, prevalece sobre a concorrência. A referida prevalescência chega a tal ponto que, para ele, nos locais onde a remuneração é menor, a explicação está no contentamento das pessoas com uma menor remuneração. No tempo em que o autor entende que não é a concorrência que determina a distribuição e sim os costumes, generaliza tal postulado às demais remunerações: “o costume do país é a norma universal; ninguém pensa em aumentar ou diminuir aluguéis, ou de arrendar terras em outras condições que não as costumeiras” (MILL, 1983, p. 213).

Em face a estas constatações, Mill se descobre um “reformador do mundo”. Seu espírito transformador se torna nítido enquanto, sob seu prisma, a sociedade não mais deveria ser divida em classes. Para tanto, os frutos do trabalho deveriam ser distribuídos equanimente entre a coletividade (SILVA; COUTO, 2009).

Tinha Mill em mente uma sociedade em que a distribuição iníqua da propriedade fosse eliminada. Assim, caberia ao Estado uma tributação que permitisse uma melhor distribuição da riqueza na sociedade, através, por exemplo, de imposto de renda progressivo e imposto sobre heranças (PANORAMA, 1950).

Mesmo em Princípios de Economia Política, Mill explicita seu caráter reformador ao sugerir a maneira de melhorar a condição humana por meio da distribuição de renda, e da educação. No que toca a educação, o autor pensava ser o caminho para o desenvolvimento intelectual e moral, de forma que os trabalhadores pudessem, através dela, solucionar suas questões. Mill defendia a educação pública para os pobres, podendo esta viabilizar uma evolução moral das pessoas e melhorar suas índoles, mitigando, inclusive o egoísmo humano4.

Se desejarmos um espírito público, sentimentos generosos, ou justiça e igualdade, a escola em que se cultivam tais virtudes não será o isolamento dos interesses, mas a associação de interesses. O objetivo do aperfeiçoamento não deve consistir em colocar os seres humanos em uma condição em que possam viver uns sem os outros, mas capacitá-los a trabalhar uns com os outros ou uns pelos outros [...] (MILL, 1983a, p. 262).

Em última instância, Mill pensa que a mudança de caráter das pessoas, de maneira a reduzir o egoísmo, seria uma maneira de mitigar os problemas da sociedade, particularmente no que se refere à distribuição. O destino da humanidade só poderia melhorar se as pessoas mudassem seu modo de pensar, seja devido à religião, à moral ou à política, uma vez que esta mudança alteraria os costumes sociais e, por consequência, a distribuição.

Uma maneira visualizada para esta transformação seria a cooperação entre os trabalhadores e estes, entre si, mitigariam valores humanos mesquinhos:

À medida que as associações se multiplicarem, tenderiam cada vez mais a absorver todos os trabalhadores, excetuado aqueles [...] [de] pouca virtude para serem capazes de aprender a agir dentro de outro sistema que não seja o do egoísmo tacanho. (MILL, 1983a, p.262).

Vislumbrava ele um futuro onde os seres humanos estão preocupados com a dignidade, com a integridade e com a justiça, mais do que a própria luta pela sobrevivência. E à educação caberia o papel de emancipar os seres humanos. (SILVA; COUTO, 2009)

3 A perspectiva seniana acerca da produção, da distribuição e das soluções para a relação entre elas
Amartya Sen é um pensador que tem tido uma grande preocupação com a questão distributiva na sociedade em seu tempo. Nesse ponto de vista, o mercado, enquanto um espaço onde regula e efetiva a produção, deve ser necessariamente questionado, no que tange a distribuição econômica. A extensa referência bibliográfica no que se refere a alocação das utilidades, assim como da própria riqueza produzida pela sociedade, nos diversos setores sociais, conforme Sen (1993), excedeu-se na atenção à eficiência dos mercados, ao passo que tornou parca a discussão sobre a questão distributiva. O fio condutor na literatura econômica deste debate, ao que parece, tem sido a eficiência sob o critério de Pareto. Este conceito pode ser definido como que uma dada comunidade melhoraria se, ceteris paribus, uma melhora para um sujeito ou um grupo de pessoas não implicasse na piora de ninguém. Conforme Sen (1999a), um estado social alcançará o ótimo de Pareto se for impossível aumentar a utilidade de uma pessoa sem reduzir a utilidade de alguma outra pessoa.

Para a teoria econômica convencional, a eficiência sob o critério de Pareto, ou ótimo de Pareto, implica na eficiência econômica como um todo. Em relação a essa consideração, Sen (1993; 1999a) observa que o ótimo de Pareto abrange somente a eficiência no espaço das utilidades, pressupondo que um dado mercado competitivo chega ao equilibro desde que haja dotações iniciais distribuídas adequadamente. Para Sen (1993, p.536) “efficient outcome may well be thoroughly unequal and nasty, the corresponding weakly efficient combination of opportunity-freedoms can also be deeply unattractive. De acordo com o que verifica Sen (1999a), nos marcos da teoria econômica do bem-estar, sendo o ótimo de Pareto o único critério de ponderação e a conduta auto-interessada com única base de escolha econômica, é possível identificar uma importante preposição, o chamado "Teorema Fundamental da Economia do Bem-Estar", que relaciona os resultados do equilíbrio de mercado em concorrência perfeita com o ótimo de Pareto e se apresenta sob duas formas. A primeira, isto é, o Primeiro Teorema Fundamental da Economia do Bem-Estar, mostra que, sob certas condições (ausência de externalidades, por exemplo) cada equilíbrio perfeitamente competitivo é um ótimo de Pareto. A segunda, ou seja, o Segundo Teorema Fundamental da Economia do Bem-Estar, mostra que cada estado social ótimo de Pareto é também um equilíbrio perfeitamente competitivo em relação a um dado conjunto de preços e a uma dada dotação inicial de recursos.

Conforme esses Teoremas, Sen (1999a) observa que todo estado social definido como ótimo de Pareto é um equilíbrio perfeitamente competitivo. Para uma dada distribuição inicial de dotações, o equilíbrio competitivo é o mais atrativo, uma vez que "se considerou razoável supor que o melhor de todos os estados teria de ser no mínimo Pareto-ótimo, de modo que também o melhor dos estados seria obtenível por meio do mecanismo competitivo" (SEN, 1999, p.51).

No entanto, ainda que pese a constatação feita por Sen de que o Teorema Fundamental da Economia do Bem-Estar é limitado, posto que parte-se do pressuposto da equidade econômica distributiva, o espaço onde regula e efetiva a produção (o mercado) é por si só vantajoso e eficiente. Na medida em que este espaço onde regula e efetiva a produção é a manifestação cabal das liberdades, negá-lo seria em si uma grande falha da sociedade. Para Sen (2000, p.136), “temos boas razões para comprar e vender, para trocar e para buscar um tipo de vida que possa prosperar com base nas transações. Continua dizendo que “políticas que restringem oportunidades de mercado podem ter o efeito de restringir a expansão das liberdades substantivas que teriam sido geradas pelo sistema de mercado, principalmente por meio da prosperidade econômica geral” (idem, ibidem, p.41).

O grande limitante deste espaço de regulação e efetivação da produção seria a sua capacidade (precária) de revelar as informações. Conforme Sen (1999a, 52):

Dado o comportamento auto-interessado, o mecanismo de mercado fornece bons incentivos para cada agente escolher apropriadamente, dadas as suas dotações iniciais, porém não existe um mecanismo comparável pelo qual as pessoas têm incentivo para revelar as informações com base nas escolhas entre estados Pareto-ótimos pudesse ser feita e a distribuição inicial apropriada pudesse ser fixada. Os mecanismos usuais de alocação de recursos descentralizados também não tem utilidade na obtenção das informações de base, pois atuam fundamentados no “trabalho de equipe” por parte dos diferentes agentes envolvidos, enquanto as decisões distributivas encerram conflitos entre um agente e outro. Assim, pouco se pode avançar em termos de ação efetiva com base na segunda parte do “teorema fundamental”.

Expandindo este argumento, Kerstenetzky (2000) argumenta que Sen questiona o hardore welfarista do utilitarismo. Segundo ela:

A objeção maior de Sen ao utilitarismo deve-se à ênfase deste último no bem-estar, ao que ele chama de aspecto welfarista do utilitarismo, que padeceria de injustificado reducionismo de valor. Adicionalmente, ao apoiar-se na utilidade e nas preferências dos indivíduos, o utilitarismo não faria justiça às óbvias assimetrias de informação e de condição existentes entre eles, as quais permitem que alguns tenham preferências “caras” enquanto outros formem, resignadamente, preferências “baratas”. Na economia do bem-estar, o welfarismo do utilitarismo encontraria expressão no critério de ótimo de Pareto, que justamente por basear-se em utilidades, e consequentemente em preferências, revelar-se-ia um critério além de insuficiente, informacionalmente inadequado para a avaliação de estados sociais alternativos. O utilitarismo distorceria a avaliação dos estados sociais possíveis sobretudo ao sancionar, de um lado, o conformismo daqueles que sofrem opressão e discriminação sociais continuadas, e que ajustariam suas preferências às suas minguadas possibilidades de realização, e de outro, os privilégios de elites que já deitaram raízes. (idem, ibidem, p.116)

Este leitmotive endógeno lógico ao espaço de regulação e efetivação da produção que conduz a disparidades, isto é, a distorção informacional, torna-se o foco da perspectiva seniana de produção e distribuição. Conforme Sen (1993, 535): “given these standard assumptions, competitive market equilibria are weakly efficient in opportunity-freedoms in terms of capabilities as well as commodity holdings”. Para Sen (2000), qualquer tentativa de interferência intentando solucionar a disparidade distributiva poderia ocasionar no enfraquecimento da eficiência. Nas suas palavras:

Uma situação pode ser eficiente no sentido de que a utilidade ou liberdade substantiva de qualquer pessoa não pode ser aumentada sem diminuir que a utilidade ou liberdade substantiva de alguma outra, e ainda assim podem existir desigualdades imensas na distribuição das utilidades e liberdades. [...] Vale a pena considerar simultaneamente a eficiência por meio da liberdade do mecanismo de mercado, de um lado, e a gravidade dos problemas de desigualdade de liberdade de outro. [...] Mas a necessidade de prestar atenção simultaneamente aos aspectos da eficiência e equidade do problema permanece, pois a interferência motivada pela equidade no funcionamento do mecanismo de mercado pode enfraquecer as realizações de eficiência mesmo se promover a equidade. É importante esclarecer a necessidade da simultaneidade ao considerarmos os diferentes aspectos da avaliação e justiça social (idem, ibidem, p.144-5).

Colimando apontar possibilidades de superação deste problema lógico, na medida em que se flexibiliza o pressuposto de dotações iniciais equânimes dos agentes que acessam ao espaço de regulação e efetivação da produção, e que se identifica o enfraquecimento da eficiência quando intenta promover justiça social utilizando-se dos mecanismos de mercado (interferindo no mercado), Sen (1993) argumenta a melhor saída é modificar as dotações iniciais dos agentes, para que se que viabilize oportunidades iguais, antes destes imbricarem-se no mercado. Nesta linha, Sen (1993, p.521) diz que “we can get to that social optimum (one of the Pareto efficient points) through a competitive market equilibrium by having the required initial distribution of resources”, ou seja, necessário se faz uma correta distribuição inicial dos recursos. Diz ainda que “this could require a total reallocation of ownership patterns from whatever pattern we may have inherited historically (SEN, 1993, p.521).

Neste sentido, ele faz uma crítica poderosa ao utilitarismo, posto que sua estrutura agregativa “não tem interesse pela efetiva distribuição das utilidades – nem sensibilidade para essa distribuição – pois a concentração se dá inteiramente sobre o total de todos considerados em conjunto” (SEN, 2000, p.75). Além disto, segundo Sen (1999b, p.352, 357 e 362),

the utilitarian neglect of distributional issues and its concentration only on utility sum-totals in a distribution-blind way.[…] This criterion takes no interest whatever in distributional issues, which cannot be addressed without considering conflicts of interest and of preferences. The distributional issue is, in fact, intimately connected with the need to go beyond voting rules as the basis of social welfare judgments. [...] its program is to maximize the sum-total of utilities, no matter how unequally that total may be distributed. But the use of interpersonal comparisons can take other forms as well, allowing public decisions to be sensitive to inequalities in well-being and opportunities. […] This is a social choice problem, and axioms can indeed be proposed that attempt to capture our distributional concerns in this constructive exercise.

Para ele, um dos principais desdobramentos teóricos oriundos do utilitarismo, no que concerne a visão de justiça social está na ênfase dada à disparidade da renda. Conforme Sen (2000, p.131), a teoria econômica convencional deve ser alvo de crítica e esta deve residir sobretudo em função do excesso de ponderação feita a desigualdade na medida em que a restringe

a esfera da desigualdade de renda. Essa limitação tem efeito de contribuir para se negligenciar outros modos de ver a desigualdade e equidade, modos que influenciam de maneira muito mais abrangente a elaboração de políticas econômicas.

Sen (1993) destaca outros aspectos que são relevantes no que concerne a desigualdade. Ele considera a desigualdade não apenas do ponto de vista da renda, porém enfatiza questões como de realizações, de oportunidades reais e de liberdades dos indivíduos. Ater-se unicamente na faceta da renda, seria deveras limitante tanto do ponto de vista da percepção do problema, no caso, a desigualdade, quanto no que tange as possibilidades concretas de ação. Neste sentido, a abordagem das capacidades seria uma rica alternativa a abordagem clássica de justiça social. A abordagem das capacidades vai em direção do imperativo de expansão das capacidades humanas5, que propicie ao ser humano liberdade substantiva, isto é, escolher a vida que deseja levar. Para isso, necessário se faz leva em conta a diversidade humana, de acordo com o que cada um valora ser e fazer, assim como conectar princípios de justiça a políticas públicas e regras sociais ou normas de comportamento.

Mediante esta abordagem, para Kerstenetzky (2000), o indivíduo seria concebido de modo multifacetado e complexo, distinto do indivíduo da teoria econômica tradicional que é visto como um indivíduo típico, o homo economicus. Kerstenetzky (2000, p.119) diz que:

O indivíduo pode ser visto, multidimensionalmente, como alguém que possui ambições que dizem respeito às suas condições pessoais de vida e que não envolvem expectativas quanto às condições de vida de outro; que possui ambições que podem envolver as condições de vida ou o bem-estar de outras pessoas, a simpatia podendo ser incluída como um aspecto de seu bem-estar pessoal; e, finalmente, como alguém que possui compromissos que envolveriam a realização de objetivos que devem ser perseguidos independentemente de seus efeitos sobre seu bem-estar pessoal.

A partir desta abordagem, seria possível desenvolver o conceito de pobreza relativa. Segundo Kerstenetzky (2000, p.117): “esta seria afetada pelo nível de desigualdade socioeconômica prevalecente em uma sociedade, e as noções de funcionamentos e capacidades estariam aptas a aferi-lo”. Para ela:

À unicidade valorativa que encontra no utilitarismo e na economia do bem-estar de um modo geral, Sen contrapropõe, em sua abordagem dos funcionamentos e capacidades, uma pluralidade de objetos de valor, afirmando que o que tem valor para nós é constitutivamente plural, refletindo a pluralidade possível de seres e fazeres em consonância com a diversidade das carências dos indivíduos (KERSTENETZKY, 2000, p.118).

Além da necessária revisão da abordagem feita no que diz respeito à concepção de equidade, para Sen, esta deveria vir a pari passu da transformação efetiva dos valores dos indivíduos. Partindo-se do pressuposto de que as políticas públicas são desdobramentos de como se encontra a capacidade da sociedade, não há como expandir as capacidades sem alterar os valores dos indivíduos desta dada sociedade. Em síntese, segundo ele:

Deve-se atentar particularmente para a expansão das “capacidades” [capabilities] das pessoas de levar o tipo de vida que elas valorizam. Essas capacidades podem ser aumentadas pela política pública, mas também, por outro lado, a direção da política pública pode ser influenciada pelo uso efetivo das capacidades do povo (SEN, 2000, p.32).

Um “indivíduo comprometido” com os valores sociais, com as regras de conduta, com os padrões da coletividade e com os objetivos de outras pessoas impactaria na criação de uma identidade social homogênea. Este indivíduo comprometido possui valores morais que o fazem sofrer com a miséria e com a injustiça alheia. Auxiliando, portanto, na mutação dos conflitos distributivos da sociedade (MARIN; QUINTANA, 2010).

4 Considerações finais

O presente artigo buscou desenvolver brevemente as perspectivas de Mill e Sen em relação à produção e à distribuição. Tendo por objetivo destacar que embora suas concepções teóricas sejam distintas, existem pontos de intersecção.

Mill visualiza que as leis de produção não são as mesmas do que as leis de distribuição. Enquanto a produção segue leis gerais, generalizáveis a todas as sociedades, funcionando de maneira eficaz; a distribuição depende dos costumes, ou, em outros termos, da própria humanidade, que nem sempre é justa. Sendo o autor um reformador com traços igualitários, busca encontrar a solução deste conflito através de uma evolução moral. A qual se daria pela educação, com sua capacidade de mudar costumes e, por consequência, a distribuição, através da disseminação de valores solidários.

Sen, em sentido semelhante, identifica a produção na esfera do mercado, que em si a regula e a efetiva de forma eficiente. Contudo, o desequilíbrio é identificado na não equanimidade das dotações iniciais.

A abordagem das capacidades de Sen vislumbra a possibilidade de elevar as dotações iniciais para atingir-se a igualdade. Além disso, um indivíduo comprometido com os demais membros da sociedade estaria disposto a remover a miséria de outros indivíduos.

Neste sentido, embora os autores tenham distintas matizes teóricas e utilizem termos distintos, chegam a análises e conclusões confluentes.

Referências
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CORAZZA, Gentil. Ciência e método na história do pensamento econômico. Encontro Regional de Economia - Anpec Sul, 11, 2008, Curitiba. Anais do XI Encontro Regional de Economia - Anpec Sul 2008. Curitiba : UFPR, 2008, p. 1-19. Disponível em: http://www.economiaetecnologia.ufpr.br/XI_ANPEC-Sul. Acesso em 8 set 2010.
KERSTENETZKY, Célia Lessa. Desigualdade e Pobreza: Lições de Sen. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 15 (42): 113-122, 2000.
MARIN, Solange Regina ; QUINTANA, André Marzulo. Amartya Sen e a Escolha Social: uma extensão da teoria da justiça de John Rawls. In: XV ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA POLÍTICA, 2010, Maranhão. Anais do XV Encontro Nacional de Economia Política, 2010.
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PANORAMA da ciência econômica.  Lisboa: Edições Cosmos, c1950. v.1.
SEN, Amartya. Makets and Freedoms: Achievements and Limitations of the Market Mechanism in Promoting Individual Freedoms; Oxford Economic Papers 45, 519–543, 1993.

__________. Sobre ética e economia. São Paulo: Companhia das Letras, 1999a.

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SILVA, Geisiane Michelle ; COUTO, Joaquim Miguel . A trajetória de John Stuart Mill e algumas de suas ideias sociais e econômicas. In: XXIV SEMANA DO ECONOMISTA - UEM, 2009, Maringá. Anais da XXIV Semana do Economista: a economia brasileira e a crise internacional. Maringá : DCO/UEM, 2009.
SMITH, Adam. A Riqueza das Nações – Investigação Sobre sua Natureza e suas Causas. São Paulo: Nova Cultural, c1996. v.1.

1 Bacharel em Economia, UEFS; mestrando do PPGE-UFRGS. E-mail: giliad.souza@gmail.com

2Bacharel em Economia, UFRGS; mestre e doutorando do PPGE-UFRGS. E-mail: roberiturriet@yahoo.com.br

3 Este é o resultado da chamada “batalha dos métodos”, amplamente referida na literatura. De um lado havia a defesa do método abstrado-dedutivo com Carl Menger e de outro o histórico, da Escola Histórica Alemã. É sabido que os marginalistas obtiveram vitória incontestável neste debate e isto marca o método e o escopo da ciência econômica. Ver Corazza (2008).

4 Cabe destacar que o postulado do egoísmo é o pilar básico da análise abstrata-dedutiva da teoria econômica, a qual supostamente encontraria seu nascedouro na célebre passagem de Smith antes citada.

5 As capacidades, por sua vez, refletiriam as oportunidades de escolha por diferentes conjuntos de funcionamentos que estariam abertas aos indivíduos, representando a extensão de sua liberdade efetiva, e não apenas, como no índice rawlsiano dos bens sociais primários, os meios para a liberdade, que em princípio seriam insensíveis à variabilidade interpessoal de carências, à sua duração e intensidade (KERSTENETZKY, 2000, p.118).


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