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A psicologia2 arte Manuela Monteiro q, Milice Ribeiro dos Santos


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L. B. - Falar de ética está tanto na moda que receio que a palavra acabe por perder sentido. Ou então que tenhamos que a
escrever entre aspas, como aconteceu já
com a palavra “sucesso” na primeira metade dos anos 90... Os problemas que se põem a um psicólogo educacional são essencialmente idênticos aos que se põem a um psicólogo clínico: o respeito pela pessoa - criança, jovem ou adulto. E a dificuldade em gerir o
que nós sabemos, e pode ser segredo, e a
necessidade de desencadear soluções que não dependem só de nós.

P. - Conte um caso significativo na sua experiência profissional.


L. B. - Acho que contava dois. Um, já antigo, mas que me marcou profundamente, pelo que me ensinou: fiz a uma miúda aquela pergunta do WISC: “Sefiosses comprarpão e na padaria te dissessem que Já não bavia, o que é que Jàzias@’. E ela respondeu: “Ia pedir dinbeiro a minba mãe porque já não fiavam mais”. Claro que esta resposta não constava da lista das respostas a pontuar como certas. Mas não só revelava uma grande perspicácia e inteligência, como me revelou a mim como alguns instrumentos são marcados por factores sociais e culturais. Neste caso, por exemplo, seria resposta certa “comprar pãezinbos de leite”.

0 outro episódio tipifica aqueles milagres que podem ser quotidianos e acontecem, de facto, muitas vezes: os alunos de uma escola pediram para reunir cormosco (ia com outros dois colegas professores com funções técnicas no Ministério da Educação) para pôr alguns problemas da escola. Dissemos que sim e que queríamos que alguns professores também estivessem presentes. A nossa passagem na escola era ocasional e não tínhamos qualquer poder de intervenção. E também não queríamos que o debate se transformasse numa inútil sessão de queixas contra a escola e os professores. Estes, no princípio, estavam um bocado na defensiva; mas, a pouco e pouco, começaram a entrar numa posição de diálogo. Os alunos começaram a sugerir maneiras de solucionar alguns problemas. Quando a ses-


são acabou, tinham sido resolvidas questões tão importantes como o horário dos transportes e toda a gente estava contente e a saber que podiam contar uns com os outros. P. - Muita gente pensa que a escola esta a falhar, no essencial, na sua função de educar. Concorda?
L. B. - É difícil não concordar. As escolas onde professores e alunos se sentem felizes, e as aulas onde se trabalha e aprende, existem, mas são as excepções. Penso que na raiz desta situação, para além de eventuais medidas administrativas mais ou menos acertadas, está numa certa
“cegueira” da escola, como instituição, para
a sua maior qualidade: ser um local de interacção. Em vez de aproveitar alegremente este privilégio de ter uma quantidade de crianças e jovens e de professores, que são pessoas que escolheram uma actividade profissional que é baseada no convívio, o quotidiano das escolas mostra que esta mais~valia absoluta das escolas (onde mais é que há tantas horas para estar junto e trocar ideias?) é transformada em desvantagem, problema e obstáculo.
A interacção entre os alunos é desencorajada, se não punida. Os professores, por sua vez, estão muitas vezes numa posição defensiva, e a sua relação com os alunos é muitas vezes curto-circuitada. Alguns professores parece que têm medo. E os alunos também têm medo de falar normalmente, de conversar, com os professores como
com outra pessoa qualquer. Isto prejudica tanto as aprendizagens como a educação num sentido mais lato. Por exemplo, a formação para a democracia pode fazer-se pela prática. Ora a escola é um local onde há muitas decisões a tomar que têm a ver com o quotidiano dos que a
vivem, e que vão, por exemplo, da gestão do espaço e do tempo à maneira e à ordem como se podem tratar os assuntos a
trabalhar obrigatoriamente numa disciplina. Decisões que só teriam a ganhar se fossem tomadas de forma participada. Mas a tal falta de diálogo e de acção conjunta faz com que a escola se torne uma escola da passividade e, nalguns casos, da sua outra
face, da revolta. Muitas vezes me tenho perguntado se a
passividade geral dos humanos perante o
que se passa à sua volta não foi iniciada e treinada na escola, para poder depois ser
praticada quotidianamente perante os ecrás
da televisão. P. - Como ultrapassar esta situação?
L. B. - justamente aceitar e incentivar a interacção entre os alunos, entre alunos e professores e entre os professores, e promover a participação activa dos alunos na
vida e nas decisões da aula e da escola. Só assim o sentimento de pertença e a responsabilidade se podem desenvolver.

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Fátima Sarsfield Cabral é psicóloga e psicanalista.
Trabalha, desde 1973, no Centro de Saúde Mental
Infantil e Juvenil do Porto, faz psicoterapia analítica e
psicanálise a adultos e crianças. Estagiou em Paris
sob a orientação do psicanalista Serge Lebovici. É membro titular e didacta da Sociedade Portuguesa
de Psicanálise e membro titular da Sociedade
Portuguesa de Psicodrama Psicanalítico de Grupo. É
autora de diversos artigos sobre psicanálise e do livro
Pensar a Emoção.
Pergunta - Qual a área de intervenção do psicólogo clínico?
Fátima S. Cabral - 0 psicólogo clínico intervém especialmente na área da saúde
mental, englobando a prevenção, a intervenção ou o tratamento, a investigação e o ensino. As suas funções dependem fundamentalmente do tipo e do grau de aprofundamento da sua formação - formação que me parece dever ser contínua - e do facto
de trabalhar sozinho ou numa equipa e do equilíbrio e dinâmica que se estabelecem
nessa equipa. Mais concretamente, podemos dizer que a
sua intervenção começa pela observação -
a chamada observação psicológica. Esta observação é muito especial porque se
trata de observar pessoas. Para esta observação, o psicólogo socorre-se muitas vezes
de instrumentos - os chamados testes -
que, por um lado, se podem ajudar muito no diagnóstico psicológico (por ex,, aperceber-se das dificuldades específicas que uma criança pode ter na aprendizagem, apesar de ter um bom desenvolvimento
intelectual), por outro, podem ser um
entrave ou constituírem uma defesa ao
estabelecimento de uma relação mais profunda que se constrói, lentamente e sem “truques”. Portanto, ao estudo psicológico do indivíduo ou dos grupos, segue-se naturalmente a elaboração do diagnóstico psicológico -
que deveria ser discutido e completado com o de outros técnicos da equipa (médicos, assistentes sociais, educadores, terapeutas) diagnóstico fundamental para a
prevenção ou para a escolha do tratamento mais adequado à situação.

0 psicólogo clínico pode ainda fazer o


aconselhamento psicológico individual, conjugal, familiar ou de grupo, intervir psicologicamente e fazer psicoterapia. Mas eu
penso que os psicólogos, assim como
todos os técnicos médicos ou não médicos, deveriam sempre continuar a sua formação após a licenciatura - que forçosamente dá uma formação muito geral - e escolher especializar-se numa ou noutra corrente de
intervenção ou terapia que se adapte melhor à sua personalidade, percurso de vida e opções teóricas. Neste momento, em
Portugal, são as várias sociedades clínicas
que fazem essas formações, que passam quase sempre por o psicólogo sofrer - com

aspas ou sem elas - a terapia que pretende aprender a fazer aos outros: Terapia familiar, comportamental, cognitivista, psicodrama, psicanálise, etc.


P. - Que métodos e técnicas são mais
usados na sua prática?
F. S. C. - A prática, os métodos e técnicas
que o psicólogo clínico utiliza dependem sempre da sua ex@eriència e formação. Geralmente, começa-se pela observação, por conversar livremente com as pessoas, tentando estabelecer uma relação que permita a abertura e a confiança da criança ou
do adulto em nós. Com as crianças, a
observação do jogo simbõlico, da maneira como utiliza os brinquedos, do desenho e
da pintura livres são meios fundamentais para determinar o seu desenvolvimento e
para compreender o que se passa no seu íntimo, já que raramente conseguem exprimir pela fala aquilo que sentem ou temem
ou que as faz sofrer. Mas há também testes estandardizados e inquéritos que nos dão
uma medida estatística - e como tal relativa
e cega perante situações específicas - do
nível de desenvolvimento intelectual ou de
dificuldades mais específicas e que perturbam a aprendizagem, como as dificuldades na organização grafoperceptiva e na inte-
gração da lateralidade; outros ainda, como os projectivos - Família, Pata Preta, CAT, Fábulas de Duss, por exemplo -, podem-nos ajudar a obter mais rapidamente certos dados, certas fantasias, que podem mesmo
ser inconscientes para a criança e que nos permitem intervir no alvo do problema. Um exemplo muito comum é a criança projectar nas figuras de animais o ciúme
perante o nascimento de um irmão, sem, no entanto, jamais ter exprimido isso, de tal modo que os pais nunca o teriam notado.
Isto faz-me pensar em como é importante que o psicólogo clínico não deixe de ligar os vários dados que obtém através desta observação que, apenas metodologica-
mente, é feita por zonas aparentemente compartimentadas - inteligência, afectividade, etc. A psicologia clínica tem evo-
luído muito e, hoje, dá-se uma enorme importância ao desenvolvimento e à rela-
cão precoces, pois, como dizia João dos Santos, é no berço que o bebé começa a aprender a ler, e muitos dos problemas futuros começam aí. Por isso, a área da
relação precoce e do apoio à gravidez começa a ser uma das mais frutuosas para a intervenção do psicólogo. Entretanto, a minha prática foi-se modificando à medida que eu ia aprofundando a
minha formação e os meus conhecimentos

- e espero que assim continue... Bem, o


que aconteceu foi que a corrente psicanalítica sempre foi a que me pareceu mais profunda, ligando a razão e a emoção e a que permitia compreender melhor o mundo
interno. E, passado pouco tempo de terminar o meu curso e de começar a trabalhar
no Centro de Saúde Mental Infantil do
Porto, comecei a minha própria psicanálise e depois a formação para ser psicanalista de adultos e crianças. Considero que esta foi - para mim - a formação essencial, apesar de também ter feito formação em psicodrama e terapia familiar. Portanto, apesar de ainda utilizar - só com crianças - os tes-
tes psicológicos na observação para um
diagnostico rápido, uso sobretudo o
método clínico, no sentido em que Piaget o utilizou, ou seja, para tentar compreender o
funcionamento psíquico, não separando a
inteligência do afecto e estes do ambiente
familiar e escolar.
Utilizo cada vez menos instrumentos, sendo o principal a análise daquilo que vou sentindo na relação entre mim e a
criança, adulto ou *grupo. Evidentemente que isto pressupõe uma atitude de grande disponibilidade para receber as projecções que o outro ou os outros não suportam ou desconhecem e depositam no
terapeuta, e uma formação contínua, supervisão ou discussão em pequenos

grupos de trabalho, que ajudem a destrin-


çar as fantasias que pertencem ao terapeuta - um outro ser humano, talvez mais fortalecido e interiormente mais livre e
disponível pela sua própria análise - e
que o ajudem a pensar para poder devolver de uma forma mitigada aquilo que foi projectado, de maneira a poder ser digerido pela criança, adulto ou família, possibilitando-lhes o crescimento e a conquista da autonomia e da criatividade.
P. - Quais as problemáticas da sociedade contemporãnea que justificam a intervenção do psicólogo clínico?
F. S. C. - Essa pergunta faz-me sorrir porque pus-me a imaginar uma sociedade que não precisasse de psicólogos... Se calhar só o nome, as técnicas e os conhecimentos é que são modernos... Sempre houve feiticeiros, curandeiros, bruxas, directores espirituais, etc., etc., para ajudar o ser humano
a suportar o sofrimento provocado pela sua condição de ter dentro de si algo que o aparenta aos deuses - um mundo infinito
de fantasia - e de se saber condenado à
morte e a separação. De qualquer maneira, o que se verifica é que quanto mais complexa é a sociedade
maiores tensões existem, maior é a competição desenfreada, a violência e a exclusão.
E não é por acaso que tanto se fala na falta
de comunicação que existe na nossa sociedade, a par da enorme sofisticação dos meios de comunicação social que, paradoxalmente, parecem isolar cada vez mais o ser humano, tentando “normalizá-lo” e
afastando tudo o que é diferente. A psicologia e os psicólogos têm aqui um
enorme campo de acção, tanto na prevencão como na intervenção junto do indivíduo e dos grupos.
P. - Que questões éticas se colocam na sua acção como psicóloga?
F. S. C. - Há bocado falávamos da relação do psicólogo clínico como uma relação com
o mais íntimo das pessoas. Evidentemente que isso põe imediatamente questões éticas e não só pela importância do segredo profissional. Este levanta muitas questões sobretudo quando se trabalha com crianças que nos são enviadas pela escola e os professores querem saber o que se passa para perceber melhor o aluno. Mas há sempre o risco - se se passarem certas informações -
de a criança ser estigmatizada. Há uns estu-
dos muito interessantes que mostram que, se se diz aos professores que certos alunos têm mais capacidades que outros - sem ser
verdade -, isso vai influenciar significativamente - e inconscientemente - o seu interesse pelos que pensa serem os melhores, de tal modo que as suas capacidades aumentam significativamente. Considero extremamente importante a ati-
tude do psicólogo cujo trabalho é o de acei-
tar o outro como ele é, respeitá-lo e ao seu
sofrimento, compreendê-lo, enquanto, simultaneamente, vai favorecendo a sua
autonomia e capacidades criativas. Muit as
vezes as pessoas estão muito fragilizadas e é
extremamente fácil manipulã-las. Mesmo que um terapeuta não dê conselhos, o paciente apercebe-se muitas vezes daquilo que agrada ou não ao terapeuta, se este não for
tolerante. Muitas críticas que se fazem às
terapias é o de elas tentarem adaptar as pessoas, tornando-as conformistas e dependentes. Mas o objectivo de uma terapia - para mim - só pode ser o de ajudar o outro a ser
* que é, a fortalecer-se para saber escolher

* caminho que quer seguir e a tolerar


melhor as diferenças, a separação e o sofri-
mento que sempre acontece na vida real. Ouvi muitas vezes as pessoas manifestarem o seu medo das terapias por poderem ficar dependentes do terapeuta; é verdade que há um período em que o terapeuta é fundamental e a pessoa se sente afectivamente
dependente dele; mas esta dependência acontece porque J .a existia ou porque a pessoa necessitava dela para se tornar mais
segura e finalmente autónoma.

P. - Conte-nos um caso significativo da sua experiência profissional.


F. S. C. - É dificil escolher... Acho sempre muito interessante ver como o trabalho
com os pais, ou muitas vezes só com a
mãe, pode alterar tanto o comportamento dos filhos, pode fazer desaparecer a impossibilidade de dormir só, ou a enurese, ou
as crises de raiva. Mais uma vez isto nos
mostra como a criança pode ser o sintoma
do que não vai bem na família ou com um
dos pais, da própria dificuldade de separação destes dos filhos, da dificuldade em os
deixar crescer ou da violência das projecções em certas famílias. Um caso muito bonito que tenho neste momento é o de uma criança que, embora com perto de 5 anos, tinha um comportamento semelhante ao de uma de 2, pro- nunciando apenas alguns sons, sem, no
entanto, ser autista nem me parecer débil mental. Parecia-me mais que o seu desen-
volvimento tinha parado - talvez na altura
do nascimento de um irmão. 0 que mais me tocava era a nostalgia do seu olhar, o
facto de nunca sorrir e a angústia da separação. Ao fim de seis meses de psicanálise, com três sessões por semana, em que o jogo principal e repetitivo tem sido o de se
esconder para eu a procurar, a sua transformação é enorme: alegre, brincalhona, terna e também capaz de mostrar a sua
agressividade, já diz frases completas e
interessa-se por livros e histórias. Claro que a sua terapia está longe de terminar e que nem sempre é assim tão rápido o desbIo-
queamento de uma situação. Mas uma das terapias que mais gosto de fazer - e que resultou de uma profunda reflexão, feita por um pequeno grupo de técnicos com formação analítica, sobre a
importância da expressão criativa através do jogo e da pintura livres, da dinâmica de
grupo, do período de latência e da técnica psicanalítica - é a dos grupos de psicoterapia analítica com crianças entre os 6 e os
11 anos. Nestes grupos, não mistos, os
rapazes ou as raparigas mais novos (6/8 anos) podem exprimir os seus medos, fantasias ou desejos através de jogos, histórias ou teatros, e os mais velhos (9/11 anos) através da pintura livre. Mas, para além da expressão através do jogo e da pintura, é dada grande importância à palavra e à
interpretação do que é dito de uma forma
ou de outra. Todo o grupo é tomado como a expressão do mundo interno, em que há partes mais maduras, outras mais “abebezadas”, outras medrosas, outras deprimidas, outras invejosas ou ciumentas, etc., etc., que, como num sonho, são o espelho do que se passa no teatro interno de cada indivíduo. 0 facto de serem grupos só de rapazes ou de raparigas reforça e ajuda muito à consolidação da identidade sexual neste período da latência. Além disso, os
pais destas crianças (sobretudo as mães) têm, à mesma hora do grupo dos filhos e
com outro terapeuta, uma reunião para discutirem problemas que têm com os filhos
mas que, rapidamente, se transforma numa
terapia de grupo. Verificámos muito depressa quanto as mudanças nos filhos e nos pais estavam interligadas e como as transformações se davam mais rapidamente... A grande maioria destas crianças aparece-nos com dificuldades escolares, medos, inibições, mutismos e outros sinto-
mas; ao fim de algum tempo de terapia -
e, às vezes, com grande espanto dos pais e
professores, “porque só estavam ali a brin-
car e não a estudar” -, começam a ter um
novo interesse pela vida, a ter menos
medo de crescer e a tolerar melhor a dor
mental inerente as perdas consequentes, a
ter um bom rendimento, a ser capazes de se afirmar e a ser mais criativas.

E N T R E V 1 S T A


Adriana Baptista, sociolinguista, é professora adjunta
na Escola Superior de Educação do Porto e membro
da Associação Portuguesa de Linguística.
A sua tese de mestrado explora as estratégias que os
falantes usam para verbalizar representações mentais
espaciais.
Actualmente desenvolve pesquisas na área da comuni-
cação e da retórica verbal e visual enquanto estratégias
de convencimento.
Pergunta - Quando queremos interligar linguagem e pensamento, a primeira questão que nos surge é a de saber de que modo a forma como falamos nos ajuda a pensar e a estruturar o mundo.
Adriana Baptista - Não é fácil responder a este tipo de questões a não ser que optemos por respostas circulares, tal é a interli-
gação da linguagem e do pensamento enquanto fenómenos constituintes da actividade cognoscente. Será que criamos e
desenvolvemos a linguagem em função das necessidades que o mundo nos apresenta ou serã que, contrariamente, o mundo que vemos é o resultado da língua que falatrios? Se, por um lado, uma mente positivista rejeitaria sem hesitações esta segunda hipótese, o certo é que a língua que falamos e com que nos habituamos a ver o
mundo é uma chave fundamental para a
nossa leitura inteligente dos fenómenos do quotidiano e que falar uma língua e não
outra nos permite estabelecer relações de parentesco semântico entre determinadas realidades e não entre outras.
A linguagem verbal é, com certeza, uma forma específica de representação do mundo mas não devemos pensar que é
uma forma simples de etiquetagem. A representação do mundo que qualquer língua natural admite estará sempre profundamente ligada à realidade social de onde
essa mesma língua é originária, às raizes culturais dos seus utentes, aos seus hábitos, etc. Possuir um paradigma lexical de mais de cinquenta termos para a realidade
,,neve” (como é o caso dos esquimós) obrigatoriamente criará, da parte do falante uma relação com a neve diferente daquela que o falante que-apenas distingue “neve” de “granizo”, “saraiva” ou “geló” poderá ter. 0 falante cujo paradigma lexical é mais vasto verá vários tipos de neve. Ver, aqui, significa distinguir, poder classificar, com-
parar. 0 português, por exemplo, não verá tantos tipos de neve, isto é, não os conhe~
cera. 0 que não quer dizer que eles não existam, mas apenas que não podem ser
objectos do seu pensamento. E como poderiam se desconhecemos as palavras que os nomeiam e tudo o que não tem
nome não existe? Um exemplo talvez ainda mais fulgurante que o da “neve” é o das cores. Qualquer falante do português, com
maior ou menor grau de daltonismo, admite a existência das diferentes cores do

espectro das cores como sendo universais


e ficaria surpreso ao saber que existem povos na Zâmbia ou na Libéria que falam línguas que para cores COMO 0 aZUI, 0 verde, o amarelo, cor de laranja ou o ver-
melho têm apenas dois termos ‘@hui” e
Ilziza” (Bassa, língua da Libéria), o que obrigatoriamente os impossibilita de ver de
forma distinta cada unia dessas cores.
Como fazer-nos, a nós, portugueses, chamar vermelho ao amarelo?
Mas a representação do mundo que a lin-
guagem verbal autoriza não está apenas ligada à nomeação da realidade, mas tam-
bém ao modo como a organização das nossas redes semânticas influi na nossa
estruturaçào do mundo. Todos sabernos que a tradução exacta de língua para língua não existe. Não porque não haja lexemas que representem determinada realidade, mas porque as relações que cada lexema estabelece com os outros possibi~ lita que a cada nome esteja apenso um
campo semântico cujas fronteiras confinam com as do campo semântico do nome que lhe é mais próximo na rede semântica mental. Isto é, cada nome representa aquilo que o outro não representa. Palavras que representam sentimentos associam~se com facilidade a outras em
função da Cultura, da idade e das vivências
do sujeito falante. Assim a palavra “paixão”, por exemplo, pode, dentro de uma
determinada língua, ou mesmo dentro de
um grupo (etário, por exemplo), por razões culturais ou educacionais, assumir valores distóricos próximos da loucura e
do desregramento, enquanto noutras línguas (ou noutros grupos) estará carregada de valores eufóricos, o que nos leva a pensar que dizendo a mesma palavra jamais diremos o mesmo mundo.
P. - Será que a criança é apenas o objecto passivo da língua que fala ou será que é capaz de se apropriar, de facto, de uma estrutura linguística convencional e agir sobre ela, transformando-a?
A. B. - A aprendizagem de qualquer língua por parte de uma criança é basicamente feita através da imitação. Convém não nos
esquecermos de que a imitação não é, porém, exclusiva das crianças. É frequente vermos os adultos imitarem as criações linguísticas das suas crianças, apropriarem-se delas e usarem-nas num universo nem
sempre muito restrito. No entanto, a imita-
ção enquanto processo de aprendizagem permite a partir de uma determinada idade a generalização de uma norma e, nessa
altura, deixa de ser suficiente e apenas a criatividade torna possível a produção ilimitada de que a criança vai sendo capaz. Este tipo de criatividade vai ser também
responsável pela criação de alguns desvios pessoais à norma~padrão. A normalização escolar encarregar-se-ã de limar todos estes desvios sujeitando-os a uma norma esco-
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