Recentemente muita atenção passou a ser dada à queixa de fadiga entre cuidados primários de saúde. Segundo o The National Ambulatory Medical Cares Survey, Summary, a fadiga é um dos sete mais comuns sintomas encontrados em cuidados primários. No entanto, poucas pesquisas e estudos retrospectivos e controlados têm sido feitos para identificar realmente o que isso significa. Segundo Korenke & cols., em amostragens de 1159 adultos entrevistados em clínicas de cuidados primários, 276 pacientes (24%) apontaram a fadiga como seu maior problema. A fadiga é, na verdade, difícil de ser estudada, tanto pelas suas peculiaridades, subjetividades e obstáculos para quantificá-Ia, como também, porque muitas vezes é vista com uma queixa menor. No entanto, a fadiga crônica incapacita freqüentemente muitos pacientes, além da grande freqüência de absenteísmo ao trabalho, baixa produção e uma série de problemas psicológicos, familiares e sociais que o sintoma pode gerar nesses pacientes.
Segundo vimos, várias doenças podem provocar fadiga crônica, apesar da grande maioria dos pacientes sofrer do que pode ser chamado de fadiga primária, em virtude de nenhuma outra causa ser encontrada que possa ser responsabilizada pelos sintomas. São pacientes que apresentam consistentes e poderosos achados em testes psicométricos combinados com ausência de alterações físicas e laboratoriais; está comprovado que os fatores emocionais desempenham um importante papel nestes casos. Os clínicos em geral subestimam as limitações funcionais destes pacientes resultando em um tratamento inadequado e uma insatisfação por parte dos pacientes (41-42 Wartma Artm. A.N. & cols., 1983; Pinholet & cols., 1987).
Pacientes com fadiga são mais sedentários que os grupos-controle. Exercícios podem ser benéficos na depressão e na ansiedade (Taylor & cols., 1985), mas não parecem apresentar grandes benefícios em casos de fadiga. Vários testes têm sido desenvolvidos para melhor avaliar os déficits cognitivos da fadiga como também para melhor identificar a fadiga entre pacientes vistos em cuidados primários de saúde. Entre pacientes psiquiátricos utiliza-se o Diagnostic Interview Schedule e atualmente outros screenings para melhor identificar estes pacientes já estão sendo desenvolvidos por Goldberg & cols., em estudos da Organização Mundial de Saúde.
Excluindo as causas orgânicas citadas, como também as causas psíquicas conhecidas, onde a fadiga existe, como, por exemplo, depressão maior (endógena), neurose depressiva (melhor dizendo, depressão neurótica), transtornos distímicos, ciclotímicos, hipocondria e somatização, existe um grupo significativo de pacientes, cujas queixas de fadiga prolongada e fadiga ao menor esforço físico e intelectual são acompanhadas de uma série de sintomas, conforme já mencionamos e que varia de paciente para paciente, mas que geralmente são cefaléias, mal-estar geral, mialgias, artralgias, dores na nuca, mal-estar gastrintestinal, dores musculares, sensações vertiginosas, distúrbio da atenção com dificuldade de fixação, memorização e evocação, pensamento lentificado, morosidade na ação. Este cortejo sintomatológico compromete a personalidade do indivíduo como um todo, que passa a se estruturar ao redor destes sintomas como também afeta a sua vida social, familiar e profissional.
Em busca de uma explicação comum situada ao nível do sistema nervoso central, muitos estudos passaram a ser desenvolvidos. As primeiras hipóteses concentraram-se no sistema dopaminérgico pelo fato deste envolver-se em síndromes de diversas origens que cursam com desinteresse, anedonia e astenia. O estudo de Puech, Simon e Boissier mostrou que certos neurolépticos bloqueadores dopaminérgicos, isto é, que antagonizam os efeitos dopaminérgicos da morfina, poderiam se mostrar desinibidores em clínica, sendo capazes de potencializar os efeitos produzidos pela apomorfina sobre o comportamento animal. No entanto, esta potencialização dar-se-ia somente em doses baixas.
Surgiu a questão de saber se os efeitos clínicos desinibidores estariam ligados à facilitação da transmissão dopaminérgica. O interesse por este assunto é anterior, pois já sabíamos da descrição dos chamados sintomas negativos da esquizofrenia, classicamente descritos na síndrome de dissociação com pobreza afetiva, assim como desinteresse, apatia, anedonia, alterações da atenção, da memória, falta de iniciativa, lentidão psicomotora, pobreza de discurso, acinesia e hipertonia. A maior parte dos neurolépticos utilizados na prática clínica mostraram-se ineficazes sobre estes sintomas negativos, porém, nos anos 60, observou-se que alguns deles tinham ação positiva sobre estes sintomas.
Esta propriedade já havia sido chamada por Deniker & Ginester de efeito desinibidor. No entanto, os estudos sobre estes efeitos ainda são raros e o primeiro instrumento de medida de sintomas negativos começa a surgir somente após os anos 80. Yves Lecrubier diz que o termo antideficitário é proposto para descrever esta propriedade terapêutica e que se refere não somente a uma categoria nosográfica dada, pois seria transnosológica. Segundo este autor, certos pacientes, os quais ele chama de deficitários, parecem apresentar esta síndrome, pois se queixam de uma fadiga permanente, crônica com diminuição do dinamismo, lentidão, dificuldades da memória, dificuldade da concentração, falta de iniciativa, embotamento afetivo: pensa-se que este quadro estaria associado a uma atividade dopaminérgica reduzida.
Estes pacientes foram classificados de depressivos neuróticos e pela DSM III como distímicos, mas, no entanto, nunca responderam aos antidepressivos tricíclicos apesar de apresentarem resultados moderados com os inibidores da monoaminoxidase, IMAO. Carnoy, Sobrie, Puech & Simon procuraram observar estudos com modelos animais compatíveis com a sintomatologia negativa encontrada nos esquizofrênicos e consideraram a possibilidade de uma resposta deficitária a um estímulo de recompensa, (rewarding estimule) ser a base para alguns dos sintomas do quadro da doença.
O termo anedonia tem sido usado para descrever um estado no qual o valor de recompensa de estímulos habitualmente reforçadores está bloqueado. A anedonia é um componente integral dos sintomas negativos na esquizofenia: uma resposta deficiente a estímulos recompensadores pode assim ser encarada como explanação plausível para alguns aspectos da doença (Crow, 1980; Mackay, 1980; Andreasen & 0lsen, 1982), Por outro lado, em razão de os neurolépticos, em diversos estudos animais, reduzirem as taxas de operatividade, isto foi imputado a um estado de anedonia (Wise, 1982). Isto pode ter importantes implicações em relação à suposta hiperativa transmissão da dopamina (DA) na esquizofrenia (Lecrubier & cols., 1980; Cartton & Manowitz, 1984), da mesma maneira que sugere que sintomas negativos, especialmente a anedonia, podem estar associados a uma reduzida atividade dopaminérgica.
Suportes complementares a estas idéias vieram da evidência clínica, indicando que sintomas negativos e positivos apareciam em extremos opostos de um continuum. A partir disto tentaram desenvolver modelos animais fidedignos para estudar esta hipótese.
"Decidimos investigar se baixas doses de agonistas DA (por exemplo, apomorfina), que se supõe reduzam a transmissão DA através da estimulação de DA auto-receptores (Roth, 1979; Skiboll & cols., 1979), podem também produzir déficits de recompensa em ratos. A apomorfina é conhecida como causando debilitação comportamental, inclusive hipocinesia ou sedação (Ki Chiara & cols., 1976; Costall & cols., 1981; Summers & cols., 1981; Misslin & cols., 1984), foram feitas tentativas para determinar o envolvimento relativo de efeitos motores versus efeitos do reforço em déficits de recompensa induzidos pela apomorfina. Finalmente, a propriedade de vários neurolépticos de reverter esses déficits de recompensa foi avaliada."
Em conclusão, uma resposta deficiente a estímulos de recompensa é proposta como um fator subjacente crítico para alguns aspectos (por exemplo, anedonia) da sintomatologia negativa de esquizofrenia. O presente estudo indica que em ratos, as baixas doses de apomorfina que se pensa reduzirem a transmissão de DA podem, como os neurolépticos, induzir a déficits comportamentais que provavelmente envolvem um valor de incentivo diminuído dos estímulos associados com reforço positivo.
Embora seja ingênuo esperar uma correlação precisa entre a capacidade da apomorfina (neurolépticos) de modificar o comportamento operativo em roedores e a sintomatologia extremamente complexa da doença humana, o presente estudo sugere que alguns sintomas negativos da esquizofrenia, tais como respostas deficientes a estímulos de recompensa, estejam provavelmente associados à transmissão diminuída de DA. Isto pode se estender ao nível de seus substratos bioquímicos - a relatada oposição entre sintomatologia negativas e positivas (Mac-Kay, 1989; Andreasen & Olsen, 1982), Além disso, alguns neurolépticos, eficazes em reverter os déficits de recompensa induzidos pela apomorfina, têm sido apontados como capazes de fazer melhorar preferencialmente os sintomas negativos (Petit & cols., 1984; Alfredsson & cols., 1985),
Embora sejam necessários ensaios clínicos adicionais para avaliar o grau de relevância de nosso modelo animal, os resultados aqui relatados levantam a questão de se o bloqueio dos receptores DA pós-sinápticos é ou não é um pré-requisito para a melhora de esquizofrênicos com sintomas negativos.
Em 1987, Yves Lecrubier em um artigo intitulado Multiple Pharmacological Mechanisms and Clinical Targets for Neuroleptics: Should a more operational classification be considered?, afirma que os efeitos desinibidores de alguns neurolépticos, há longo tempo descritos, podem melhorar os sintomas negativos, através de modificações hipodopaminérgicas funcionais. Segundo este autor, este efeito "energizante" pode ser observado em pacientes não-esquizofrênicos, que mostrem sintomas negativos. Propõe chamar de psicastênicos pacientes anedônicos, mas não propriamente deprimidos, considerando-os portadores de uma síndrome hipodopaminérgica.
Ele realizou um estudo procurando melhor definir estes doentes, sua sintomatologia e diagnóstico. A hipótese dele é que existiria uma subpopulação de pacientes classificados na DSM III como distímicos que apresentariam uma síndrome onde o perfil sintomatológico pudesse ser individualizado de maneira operatória (através de critérios) que apresentassem uma reatividade terapêutica original. Puech, Simon & Boissier já haviam estudado as benzamidas e uma comparação de suas ações usando os efeitos induzidos pela 6-apomorfina. Alguns neurolépticos foram identificados como possuindo em baixas doses, este efeito desinibidor e, portanto, sensibilizador da dopamina, entre eles o sulpiride (Equilid), pimozide (Orap) e mais recentemente a amisulprida (Socian).
Em estudos controlados com placebo com amisulprida em pacientes que apresentavam o diagnóstico de distímicos, com queixa predominante de fadiga (o provável subgrupo de Lecrubier), encontrou-se uma resposta favorável nos pacientes compatíveis com o diagnóstico da CID-10, F48.0 (Neurastenia), com doses variando de 50mg a 150mg. Em função destes estudos, hipóteses de trabalho foram levantadas. Necessário se faz, portanto, identificar melhor os pacientes que apresentam certa queixa de fatigabilidade crônica seguida da sintomatologia já mencionada anteriormente e que parecem não se enquadrar em nenhum dos grupos da DSM III-R a não ser, talvez, um subgrupo do distúrbio distímico, mas que parecem se enquadrar no diagnóstico de neurastenia, de acordo com os critérios da CID-10.
Porém, em função das dificuldades de se avaliar e de se determinar com instrumentos precisos queixas tão subjetivas, como fadiga, necessário se faz a criação destes instrumentos para melhor identificar estes pacientes na população geral. Sabemos que a prevalência desses pacientes entre aqueles que procuram os cuidados primários de saúde é elevada (15% a 25%) o que por si, já justifica um estudo mais aprofundado desses quadros clínicos que podem aparecer secundariamente a uma série de patologias como esquizofrenias, depressão, Parkinson, estado pós-virótico e todos aqueles citados anteriormente, mas que podem aparecer também sem que se encontre nenhuma dessas justificativas para o quadro. Constituiria, portanto, de uma entidade nosológica, assim como uma síndrome que poderia estar presente em várias patologias.
Parece importante também, buscar os correlatos biológicos, principalmente os do sistema nervoso central, que envolvem uma baixa atividade dopaminérgica, no sentido de abrir perspectivas terapêuticas para esses pacientes, independente da causa desta síndrome.
Durante a história da neurastenia, vimos que ela foi abandonada pelo fato desses pacientes, ao buscarem uma explicação para os seus sintomas supervalorizarem o funcionamento de seus órgãos e sistemas orgânicos, o que os levou a serem identificados em muitos casos como hipocondríacos. Segundo o enfoque que o paciente dava, quer em relação a queixas orgânicas ou a queixas do plano psíquico, as interpretações variavam. Assim também, a atenção do próprio clínico privilegiava mais a dimensão das queixas psíquicas ou orgânicas, chegando a diagnósticos diferentes e propostas terapêuticas diversas. Achamos que na verdade, todos são sofredores do mesmo tipo de síndrome ou de patologia.
Outro aspecto que deve ser levado em consideração é o papel da personalidade que moldaria o quadro da patologia do doente (patoplastia). Uma sintomatologia que incapacita o indivíduo numa sociedade onde o valor do trabalho, do ganho da produção é muito importante, é evidente que gerará uma construção reacional, reativa da personalidade ao redor destes sintomas, aí entrando em jogo os fatores culturais e individuais que influenciam a formação da personalidade. Acreditamos que deve ser feita uma revisão da neurastenia nos tempos de hoje. Não foi sem razão que a neurastenia empolgou a medicina do final do século XIX e do início deste. Sabe-se que estes pacientes existem e em grande quantidade. Sabe-se ainda que eles não estão no consultório dos clínicos psi.
Estes pacientes são crônicos, fazem queixas múltiplas e mudam freqüentemente de clínico. Fazem muitos exames, têm um custo caro em termos de saúde pública, alto índice de absenteísmo de trabalho, com aposentadorias. Representam baixa resposta a diversas terapêuticas até hoje conhecidas e são dificilmente identificados de maneira unitária, sendo pulverizados numa série de diagnósticos, de acordo com os clínicos que os examinam. Faz-se necessário, portanto, a criação desses instrumentos (screenings) para a precisa identificação destes doentes, adequada descrição clínica, identificação deles na população dos pacientes que procuram atenção médica e mais tarde na população geral. Por outro lado, é importante o conhecimento da biologia desta síndrome, seja ao nível muscular, da atividade dos íons, da interação músculo-sistema nervoso central e aí do papel dos neurotransmissores centrais. Talvez haja uma explicação do porque tão diferentes pacientes apresentam também tanta coisa em comum.
A partir daí, poderemos buscar tratamentos adequados e estabelecer programas em níveis de prevenção primária para esta patologia ou síndrome. A nosso ver, com o nome de psicastenia, neurastenia, distimia, neurose depressiva ou timastenia, esses pacientes existem. Parece-nos que o nome que ainda mais se adequa é o de neurastenia, senão por outras razões, por uma razão histórica. Necessário, pois se faz, a revisão da neurastenia para o benefício de grande parcela de pacientes que sofrem desta síndrome de fadiga crônica, acompanhada de diversa sintomatologia orgânica.
Valendo-se das pesquisas que eu mencionei ao longo deste artigo o laboratório farmacêutico que sintetizou a amisulprida fez um grande marketing da assim chamada Síndrome da Fadiga Crônica [Primária], que esta, além de virar moda, tornou-se um daqueles diagnósticos, tipo "saco sem fundo", como, o são a Síndrome do Pânico, a Demência de Alzheimer e o DHDA (ou TDAH).
Em função da inconsistência, até agora, deste diagnóstico, e deste fármaco, o oportunismo medicamentoso-laboratorial para com a amisulprida deu em nada. Dificilmente será encontrada hoje nas farmácias. É possível até que o laboratório a tenha parado de fabricar. Este composto químico, evidentemente, não pegou. |